Nesse momento do “discurso de Gamaliel”, Gade foi tomado de profunda emoção...
Exclamou o nome de Iocanã e lágrimas rolaram pelas suas faces... Então revelou que ele mesmo buscara a cabeça do supliciado e que, enquanto seguia com ela protegida no próprio manto, Herodíade vociferava injúrias desde a muralha do palácio.
O essênio explicou que seguiu pelos caminhos da Galileia por três dias e três noites. Levou a cabeça do mártir segurando-a pelos cabelos... Garantiu que eventualmente um anjo coberto de negro retirava-se de trás de rochedos para caminhar ao seu lado...
(...)
Gade
parou de falar, baixou a cabeça e ajoelhou-se. Com os braços abertos voltou às
suas orações.
(...)
Gamaliel aproximou-se
de Topsius e disse que o povo possuía uma lei muito clara. Essa lei é a
“palavra do Senhor”, Jeová, “o eterno, o primeiro e o último”, que não
transmite Seu nome ou Sua glória a outros... Todos sabiam bem que antes Dele
jamais houve deus algum, e que não há nem “haverá deus algum” depois Dele.
O anfitrião explicou
que aquelas eram afirmações do próprio Deus, que estabeleceu também que todo
aquele que se apresentar no meio de Seu povo como “profeta, visionário” (a
fazer milagres e a querer introduzir outro deus e novos cultos) deverá morrer.
Isso estava de acordo com a lei.
Manassés
intrometeu-se e disse que não concordava com a tese do doutor da lei. Para ele,
as palavras não deviam ser tomadas a pleno rigor, pois as leis que os regiam
eram “suaves”. Ele prosseguiu dizendo que todos reconhecem que “a lamparina
acomodada num sepulcro jamais substituirá o Sol”. Do mesmo modo, pouco
importava se um homem abria os braços e gritava para todos que era um deus.
Isso era pouco para que se recorresse aos carrascos!
(...)
Teodorico estava
concordando com as palavras de Manassés. Mas na sequência o homem passou a
vociferar que o Rabi da Galileia devia ser condenado à morte. Ele justificou
dizendo que o Rabi só podia se tratar de um mau judeu, mau cidadão e que,
inclusive, havia sido visto a dar conselhos sobre o pagamento de tributos a
Roma. Além disso, durante três anos de pregações, ninguém jamais o ouviu
defender qualquer rebelião para expulsar
os imperialistas.
Manassés esclareceu
que os judeus esperavam um messias que libertasse Israel pela espada. Sendo
assim não havia razão para esperar algo de produtivo do Rabi prisioneiro,
conhecido por discursos que mais confundiam do que inspiravam. Quem podia
entender o que Ele dizia ao manifestar que trazia “só o pão da verdade”?
O povo estava
carente, mas era de uma liderança que promovesse a união contra a autoridade romana...
Os romanos tinham lanças e promoviam repressão. Certamente não seria o Rabi
galileu que traria a esperada libertação. Ele anunciava o “pão do céu” e o
“vinho da verdade”... Em quê isso resolveria a condição de opressão que judeus
sofriam?
Manassés, que era adepto
das ideias de Judas de Gamala (galileu que por muitos anos liderou rebeliões
contra os romanos), encerrou seu protesto dizendo que a verdade para os judeus
era a de que não devia haver romanos em Jerusalém.
(...)
A atmosfera tornou-se mais pesada por causa do impetuosidade de Manassés.
Gamaliel não escondia
seu sorriso frio... Já o velho Osânias direcionou seu olhar para a janela...
Manassés voltou a
vociferar que o discurso do Rabi aprisionado (em sua pregação a respeito de um
reino do céu) desviava as pessoas da “verdadeira missão”. Concluiu que o Rabi
só podia ser um traidor da pátria e, assim sendo, devia morrer.
Brandindo
a espada, o rapaz tinha o olhar inquieto como se estivesse convocando toda a
gente judaica para uma guerra.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_73.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto