terça-feira, 19 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – gente comum e seus afazeres nos arredores do pretório; o aglomerado de pessoas interessadas pelos acontecimentos que cercam o trono de Pilatos; Rabi Robã, influente no Sanedrim e confidente de Caifás

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_18.html antes de ler esta postagem:

Verificava-se que à entrada do pretório havia outros negociantes... Uns estavam instalados sob guarda-sóis, ostentavam uma mitra preta e manipulavam balanças enquanto cambiavam moedas... Outros eram os que vendiam água em odres felpudos.
Logo que entraram, Teodorico observou o pátio aberto, um ambiente claro e revestido com lajes de mármore... De cada um dos lados despontava uma arcada suspensa em relação ao primeiro piso... O silêncio que delas emanava lembrava o dos claustros de mosteiros.
Ao fundo estava a arcada onde se destacava um grande “estandarte” (que lembrava as maiores velas das embarcações que se conhecia) franjado de ouro. Dois mastros serviam de escora ao pano que trazia significativas decorações e fazia sombra a um apinhado de gente.
(...)
A respeito dos que se misturavam, Teodorico destaca que alguns vestiam túnicas com detalhes em azul. Esses eram fariseus... Havia os “obreiros” com o seu rude saião ajustado um cinturão de couro... Os da Galileia traziam mantos de lã com listras cinzas e brancas, enquanto que os mercadores de Tiberíade podiam ser reconhecidos por seus capuzes e capas.
Afastadas da proteção do grande pano estavam algumas mulheres que se esforçavam para enxergar algo por cima da multidão... Do meio daquele povaréu saía um forte cheiro de suor e de mirra... Pontas de lanças podiam ser vistas e elas indicavam que aquelas pessoas estavam sendo vigiadas por soldados.
Todos tinham olhos voltados para um trono que acomodava um magistrado com sua toga nobre. Este tipo ostentava barba cheia e grisalha, tinha os olhos fundos, os cabelos presos por uma fita avermelhada, e o aspecto dos que dormiram insuficientemente.
(...)
Atrás do assento da autoridade havia uma estrutura em bronze que apresentava a loba da lenda da fundação de Roma...
Teodorico perguntou a Topsius quem era aquele magistrado de tão melancólico aspecto... O alemão explicou que se tratava de certo Pôncio a quem chamavam Pilatos. Depois emendou que ele havia sido prefeito na Batávia.
Teodorico caminhou pelo pátio e como, por incrível que pareça, o silêncio dominava o ambiente, teve a preocupação de não chamar a atenção dos que se aglomeravam. Eventualmente ouvia-se o grito dos pavões desde os jardins do palácio.
Junto à mureta estavam uns tipos negros que dormiam com as barrigas expostas à luz do sol... Mais adiante, uma senhora contava suas moedas junto ao cesto das frutas que vendia... Uma armação de madeira levava operários ao alto do telhado que estava sendo construído ou reparado. Num canto menos concorrido estavam umas crianças numa brincadeira com discos de ferro.
(...)
De repente, Teodorico viu que Manassés se aproximou de Topsius e tocou-o no ombro... O jovem estava acompanhado de um velho com ares de nobreza pontífice, ombros largos, barbas e cabelos longos e embranquecidos. Sua altivez ainda mais se ressaltou conforme o alemão beijou respeitosamente sua batina que lembrava a pele de ovelha (uma samarra).
O velho tinha uma das mãos carregada de anéis apoiada a um bastão de marfim... Uma criança de belíssimos olhos o acompanhava... Teodorico referiu-se às duas figuras como “um lírio à sombra de um cedro”.
Manassés orientou que o mais indicado era subirem à galeria, onde encontrariam “repouso e frescura”. Os dois estrangeiros o seguiram e, enquanto caminhavam, Teodorico quis saber de Topsius quem era o digníssimo ancião. Sem esconder sua admiração, o alemão explicou que aquele era o Rabi Robã, um confidente de Caifás de muito destaque no Sanedrim.
Com todo respeito, Teodorico saudou o Rabi Robã, que acomodou-se pensativo num banco de mármore enquanto acolhia paternalmente a cabeço loura da criança em seu “vasto peito ancestral”.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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