Verificava-se que à entrada do pretório havia outros negociantes... Uns estavam instalados sob guarda-sóis, ostentavam uma mitra preta e manipulavam balanças enquanto cambiavam moedas... Outros eram os que vendiam água em odres felpudos.
Logo que entraram, Teodorico observou o pátio aberto, um ambiente claro e revestido com lajes de mármore... De cada um dos lados despontava uma arcada suspensa em relação ao primeiro piso... O silêncio que delas emanava lembrava o dos claustros de mosteiros.
Ao fundo estava a arcada onde se destacava um grande “estandarte” (que lembrava as maiores velas das embarcações que se conhecia) franjado de ouro. Dois mastros serviam de escora ao pano que trazia significativas decorações e fazia sombra a um apinhado de gente.
(...)
A
respeito dos que se misturavam, Teodorico destaca que alguns vestiam túnicas
com detalhes em azul. Esses eram fariseus... Havia os “obreiros” com o seu rude
saião ajustado um cinturão de couro... Os da Galileia traziam mantos de lã com
listras cinzas e brancas, enquanto que os mercadores de Tiberíade podiam ser
reconhecidos por seus capuzes e capas.
Afastadas da proteção
do grande pano estavam algumas mulheres que se esforçavam para enxergar algo
por cima da multidão... Do meio daquele povaréu saía um forte cheiro de suor e
de mirra... Pontas de lanças podiam ser vistas e elas indicavam que aquelas
pessoas estavam sendo vigiadas por soldados.
Todos tinham olhos voltados
para um trono que acomodava um magistrado com sua toga nobre. Este tipo
ostentava barba cheia e grisalha, tinha os olhos fundos, os cabelos presos por
uma fita avermelhada, e o aspecto dos que dormiram insuficientemente.
(...)
Atrás
do assento da autoridade havia uma estrutura em bronze que apresentava a loba
da lenda da fundação de Roma...
Teodorico perguntou a
Topsius quem era aquele magistrado de tão melancólico aspecto... O alemão
explicou que se tratava de certo Pôncio a quem chamavam Pilatos. Depois emendou
que ele havia sido prefeito na Batávia.
Teodorico caminhou
pelo pátio e como, por incrível que pareça, o silêncio dominava o ambiente,
teve a preocupação de não chamar a atenção dos que se aglomeravam. Eventualmente
ouvia-se o grito dos pavões desde os jardins do palácio.
Junto à mureta
estavam uns tipos negros que dormiam com as barrigas expostas à luz do sol... Mais
adiante, uma senhora contava suas moedas junto ao cesto das frutas que
vendia... Uma armação de madeira levava operários ao alto do telhado que estava
sendo construído ou reparado. Num canto menos concorrido estavam umas crianças
numa brincadeira com discos de ferro.
(...)
De repente, Teodorico
viu que Manassés se aproximou de Topsius e tocou-o no ombro... O jovem estava
acompanhado de um velho com ares de nobreza pontífice, ombros largos, barbas e
cabelos longos e embranquecidos. Sua altivez ainda mais se ressaltou conforme o
alemão beijou respeitosamente sua batina que lembrava a pele de ovelha (uma
samarra).
O velho tinha uma das mãos carregada de anéis apoiada a um bastão de
marfim... Uma criança de belíssimos olhos o acompanhava... Teodorico referiu-se
às duas figuras como “um lírio à sombra de um cedro”.
Manassés orientou que o mais indicado era subirem à galeria, onde
encontrariam “repouso e frescura”. Os dois estrangeiros o seguiram e, enquanto
caminhavam, Teodorico quis saber de Topsius quem era o digníssimo ancião. Sem
esconder sua admiração, o alemão explicou que aquele era o Rabi Robã, um
confidente de Caifás de muito destaque no Sanedrim.
Com
todo respeito, Teodorico saudou o Rabi Robã, que acomodou-se pensativo num
banco de mármore enquanto acolhia paternalmente a cabeço loura da criança em
seu “vasto peito ancestral”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_23.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto