sábado, 30 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – a dramática história do pobre vendilhão de pedras esculpidas expulso do templo – I parte

Boas festas a todos.

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_13.html antes de ler esta postagem:

Antes de qualquer resposta, Topsius perguntou se ele negociava no templo... O pobre homem confirmou e disse que no tempo das festividades de Páscoa subia ao templo para ofertar sua prece a Deus... Depois instalava-se nas proximidades da porta de Susa, bem em frente ao pórtico do rei e ali organizava a esteira e as pedras.
Ele explicou que não tinha licença para montar uma tenda e negociar... Mas adiantou que com o que recebia não tinha como se tornar um comerciante legalizado. Salientou que os que vendiam debaixo do pórtico, acomodados à sombra e com seus tabuleiros de cedro, eram negociantes ricos e licenciados... Havia os que pagavam um “ciclo de ouro”! Ele jamais poderia sonhar com semelhante condição. E era por isso que o lugar onde costumava ficar era um dos piores.
O homem prosseguiu sua narrativa de desencantos... Disse que certos tipos brutos passavam para empurrá-lo ou surrá-lo com bastões... Acrescentou que, apesar de tudo, encolhia-se e conseguia sobreviver aos dias. E que, assim como ele, havia outros pobres que se colocavam mais abaixo (citou certo Eboim, de Jopé, que oferecia um óleo para “crescimento dos cabelos”, e também certo Oséias, de Ramá, que oferecia flautas de barro).
O vendedor de pedras salientou que até mesmo os soldados da Torre Antônia faziam vistas grossas quando os viam... Menahem, que normalmente fazia a guarda durante a Páscoa dizia-lhes que podiam permanecer desde que não gritassem enquanto oferecessem suas mercadorias.
E por que eram complacentes? Porque todos sabiam que eles eram pobres que não podiam pagar as taxas exigidas aos comerciantes e que, além disso, tinham crianças para alimentar.
(...)
O homem não esperava passar por uma situação mais constrangedora... Ele explicou que a época da Páscoa era especial para os que faziam comércio porque milhares de peregrinos chegavam desde muito longe. Qualquer um entenderia que era nessas ocasiões que pobres vendedores como ele obtinham a renda que os sustentaria no ano.
Topsius e Teodorico podiam não compreender, mas muitos compravam de suas imagens e “pedras da lua” para afugentar o demônio. Muitas vezes conseguia a soma de três dracmas por dia de trabalho! Graças a isso podia adquirir lentilha para os que o aguardavam no humilde casebre. A alegria o invadia e então cantava louvores ao Senhor.
A narrativa era das mais enternecedoras. Tanto é que os dois estrangeiros já nem se importavam com os apetitosos figos para ouvir o velho comerciante de pedras... Na sequência, ele passou a detalhar os problemas que homens como ele tiveram com a chegada do Rabi da Galileia.
Disse que Ele foi chegando cheio de cólera, agitando seu bastão e a vociferar que todos os que vendiam nas portas do templo poluíam “a casa de Seu pai”... Num golpe de fúria espalhou toda a sua mercadoria... Aquelas pedras eram o seu “ganha pão”! No entanto foram perdidas... Também o companheiro Eboim, de Jopé, teve seus vasos de óleo quebrados... De tão espantado, o pobre coitado nem conseguiu gritar.
Por mais incrível que possa parecer, foram os guardas do templo que os acudiram... Menahem chegou a dizer ao Rabi que Ele era bem duro com os pobres... E depois perguntou com que autoridade agia daquela maneira... O violento Rabi respondeu que era com a autoridade “de Seu Pai” e passou a falar da “lei severa do templo”.
O que podiam fazer? Tiveram de fugir com o pouco mercadoria que conseguiram resgatar... Enquanto isso, os mercadores ricos e licenciados, acomodados em seus tapetes feitos na Babilônia, aplaudiam a ação do Rabi e apupavam os clandestinos que corriam desesperadamente...
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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