Rabi Robã exclamou que Pilatos parecia ver o que ele e os judeus que ali estavam não traziam em seus corações... Acrescentou que, em contrapartida, eles viam muito bem o que o pretor carregava no próprio coração... Depois quis saber por que se importava com “a vida ou a morte de um vagabundo de Galiléia”.
O velho sustentou que não fazia sentido o pretor não demonstrar interesse em “vingar deuses” pelos quais não nutria o menor respeito ao mesmo tempo em que tomava uma decisão que salvava um “profeta” cujas profecias eram-lhe desprezíveis.
Aquilo só podia ter uma explicação... O Rabi adiantou que havia malícia em Pilatos que, no fundo, pretendia unicamente a destruição de Judá.
Essas palavras agitaram os fariseus, que passaram a apalpar suas túnicas como se estivessem buscando adagas.
(...)
Rabi
Robã prosseguiu com sua característica calma e lentidão nas palavras... Sua
conclusão era óbvia... O que estava por trás da impunidade defendida por
Pilatos era algo gravíssimo. Onde já se viu, libertar um insurrecto que
declarou-se “rei numa província de César”? Essa impunidade alimentaria outras
ambições!
O velho fez
referências a Judas de Gamala (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_14.html) e deu a entender que outros rebeldes se sentiriam tentados “a atacar
as guarnições de Samaria”... Dando continuidade à sua ofensiva contra Pilatos,
o Rabi Robã salientou que a impunidade ao Galileu provocaria novas badernas e isso
resultaria fatalmente numa ofensiva militar romana contra a Judeia.
(...)
As
premissas levantadas pelo sábio judeu levavam à conclusão de que Pilatos
desejava isso mesmo, uma revolta sem precedentes para que ele se apresentasse
ao imperador como o soldado vitorioso que subjugaria a região e os líderes
locais... E por trás de tudo só podia haver o interesse do pretor em galgar
postos mais elevados e dignos, como o de procônsul na Palestina... E por que
não na própria Itália?
O sábio ancião, que
tinha muito prestígio no Sanedrim e era confidente de Caifás, passou a provocar
Pilatos com ameaças de cunho político. Perguntou se aquela estratégia (de
provocar agitações em Jerusalém para se sobressair militarmente) exprimia o que
chamavam de “fé romana”...
Depois o Rabi Robã
deixou claro que nunca estivera em Roma, mas podia garantir que aquele
procedimento nada tinha com a “fé romana”. Bem diferente, seria chamado de “fé
púnica” (numa referência às Guerras Púnicas que os romanos travaram com os
cartagineses, a quem acusavam de trair acordos; a “má-fé”, já que desrespeita a
fé dada”).
(...)
As palavras de Rabi
Robã foram duríssimas... Mas ele disse ainda mais. Falou que Pilatos ou
qualquer outra autoridade romana não podiam confundi-los com os pastores da
Idumeia... Ali na Judeia estavam em paz com o imperador e por isso cumpriam o
seu dever.
Simplesmente haviam condenado um rebelde que se levantara contra
César... No entanto o próprio pretor não queria cumprir o seu dever! O ancião
deixou claro os próximos passos de sua gente... Enviariam emissários a Roma que
esclareceriam o ocorrido... Apresentariam a sentença proferida ao insurgente e
também a recusa do pretor. Isso evidenciaria a lealdade do Sanedrim e da gente
ordeira da Judeia... Ao mesmo tempo escancararia o procedimento traiçoeiro
daquele “que representa a lei do império”.
Após essas duras palavras, Rabi Robã disse que o pretor podia retornar
ao Pretório... Sareias animou-se a gritar que Pilatos devia se lembrar dos
“escudos votivos”, pois assim perceberia a quem o imperador dava razão naquela
questão.
(...)
A verdade é que o pretor tornou-se pensativo e
cabisbaixo...
Talvez estivesse
pensando sobre a repercussão daquela trama... Não lhe faltavam inimigos na
corte... Sejano e Cesônio eram desses que se dedicariam a aproximar os
emissários judeus ao imperador... Este se tornaria desconfiado e logo seria
tomado pela suspeita de que ele estaria envolvido num pacto com o “Rei dos
Judeus” para provocar uma grande rebelião contra o império.
Para ele era demais! Talvez estivesse levando em consideração que sua
intenção de fazer a justiça pudesse custar-lhe o “proconsulado da Judeia”.
É
por isso que decidiu caminhar até a porta e chegar mais próximo do Rabi Robã...
Abriu os braços dando a entender que desejava a reconciliação.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_29.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto