quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – de acordo com o Rabi Robã, a impunidade proposta por Pilatos visava a instabilidade na Judeia para que ele despontasse como líder qualificado para outros postos de maior destaque; “fé romana” e “fé púnica”; ameaça de envio de comissão à Roma e necessidade de reconciliação

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_92.html antes de ler esta postagem:

Rabi Robã exclamou que Pilatos parecia ver o que ele e os judeus que ali estavam não traziam em seus corações... Acrescentou que, em contrapartida, eles viam muito bem o que o pretor carregava no próprio coração... Depois quis saber por que se importava com “a vida ou a morte de um vagabundo de Galiléia”.
O velho sustentou que não fazia sentido o pretor não demonstrar interesse em “vingar deuses” pelos quais não nutria o menor respeito ao mesmo tempo em que tomava uma decisão que salvava um “profeta” cujas profecias eram-lhe desprezíveis.
Aquilo só podia ter uma explicação... O Rabi adiantou que havia malícia em Pilatos que, no fundo, pretendia unicamente a destruição de Judá.
Essas palavras agitaram os fariseus, que passaram a apalpar suas túnicas como se estivessem buscando adagas.
(...)
Rabi Robã prosseguiu com sua característica calma e lentidão nas palavras... Sua conclusão era óbvia... O que estava por trás da impunidade defendida por Pilatos era algo gravíssimo. Onde já se viu, libertar um insurrecto que declarou-se “rei numa província de César”? Essa impunidade alimentaria outras ambições!
O velho fez referências a Judas de Gamala (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_14.html) e deu a entender que outros rebeldes se sentiriam tentados “a atacar as guarnições de Samaria”... Dando continuidade à sua ofensiva contra Pilatos, o Rabi Robã salientou que a impunidade ao Galileu provocaria novas badernas e isso resultaria fatalmente numa ofensiva militar romana contra a Judeia.
(...)
As premissas levantadas pelo sábio judeu levavam à conclusão de que Pilatos desejava isso mesmo, uma revolta sem precedentes para que ele se apresentasse ao imperador como o soldado vitorioso que subjugaria a região e os líderes locais... E por trás de tudo só podia haver o interesse do pretor em galgar postos mais elevados e dignos, como o de procônsul na Palestina... E por que não na própria Itália?
O sábio ancião, que tinha muito prestígio no Sanedrim e era confidente de Caifás, passou a provocar Pilatos com ameaças de cunho político. Perguntou se aquela estratégia (de provocar agitações em Jerusalém para se sobressair militarmente) exprimia o que chamavam de “fé romana”...
Depois o Rabi Robã deixou claro que nunca estivera em Roma, mas podia garantir que aquele procedimento nada tinha com a “fé romana”. Bem diferente, seria chamado de “fé púnica” (numa referência às Guerras Púnicas que os romanos travaram com os cartagineses, a quem acusavam de trair acordos; a “má-fé”, já que desrespeita a fé dada”).
(...)
As palavras de Rabi Robã foram duríssimas... Mas ele disse ainda mais. Falou que Pilatos ou qualquer outra autoridade romana não podiam confundi-los com os pastores da Idumeia... Ali na Judeia estavam em paz com o imperador e por isso cumpriam o seu dever.
Simplesmente haviam condenado um rebelde que se levantara contra César... No entanto o próprio pretor não queria cumprir o seu dever! O ancião deixou claro os próximos passos de sua gente... Enviariam emissários a Roma que esclareceriam o ocorrido... Apresentariam a sentença proferida ao insurgente e também a recusa do pretor. Isso evidenciaria a lealdade do Sanedrim e da gente ordeira da Judeia... Ao mesmo tempo escancararia o procedimento traiçoeiro daquele “que representa a lei do império”.
Após essas duras palavras, Rabi Robã disse que o pretor podia retornar ao Pretório... Sareias animou-se a gritar que Pilatos devia se lembrar dos “escudos votivos”, pois assim perceberia a quem o imperador dava razão naquela questão.
(...)
A verdade é que o pretor tornou-se pensativo e cabisbaixo...
Talvez estivesse pensando sobre a repercussão daquela trama... Não lhe faltavam inimigos na corte... Sejano e Cesônio eram desses que se dedicariam a aproximar os emissários judeus ao imperador... Este se tornaria desconfiado e logo seria tomado pela suspeita de que ele estaria envolvido num pacto com o “Rei dos Judeus” para provocar uma grande rebelião contra o império.
Para ele era demais! Talvez estivesse levando em consideração que sua intenção de fazer a justiça pudesse custar-lhe o “proconsulado da Judeia”.
É por isso que decidiu caminhar até a porta e chegar mais próximo do Rabi Robã... Abriu os braços dando a entender que desejava a reconciliação.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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