Por razões diferentes, Manassés e Osânias defenderam a condenação do Rabi da Galileia que estava preso.
Durante toda aquela falação Gade manteve-se imóvel e em oração...
(...)
Topsius entendeu que
devia saudar os convidados de Gamaliel que se dispuseram a se pronunciar tão
francamente sobre a polêmica que envolvia o Rabi da Galileia e que, no final
das contas, era o motivo que o havia levado àquela casa.
O alemão cruzou as mãos sobre o peito para saudá-los três vezes. Ele
manifestou que dos espíritos daqueles homens emanava a verdade... Voltou-se
para eles e afirmou que os via como três torres que guardavam “Israel entre as
nações”... Disse que uma das torres defendia a “unidade da religião” e que uma
outra mantinha o “entusiasmo da pátria”... Depois, referindo-se a Osânias, que
chamou de “cauto e ondeante como a serpente que amava Salomão”, disse que ele protegia
a ordem, e isso é o que há de mais precioso.
Ainda comparando-os a
três torres, Topsius emendou que, contra cada uma delas, o Rabi da Galileia
havia lançado “a primeira pedrada”…
Inatingíveis, cada uma se manteve firme guardando Israel, seu Deus, seus bens…
De tudo o que tinha ouvido, pôde concluir que “Jesus e o Judaísmo nunca
poderiam viver juntos”.
Gamaliel
aproveitou a deixa para arrematar que era exatamente por aquele motivo que o
levariam à crucificação.
(...)
Foi com certa
agitação no peito que Teodorico ouviu aquelas últimas palavras… Sentiu algo
como que uma lâmina a atravessar-lhe. Por isso puxou a manga de Topisus
querendo saber, afinal, quem era o “Rabi que pregava na Galileia”, que fazia
milagres e que seria crucificado…
Topsius
o fitou pasmado e sem acreditar que o companheiro de jornada não soubesse de quem
estiveram falando naquela sala… Então respondeu secamente que trataram do “Rabi
Jeschoua bar Joseph, que veio de Nazaré em Galileia, a quem alguns chamavam
Jesus e outros também chamavam Cristo”.
(...)
Esse trecho revela
que, de fato, Teodorico estava confuso e que até então não tinha dado conta de
que vivenciava, em Jerusalém, os momentos que antecederam a Paixão de Cristo.
O leitor não pode
perder de vista que toda trama descrita por Eça de Queiroz no Capítulo III faz
parte do longo (e louco) sonho de seu protagonista.
Até
este ponto foram descritas várias situações polêmicas... É bom que se saiba que
a sequência nos reserva eventos ainda mais chocantes.
(...)
Teodorico espantou-se
com a afirmação de Topsius…
Então quer dizer que para
o sábio alemão a situação estava dentro da “normalidade”? O fato de estarem ambientados
no tempo passado e em meio àquelas pessoas todas que fizeram parte do enredo
que ele conhecia dos textos bíblicos não lhe causava estranheza?
(...)
Atordoado, atirou-se
ao chão…
Seu primeiro impulso
foi o de permanecer ajoelhado ou estirado e a rezar desesperadamente. Depois se
sentiu atraído pela motivação de avistar Nosso Senhor e contemplá-lo com seus
olhos mortais. Poderia, então, conhecer o Seu corpo e os panos que O cobriam.
A preocupação que dominou sua mente foi a respeito de sua condição de
pecador… Já fazia muito tempo que não jejuava ou rezava o terço! Seria muita
ousadia um tipo impuro como ele olhar diretamente nos olhos de seu Deus.
E puxando pela memória todas as suas
dissimulações para ludibriar a tia Patrocínio, reconheceu que “jamais beijara,
com suficiente amor, o pé dorido e roxo (de Cristo) na sua Igreja da Graça”.
E não era só isso… Lembrou que muitas vezes dissera impropérios contra
as intermináveis missas dominicais que o atrasavam para as visitas que fazia à
Adélia em busca de prazer.
Teodorico
sentia que seu corpo, desde o crânio até as solas de seus pés, era “uma crosta
de pecado”… O que seria dele quando os olhos de seu Senhor se voltassem para a
sua direção? Aquilo provavelmente o fulminaria!
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_18.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto