segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – a ceia na casa de Gamaliel; Eliézer de Silo explica a respeito do formato da Terra, posição de Jerusalém no mundo e sobre a composição do céu

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_14.html antes de ler esta postagem:

Antes que a refeição fosse servida, os recém-chegados cumpriram as abluções... Os escravos trouxeram jarros com águas de rosa e um recipiente com uma porção de farinha branca para que pudessem limpar os dedos... Depois, num belo prato decorado com pérolas, serviram cigarras fritas entre ramos de salsa...
Gamaliel passou um bocado de gelo pelos lábios... Tendo “purificado” a boca, fez a oração “sobre a vasta travessa de prata”... Nela estava o cabrito assado ao molho de açafrão.
Topsius, que conhecia o costume, arrotou para demonstrar reconhecimento pela boa receptividade e boa refeição. Sorrindo e saboreando um belo naco de anho, o alemão emendou que ficara encantado com Jerusalém, cidade magnífica, bendita entre as demais...
Eliézer de Silo gostou do que ouviu... Disse que a cidade era mesmo “uma joia melhor que o diamante”... Deus mesmo a havia engastado “no centro da Terra”, assim todo o seu brilho podia ser irradiado ao redor...
Topsius não escondeu o seu espanto ao ouvir a consideração do doutor a respeito de sua cidade... Deixou escapar um murmúrio que provocou a imediata reação do velho Eliézer... Ele insistiu que sim, Jerusalém está posicionada no centro da Terra. E recorrendo ao seu “conhecimento de Física”, enquanto se fartava da carne ao molho de açafrão, explicou que a Terra é “chata e mais redonda que um disco”. Bem no centro está a santa Jerusalém.
Para Eliézer era tudo muito simples... O imenso amor de Deus colocara Jerusalém em posição privilegiada... Não era por acaso que as imediações da Judeia eram ricas “em bálsamos e palmeiras”, repletas de sombras e aromas... Mais afastadas eram as duras regiões povoadas por pagãos, locais onde mel e leite não abundavam.
Ainda de acordo com o entendimento de Eliézer de Silo sobre o planeta, depois das terras pagãs vinham “os mares tenebrosos”... Acima do “disco” estava o céu, que era sólido e sonoro.
Nesse momento, os escravos passaram a servir cerveja amarela elaborada em terras do antigo império dos Medos... Gamaliel orientou Teodorico a “trincar” uma cigarra frita, pois isso intensificaria o sabor da cerveja.
(...)
A afirmação de que o céu possui solidez chamou a atenção de Topsius... Mais uma vez, o alemão deixou escapar sua inquietação. Então o rabi Eliézer dispôs-se a explicar mais essa matéria.
Disse que há sete maravilhas sólidas que constituem o céu. São brilhantes camadas de cristal... E explicou que “por cima delas (as camadas de cristal) constantemente rolam as grandes águas; sobre as águas flutua, num fulgor, o espírito de Jeová... Estas lâminas de cristal, furadas como um crivo, resvalam umas sobre as outras com uma música doce e lenta, que os profetas mais queridos por vezes ouviam”.
(...)
Como se vê, o esclarecimento tinha muito de interessante e também de complexidade. Eliézer procurou concluir relatando o testemunho que ele mesmo vivenciara certa vez no terraço de sua casa em Silo... Disse que a benevolência do Altíssimo possibilitara-lhe experimentar da harmonia do céus, algo “tão penetrante e suave” que “as lágrimas” caíram-lhe às mãos abertas. E por quê? Porque Deus permite que “os furos das lâminas” coincidam durante os “meses de Quisleu e de Tebé” (Kislev e Tevet) e assim as gotas eternas “fazem crescer as searas”...
Topsius ouviu a explicação com atenção... Com deferência, perguntou se o pacato Eliézer estava falando sobre a chuva... O rabi respondeu afirmativamente... Sim, era sobre a chuva tão cara aos viventes.
O alemão escondeu o mais que pôde o seu desejo de sorrir daquela explicação que, na verdade, beirava à ingenuidade. Olhou para Gamaliel, mas este mantinha-se sério e em silêncio... Depois, enquanto remexia umas azeitonas, perguntou por que os cristais do céu eram de uma cor azulada que tanto nos extasia...
Eliézer de Silo tinha explicação para mais essa curiosidade que só os que possuíam noções de Física e inspiração divina podiam entender... O rabi olhou para Topsius e disse que havia uma “grande montanha azul” até então jamais avistada pelos mortais... O sol despejava seus raios sobre ela... Então ocorria o reflexo que atingia os cristais do céu... Era assim que eles se tornavam azulados.
O velho suspirava enquanto fazia sua explanação... Depois ainda emendou que talvez na referida montanha vivessem as almas dos justos.
(...)
Nesse instante, Gamaliel pigarreou e sentenciou que era momento de “beber e louvar ao Senhor”.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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