“Bebamos, louvando o Senhor!”
Foi esse o convite de Gamaliel aos comensais... Levantou a taça com o vinho de Siquém abençoando-a. Na sequência passou-a para Teodorico e Topsius desejando-lhes paz. Os dois retribuíram saudando o anfitrião e a prosperidade de Israel.
Os serviçais trouxeram a mais simbólica e “devota comida pascal”: ervas amargas (“alface, agriões, chicória, macela”) ao vinagre e sal. Com elas, os judeus rememoram o sofrimento de Israel ao tempo do cativeiro no Egito.
O rabi Eliézer elogiou as folhas, sua qualidade e sabor... Falou a respeito de sua simbologia para a espiritualidade de seu povo. Topsius fez comentários sobre as desvantagens de uma dieta baseada em legumes (e isso inclui os vegetais)... Citando autores gregos, disse que as pessoas perdiam na eloquência e “vacilavam no heroísmo”.
O erudito alemão quis dar sustentação aos seus argumentos falando de “Teofrasto, Êubulo, Nicandro na segunda parte do seu Dicionário, Fênias no seu Tratado das Plantas, Défilo e Epicarmo”... Gamaliel o ouviu sem concordar e disse que a ciência a que o outro recorria era pura inutilidade, e acrescentou que no primeiro livro de sua ”Descrição da Ásia”, Hecateu de Mileto cometia “cinquenta e três erros, quatorze blasfêmias e cento e nove omissões”... Para exemplificar, emendou que o grego registrara que “a tâmara enfraquece o intelecto”... Mas isso só podia ser uma ofensa aos maravilhosos dons do Altíssimo!
Topsius começou a argumentar que a mesma doutrina era defendida por Xenofonte em seu “livro segundo do Anábasis”... Mas Gamaliel o interrompeu no mesmo instante... O alemão prosseguiu defendendo a autoridade de Xenofonte, sua eloquência e reverência por Sócrates.
(...)
Alheio à conversa,
Teodorico se dedicava aos pratos servidos.
Os dois intelectuais
prosseguiram sua discussão. Passaram a falar a respeito de Sócrates... Para
Gamaliel, “as vozes secretas” que o filósofo grego ouvia chegavam-lhe desde a
Judeia e eram milagrosas repercussões da voz de Deus.
De modo algum Topsius
admitia os juízos do doutor israelita... Sócrates nada tinha a ver com Jeová!
Disse isso dando a entender que Gamaliel estava a pronunciar falácias... Por
sua vez, este insistia que era a “luz desde Jerusalém” que tirava os gentílicos
das trevas... Sua conclusão era simples, se Sócrates ensinava o bem aos gregos,
era porque a inspiração vinha-lhe (sem que soubesse) de Jerusalém...
Ainda de acordo com a
autoridade do Sanedrim, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, cada um à sua maneira, faziam
a apologia da “reverência aos deuses”. Os textos do primeiro revelavam uma
reverência “profunda e cheia de terror”. Com Sófocles, isso acontecia de modo “amável
e cheio de serenidade”, e no caso e Eurípedes “superficialidade e dúvida”...
Gamaliel insistiu que eram maneiras de, aos poucos, os pagãos chegarem
ao “Deus verdadeiro”... Eliézer de Silo estranhou e quis saber por que o tão
sábio companheiro se permitia a esse tipo de “concessão” aos politeístas da
Grécia.
Ele
respondeu que, dessa maneira, podia desprezá-los mais intensamente em seu
íntimo.
(...)
Teodorico, que não quis mais dar ouvidos à controvérsia, aproximou-se de
Eliézer oferecendo-lhe uma porção de mel do Hébron... Disse-lhe que ficara
encantado pelos jardins do caminho do Garebe.
O velho gostou do que ouviu e foi dizendo que
Jerusalém era mesmo cercada de belos pomares... Na sequência demonstrou
surpresa pela escolha daquele sítio, os arredores de Gihon repletos de “açougues”
e junto ao outeiro onde se cravavam as cruzes. Como se estivesse a dar um
conselho, disse que melhor passeio teria feito se se dirigisse à perfumada Siloé.
Teodorico respondeu
que passara pelo caminho porque tinha a intenção de ver Jesus, crucificado por
sentença do Sanedrim. Eliézer esforçou-se num gesto de cortesia e perguntou se
o interesse do estrangeiro devia-se a ser parente ou por ter participado de
algum encontro de partilha do “pão da aliança” com o crucificado.
O rapaz disse que haviam condenado o Messias... Essa resposta provocou
desconforto ao velho Eliézer, “doutor do templo e físico do Sanedrim”... Ele
sequer notou que tinha mel a escorrer em sua barba!
De modo confuso,
disse que não conhecia o Rabi da Galileia... Além disso, estivera muito
atarefado devido à grande quantidade de enfermos... Não tivera oportunidade de
se retirar do templo ou de se inteirar das novidades...
Foi
como se estivesse a se desculpar... Explicou que nada ouvira a respeito da “aparição
do Messias”... Depois acrescentou que, por outro lado, o Galileu não podia ser
o Messias.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_21.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto