Durante todo tempo, Topsius manteve-se a debater com o anfitrião Gamaliel a respeito da Grécia e do avanço do helenismo na direção do oriente...
No momento em que Teodorico e o doutor Eliézer davam por encerrado os esclarecimentos a respeito do Messias esperado por Israel, o alemão fazia uma síntese das “escolas socráticas”... Dizia que “Sócrates é a semente; Platão a flor; Aristóteles o fruto” e que era graças a essa “árvore do saber” que o espírito humano se nutria de conhecimento.
Eliézer de Silo arrotou... Evidentemente não foi por isso que o debate sobre a Grécia se encerrou... Mas aconteceu que Gamaliel levantou-se e tomou o seu cajado. O “doutor e físico do Sanedrim” fez o mesmo e os dois proclamaram em alta voz: “Aleluia! Louvai o Senhor que nos tirou da terra do Egito!”
(...)
A ceia pascal havia terminado...
A
noite avançava...
Aos poucos Topsius afastou seu raciocínio das ideias que trocava com
Gamaliel. Deu a entender que gostaria de refrescar-se à brisa que chegava ao
terraço da casa. O anfitrião assentiu e conduziu os dois estrangeiros à
varanda.
Lâmpadas de mica
iluminavam o caminho até a escada... Gamaliel desejou-lhes graça e se recolheu
a um aposento onde outras pessoas conversavam e sorriam ao som da lira. O velho
Eliézer de Silo o acompanhou.
(...)
A
atmosfera no terraço era das melhores...
As estrelas não
brilhavam naquela noite de Páscoa. Como a escuridão dominava a redondeza, as
chamas rituais que queimavam nos vasos de cada residência das proximidades e na
colina de Acra pareciam formar um colar dourado.
Do alto de onde
estavam, Topsius e Teodorico podiam ver grandes fogueiras ardendo em algumas
ruas. O doce som de instrumentos que chegava aos seus ouvidos era o mesmo que animava
os que se reuniam ao redor do fogo.
As grandes torres (a
Hípica, a Farsala e a Mariana; ou Hípico, Fasael e Mariane) junto à muralha do
palácio de Herodes mantinham-se às escuras e eventualmente emitiam o som rouco de
suas buzinas. Para além delas estava Siloé, onde ocorriam outros festejos nas
casas de portas abertas...
Fogueiras
queimavam também nos acampamentos do Monte das Oliveiras, onde certamente as
pessoas celebravam com cantos e danças.
(...)
Evidentemente as
trevas dominavam a colina que se alcançava pelo Garebe.
Teodorico pensou que o corpo do Galileu jazia envolvido em linho fino e
perfumado de canela e nardo, como o mais “precioso invólucro” no túmulo novo
que pertencia a José de Ramata. Na mais santa das noites israelenses, os que O
amavam O haviam recolhido... Usaram uma pedra lisa para fechar o jazigo... Doravante
“mais entranhadamente O amariam”.
Podia-se imaginar a animação nas casas de Jerusalém. Teodorico sabia que
pelo menos em uma delas não cantavam ou dançavam, pois permanecia fechada e na
escuridão que escondia as lágrimas dos desconsolados. Ali certamente faltava
água porque ninguém havia se dirigido à fonte durante o dia. Na esteira deviam
estar acomodadas mulheres que O haviam seguido desde a Galileia... Talvez
conversassem a respeito de tudo o que ouviram do mestre, “das primeiras
esperanças, das parábolas contadas por entre os trigais, dos templos suaves à
beira do lago”.
(...)
Teodorico pensava sobre todas essas coisas
posicionado no muro que permitia a ampla vista de Jerusalém.
De repente viu o
terraço tomado por uma figura que trajava perfumado linho branco... Parecia que
um clarão o envolvia e isso a tornava espetacular.
Teodorico se assustou
com o forte cheiro de canela e nardo, e também porque teve a impressão de que o
vulto flutuava.
Mas
logo se tranquilizou ao reconhecer a voz de Gade, que os saudou desejando-lhes
a paz...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_86.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto