quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – fim da conversa sobre a vinda do Messias e dos debates sobre filosofia grega; contemplando as fogueiras de Israel na noite de Páscoa; abutres devoram os corpos de dois condenados; reflexões sobre o sofrimento dos que seguiam Jesus; Gade reaparece no terraço da casa de Gamaliel

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_21.html antes de ler esta postagem:

Durante todo tempo, Topsius manteve-se a debater com o anfitrião Gamaliel a respeito da Grécia e do avanço do helenismo na direção do oriente...
No momento em que Teodorico e o doutor Eliézer davam por encerrado os esclarecimentos a respeito do Messias esperado por Israel, o alemão fazia uma síntese das “escolas socráticas”... Dizia que “Sócrates é a semente; Platão a flor; Aristóteles o fruto” e que era graças a essa “árvore do saber” que o espírito humano se nutria de conhecimento.
Eliézer de Silo arrotou... Evidentemente não foi por isso que o debate sobre a Grécia se encerrou... Mas aconteceu que Gamaliel levantou-se e tomou o seu cajado. O “doutor e físico do Sanedrim” fez o mesmo e os dois proclamaram em alta voz: “Aleluia! Louvai o Senhor que nos tirou da terra do Egito!”
(...)
A ceia pascal havia terminado...
A noite avançava...
Aos poucos Topsius afastou seu raciocínio das ideias que trocava com Gamaliel. Deu a entender que gostaria de refrescar-se à brisa que chegava ao terraço da casa. O anfitrião assentiu e conduziu os dois estrangeiros à varanda.
Lâmpadas de mica iluminavam o caminho até a escada... Gamaliel desejou-lhes graça e se recolheu a um aposento onde outras pessoas conversavam e sorriam ao som da lira. O velho Eliézer de Silo o acompanhou.
(...)
A atmosfera no terraço era das melhores...
As estrelas não brilhavam naquela noite de Páscoa. Como a escuridão dominava a redondeza, as chamas rituais que queimavam nos vasos de cada residência das proximidades e na colina de Acra pareciam formar um colar dourado.
Do alto de onde estavam, Topsius e Teodorico podiam ver grandes fogueiras ardendo em algumas ruas. O doce som de instrumentos que chegava aos seus ouvidos era o mesmo que animava os que se reuniam ao redor do fogo.
As grandes torres (a Hípica, a Farsala e a Mariana; ou Hípico, Fasael e Mariane) junto à muralha do palácio de Herodes mantinham-se às escuras e eventualmente emitiam o som rouco de suas buzinas. Para além delas estava Siloé, onde ocorriam outros festejos nas casas de portas abertas...
Fogueiras queimavam também nos acampamentos do Monte das Oliveiras, onde certamente as pessoas celebravam com cantos e danças.
(...)
Evidentemente as trevas dominavam a colina que se alcançava pelo Garebe.
Àquela hora da noite, dois corpos estavam sendo devorados por abutres num barranco qualquer.
Teodorico pensou que o corpo do Galileu jazia envolvido em linho fino e perfumado de canela e nardo, como o mais “precioso invólucro” no túmulo novo que pertencia a José de Ramata. Na mais santa das noites israelenses, os que O amavam O haviam recolhido... Usaram uma pedra lisa para fechar o jazigo... Doravante “mais entranhadamente O amariam”.
Podia-se imaginar a animação nas casas de Jerusalém. Teodorico sabia que pelo menos em uma delas não cantavam ou dançavam, pois permanecia fechada e na escuridão que escondia as lágrimas dos desconsolados. Ali certamente faltava água porque ninguém havia se dirigido à fonte durante o dia. Na esteira deviam estar acomodadas mulheres que O haviam seguido desde a Galileia... Talvez conversassem a respeito de tudo o que ouviram do mestre, “das primeiras esperanças, das parábolas contadas por entre os trigais, dos templos suaves à beira do lago”.
(...)
Teodorico pensava sobre todas essas coisas posicionado no muro que permitia a ampla vista de Jerusalém.
De repente viu o terraço tomado por uma figura que trajava perfumado linho branco... Parecia que um clarão o envolvia e isso a tornava espetacular.
Teodorico se assustou com o forte cheiro de canela e nardo, e também porque teve a impressão de que o vulto flutuava.
Mas logo se tranquilizou ao reconhecer a voz de Gade, que os saudou desejando-lhes a paz...
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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