domingo, 28 de janeiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – prédios e paisagens desvanecem; retorno ao acampamento; despertando da longa noite

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_27.html antes de ler esta postagem:

Como se viu, o longo e conturbado sonho* de Teodorico reservou-nos uma versão conturbadora a respeito dos episódios que se seguiram à crucificação de Cristo...
A polêmica que a envolve só pode ser inaceitável pelos cristãos, e torna “A Relíquia” um dos romances mais controversos.

                   * acesse desde http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_32.html / http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_20.html para conferir o polêmico sonho.


(...)
A “viagem ao passado de mil e oitocentos anos” chegou ao fim...
Topsius conduziu Teodorico às carreiras pela “praça rodeada de pálidos arcos”... E foi como se tudo começasse a se desmanchar...
Há alguns trechos que evidenciam isso. Os pilares de mármore, por exemplo começaram “a tombar, sem ruído e molemente”... Os registros dão conta de que os dois seguiram ao portão da casa de Gamaliel, onde “um escravo, tendo ainda nos pulsos pedaços de cadeias partidas” os aguardava com os cavalos prontos para a viagem de retorno.
A pleno galope passaram pela Porta de Ouro enquanto ouviam o estrondo de pedras que se descolavam das estruturas...
Pegaram a estrada de Siquém no rumo de Jericó... Estavam perturbados e sequer tinham certeza de que os cavalos pisassem as lajes de basalto do caminho. As colinas que constituíam as paisagens pareciam “correr no sentido oposto” e lembravam “dorsos de camelos na debandada de um povo”.
À sua frente, Teodorico notava a agitação da capa de Topsius “por uma rajada furiosa”... O rapaz agarrou-se às crinas de sua égua, que seguia esbaforida e dardejando “jatos de fumo avermelhado” pelas narinas.
Depois de algum tempo, avistaram a planície avizinhada pelas serras de Moabe. O acampamento que haviam deixado desde que partiram para Jerusalém surgiu e logo os cavalos estacaram.
(...)
Da fogueira, restara somente algumas “brasas dormentes”.
Chegaram à tenda e encontraram apenas um resto de pavio com tímida chama. O toco era o que restara da vela que Topsius havia acendido para se vestir.
Exausto, Teodorico atirou-se sobre o precário colchão... Sequer tirou as botas empoeiradas.
Não demorou e ele sentiu que a tenda estava sendo invadida por estupenda luminosidade... Pensou mesmo que fosse alguém com uma fumegante tocha de radiante luz dourada...
(...)
Enfim, o despertar...
Teodorico arregalou os olhos e levantou-se... Então entendeu que a luz provinha dos raios de sol desde os montes de Moabe. O astro já banhava o acampamento, e o alegre Pote chegava para despertá-lo...
O rapaz trazia suas botas!
Para melhor conferir o que se passava, Teodorico afastou os cabelos que cobriam seus olhos e viu sobre a mesa as várias garrafas esvaziadas na noite anterior... Aos poucos recordou-se que haviam brindado “à ciência e à religião”...
Viu que à sua cabeceira estava o embrulho com a coroa de espinhos... No outro catre estava Topsius “com um lenço amarrado na testa”. Certamente a bebedeira da noite anterior resultara em dores de cabeça. O alemão ajeitava os óculos de aros dourados e bocejava.
Pote achava graça da preguiça dos dois estrangeiros... Ao notar que estavam satisfatoriamente despertos, perguntou-lhes se desejavam “tapioca ou café” para iniciarem o dia...
Teodorico suspirou e, bastante aliviado por se perceber novamente em sua individualidade de “criatura do final do século XIX”, pulou sobre o colchão e manifestou que desejava uma “tapioca bem docinha” e macia tal como as de sua terra natal.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,


Prof.Gilberto

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