quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – mulheres de Nazaré e considerações de santo Antonino; sítios religiosos e outras paisagens; expectativas na chegada a Jerusalém; enfim, a “área católica”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_30.html antes de ler esta postagem:

Em Nazaré, os estrangeiros avistaram formosas judias que se dirigiam à fonte com seus utensílios de barro... Não vemos Teodorico demonstrar interesse por elas... Não ousou flertá-las... Em vez disso, pensou sobre o cotidiano que remontava a tempos bem mais antigos... A própria mãe de Jesus teria feito caminho como aquele, por entre figueiras, em busca de água... Assim como aquelas mulheres, Maria também devia vestir-se de branco e cumprir alegremente a tarefa de todas as tardes.
Suas reflexões o remeteram a Santo Antonino que, por ocasião de sua romagem à Terra Santa, encheu-se de ternura ao avistar as mulheres em seu trajeto rumo à fonte... E não havia sido ele o santo a vinculá-las à mãe de Jesus? E não havia sido ele que as denominara “virtudes claras, herdadas de Maria cheia de graça”?
Enquanto Teodorico manteve-se convicto em sua neutralidade, o guia Pote animou-se a chamar a atenção delas cantarolando madrigais... Elas apenas sorriam discretamente...
(...)
Chegaram à parte mais alta de Nazaré...
Passaram por vinhas e figueiras que abrigavam casebres... Tudo muito humilde... E isso, no entendimento de Teodorico, combinava bem com o modo de ser Daquele que ensinava a humildade.
O vento soprava forte no topo do morro onde haviam se posicionado. Com solenidade, Topsius reverenciou as planícies. Depois passou a apontar para os locais de importância religiosa... Teodorico enrolava um cigarro e entediado o ouvia dizer “Esdrelon, Endor, Sulém, Tabor”...
(...)
O mais eram paisagens... O Monte Carmelo e sua neve; a poeira que subia das planícies da Pérea; o azulado Golfo de Caifa; as tristes montanhas da Samaria; e, no céu acima dos vales, o voo das grandes águias.
Teodorico sentenciou que a vista era “catita”, e isso parecia sintetizar o que havia a ser dito a respeito de toda paisagem.
(...)
Numa madrugada iniciaram a descida para Jerusalém...
O caminho desde a Samaria até Ramá foi de chuva torrencial... O tempo só se tornou claro nas proximidades da colina de Gibeá. Teodorico registrou que naquela localidade existiu o jardim, onde, tocando sua harpa, Davi passava o tempo a contemplar a cidade sagrada.
Teodorico lembrou-se da Jerusalém que conhecera no sonho... Que tipo de visão lhe reservava aquela que se avizinhava? Certamente não seria a mesma das formidáveis torres que guardavam o suntuoso templo resplandecente “ao sol de Nizam”... Reconheceria as colinas de Acra (repleta de palácios) ou a de Bezeta (“regada pelas águas de Enrogel”)?
Não demorou e o velho beduíno que os acompanhava anunciou “EL-Kurds”, que era como desde muito tempo os árabes chamavam Jerusalém.
Ansioso, Teodorico seguiu firme em sua montaria... Tremeu quando avistou o vale do Cédron... Nada das imponentes muralhas “visitadas” durante o sonho! Em vez disso, avistou umas ruínas caducas e, no seu entorno, um aglomerado de conventos...
(...)
Passaram pela Porta de Damasco e avançaram pelas lajes da Rua Cristã.
A primeira figura que viram foi a de um frade gorducho... O religioso seguia pelo caminho tirando boas tragadas de um cachimbo. Carregava um guarda-sol e um livro de orações que indicava seu compromisso beato.
Chegaram ao Hotel Mediterrâneo e logo tiveram uma mostra do que era a “Jerusalém Católica”... No pátio via-se o “anúncio das Pílulas Holloway” (indicadas para os males do fígado, do estômago e para o tratamento de disenterias) que destacava um folgado tipo inglês de olhos claros e com o “Times” nas mãos.
Mais adiante avistaram uma varanda onde haviam estendido umas “ceroulas brancas com nódoas de café”... Desde aquele ponto ouviram uma voz fanhosa francesa a pronunciar “C'est le beau Nicolas, holà!”
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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