sábado, 10 de fevereiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – Alpedrinha conta a respeito de sua iniciativa de deixar o Egito; novidades sobre a Maricocas, que partiu para Tebas com um fotógrafo italiano; Teodorico reconhece-se traído mais uma vez

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/02/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_9.html antes de ler esta postagem:

Alpedrinha contou que partira de Alexandria com grande tristeza... O trabalho no Hotel das Pirâmides tornara-se enfadonho para ele... Disse também que passou a sentir uma grande saudade dos mares, das cidades carregadas de história e de “multidões desconhecidas”... Isso foi à época que Teodorico e o intelectual alemão viajaram para Jerusalém.
Contou que quando um judeu de Quechã se instalou no Hotel das Pirâmides, surgiu a oportunidade que ele esperava... O tipo anunciou que seguiria para Bagdá, onde fundaria uma estalagem com bilhar. Alpedrinha explicou que o homem o convidou a segui-lo e ofereceu-lhe trabalho como “marcador”.
(...)
Então é isso... O conterrâneo explicou que juntou suas economias de longo tempo de trabalho no Egito e partiu para a aventura às margens das lentas águas do Eufrates. Todavia havia decidido passar uns tempos em Jerusalém, conhecer a Via-Dolorosa...
O moço interrompeu a falação sobre seus projetos e quis saber se Teodorico tinha notícias de Lisboa... Ele mesmo gostaria de ouvir algo a respeito dos patrícios, mas não lhe chegavam às mãos os jornais portugueses.
(...)
O Alpedrinha falava com tristeza, mas os pensamentos de Teodorico eram outros. Ele sorria enquanto se lembrava do calor do Egito, e também da “rua clara das Duas Irmãs, a capelinha entre plátanos, as papoulas do chapéu da Mary”... E foi assim que sentiu que gostaria de vê-la novamente, pois de repente sentiu falta de seus lábios grossos e gritos apaixonados... Tornou-se bom saber que em breve retornaria à sua lojinha. Ele estaria “queimado pelo sol da Síria e mais forte” e surgiria tão de repente que o gato branco da loura Mary se assustaria.
É claro que ela perguntaria da camisa que lhe dera de presente... Ele responderia que uns cavaleiros turcos armados com lanças a haviam roubado...
(...)
Teodorico quis saber se o Alpedrinha podia falar a respeito da Maricoquinhas... Sabia notícias dela? O rapaz ficou ruborizado e baixou a cabeça... Na sequência disse que a inglesinha já não podia ser encontrada em Alexandria, pois se mudara para Tebas...
O Raposo estranhou... Exclamou que Tebas era toda ruínas e ficava no Alto Egito, para as bandas da Núbia! Mas o que dera em sua querida para ir para um lugar daqueles?
Alpedrinha respondeu que a jovem iria apenas para tornar ainda mais linda a vista do lugar histórico... Teodorico não entendeu muito bem... Mas tudo se esclareceu quando o outro completou que um italiano de longos cabelos a encantara... O tipo era fotógrafo e a convenceu a partir com ele para o sul do Egito, onde fotografaria ruínas de palácios e tudo o que havia de referência sobre Ramsés e o deus Amon...
Mary, a inglesinha, seria fotografada pelo italiano... Ela apareceria junto às “vistas” que tanto chamavam a atenção de turistas... Alpedrinha parecia saber o que dizia, ou então calculava os ensaios com precisão... Cogitou que não seria improvável que ela pousasse com o seu pequeno guarda-sol e chapéu de papoulas.
As palavras tornaram Teodorico irritadiço... Vociferou que ela era uma descarada. Depois perguntou se ela havia seguido o italiano por causa do trabalho ou porque estava gostando do tipo... Alpedrinha sentenciou que ela estava “caidinha pelo gringo”.
(...)
O interessante é que o rapaz disse isso e deixou escapar um longo suspiro. Essa reação não passou despercebida por Teodorico, que suspeitou que o patrício tinha muito mais a dizer a respeito da inglesinha.
Ele perguntou se o rapaz havia se envolvido com a garota... Alpedrinha baixou a cabeça e seu grande turbante rolou pelo chão... Sua fisionomia arrependida o denunciou... Teodorico agarrou o seu braço e disparou que ele devia contar a verdade...
Os dois tinham com as faces ruborizadas... No caso de Alpedrinha, o receio inicial tornou-se vaidade, então ele virou-se para o inquiridor e respondeu que também a havia “petiscado”.
Àquela altura da conversa, Teodorico já esperava ouvir isso mesmo... Mas sua reação foi a de largar o braço do rapaz com fúria e repugnância. Seu pensamento foi tomado por lamentações... Seria mesmo possível ser traído por que aquela que lhe demonstrara tanto afeto? Ainda mais com aquele miserável patrício!
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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