Na semana que se seguiu, Teodorico dedicou-se a organizar uma série de pequenas relíquias que havia adquirido na Terra Santa...
Enquanto fazia os muitos pacotes, avaliava o quão valiosas eram. Concluiu que as peças eram dignas das grandes igrejas. Muitas delas eram provenientes de Marselha, e entre elas havia “rosários, bentinhos, medalhas, escapulários”... Outras eram as relíquias negociadas pelos vendilhões que circulavam pelos sítios sagrados, como era o caso do Santo Sepulcro: “frascos de água do Jordão, pedrinhas da Via-Dolorosa, azeitonas do Monte Olivete, conchas do Lago de Genesaré”...
Além dessas citadas anteriormente, Teodorico juntara outras peças “raras, peregrinas, inéditas”: “uma tabuinha aplainada por São José; duas palhinhas do curral onde nasceu o Senhor; um bocadinho do cântaro com que a Virgem ia à fonte; uma ferradura do burrinho em que fugiu a Santa Família para a terra do Egito; e um prego torto e ferrugento”.
Como se vê, havia relíquia de toda natureza... O rapaz tomou o cuidado de fazer embrulhos em vistosos papéis, amarrados com fitas de seda... Tudo foi acomodado num caixote forte, revestido com chapas de ferro.
(...)
Evidentemente a mais
importante das relíquias era a coroa de espinhos, que fora reservada
especialmente para a tia Patrocínio... Certamente a velha depositaria toda a
sua fé na “milagrosa peça”...
Teodorico
até podia sentir a fortuna da tia passando para as suas mãos... Esse era o benefício
que reservara para si... Essa era a sua paga por ter se tornado o seu “cavaleiro
e romeiro”.
Tão especial era o
presente para a Titi que o rapaz pensou que devia guardá-lo numa caixa
elaborada com madeira especial e santificada... Topsius intrometeu-se, disse
que o cedro do Líbano era o mais indicado para aquele fim. Salientou que, por
causa dele, o rei Salomão fizera aliança com o rei de Tiro (Hirão)...
Também Pote deu o seu
palpite... Sem pretensões de arqueólogo, lembrou que o patriarca de Jerusalém
benzia o pinho de Flandres. Teodorico poderia dizer à tia que os pregos da
caixa eram os mesmos que haviam sido utilizados por Noé em sua arca...
Enquanto
bebiam cerveja no “Retiro do Sinai” arquitetaram outras ideias... Planejaram
que Teodorico poderia dizer muito mais à tia! Assim, falaria que aquela ferragem
havia sido encontrada por um ermitão no Monte Arará (Ararate)... Depois acrescentaria
que a ferrugem nela contida cuidara de armazenar “o lodo primitivo” e que, uma
vez “dissolvida em água benta”, se tornava um santo remédio para curar catarros.
(...)
A semana foi de
organização da bagagem para o retorno à Europa.
O embrulho da coroa
de espinhos continuou sobre a cômoda, entre os dois castiçais, até ser transferido
para a caixa forrada com um tecido azul adquirido na Via-Dolorosa... Isso foi
na véspera de deixarem Jerusalém.
Teodorico juntou boa
quantidade de alvíssimo algodão para o fundo do estojo. Depois colocou o
embrulho com todo cuidado. Por um tempo contemplou o pacote de papel pardo e
sua fita vermelha... Uma beleza! Tudo arranjado por Topsius nas proximidades do
Rio Jordão.
(...)
A peça se ajeitava perfeitamente...
Teodorico cuidava dos últimos detalhes pensando que logicamente a coroa
de espinhos se tornaria objeto de devoção insubstituível para a tia...
Enquanto fumava seu cachimbo de louça, Topsius o
observava em silêncio.
Sem esconder sua
satisfação, o rapaz comentou com o companheiro que aquele embrulho lhe renderia
uma boa “chelpa” (dinheiro)... Depois quis que o alemão confirmasse que podia
mesmo dizer que a coroa era “a original”...
Ele nem terminou a pergunta e Topsius já foi dizendo que “as relíquias não
valem pela autenticidade que possuem, mas pela fé que inspiram”... Depois
emendou que podia dizer à tia que a relíquia era “a mesma” do suplício de
Jesus.
Ainda
mais contente, Teodorico exclamou um “bendito sejas” ao erudito Topsius.
(...)
À tarde, o Raposo
dirigiu-se sem nenhuma companhia ao Horto das Oliveiras...
Topsius
acompanhou a Comissão de escavações “aos túmulos dos reis”.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto