quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – planejando a desforra para logo que a tia morresse; contra o oratório e suas imagens; Paris e muito divertimento; fim da visita ao o horto; tudo pronto para deixar Jerusalém; um criado do hotel e o esquecido embrulho de papel pardo e fita vermelha

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/02/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_4.html antes de ler esta postagem:

O frade que cuidava do jardim parou de mexer com as plantas... Depois passou a andar de um lado para outro por um caminho repleto de murtas enquanto lia o seu livro de orações.
Teodorico sentia-se muito bem e a pensar positivamente sobre o seu futuro logo que retornasse a Portugal e entregasse a valiosa relíquia para a Titi. Extasiado, passou a traçar planos para a casa em Santana...
Assim que o cadáver de Dona Maria do Patrocínio fosse retirado da casa, ele correria ao oratório. Apagaria as luzes e deixaria as imagens todas na mais completa escuridão... Não sobraria nenhum ramo dos que ela costumava arranjar! Sim! Essa seria a sua desforra por todas as inúmeras vezes que teve de se ajoelhar diante daquelas “imagens pintadas”... Após a morte da velha se sentiria, enfim, libertado das beatitudes exigidas pelos santos de cada dia.
(...)
Ter fingido por tantos anos não havia sido fácil... Esmerara-se em tudo parecer um fiel servo dos santos, mas, como sabemos, seu procedimento tinha como última intenção “servir à tia”...
É interessante notar que o rapaz raciocinava como se a morte dela fosse certeira... Então, ele alimentou a ideia de que bastava retornar e entregar a relíquia para que sua felicidade se completasse na sequência.
Enquanto pensava, fazia pouco caso do modo de ser da Titi... De que lhe servira todo rigor carola? Em breve estaria apodrecendo na cova... Aqueles olhos que nunca derramaram “uma lágrima caridosa” serviriam de “pasto para os vermes”... Ela, que nunca sorria, teria a pele e os lábios desfeitos pela putrefação... Só então, dentro do caixão, seus dentes cariados ficariam expostos como num macabro sorriso.
Para Teodorico não havia dúvida... A fortuna que fora do comendador Godinho já era praticamente sua. Uma vez libertado da mulher que lhe causava tanta repugnância, não teria mais a menor necessidade de ajoelhar-se diante dos santos ou ofertar-lhes ramalhetes...
O que faria depois? Partiria para Paris, onde poderia divertir-se muito com as mulheres.
(...)
De repente, o frade bateu levemente no ombro do visitante retardatário...
O velho sorriu-lhe e disse que estava na hora de fechar o “santo horto”. Acrescentou que ficaria grato se recebesse uma esmola... Teodorico entregou-lhe uma “placa”... Depois pegou o caminho de volta para Jerusalém.
Enquanto caminhava pelo Vale de Josafate, cantarolava um doce fado.
(...)
Na tarde do dia seguinte, Topsius, Teodorico e seus assistentes organizaram-se na saída do Hotel Mediterrâneo... Desde a Igreja da Flagelação ouvia-se o sino que chamava fiéis para a novena.
O beduíno vestira-se sobriamente, lembrava um sacristão e parecia que estava bem gripado. Teodorico conferiu os caixotes... Os que continham relíquias foram acomodados entre fardos, sobre o cavalo mais robusto.
Topsius assumiu sua montaria, a mais vagarosa das éguas... O animado Teodorico enfeitou o próprio casaco com uma rosa vermelha na altura do peito. Assim que passaram pela Via-Dolorosa gritou um "Fica-te, pocilga de Sião!"
Alcançavam a Porta de Damasco quando ouviram gritos vindos desde a “esquina do convento dos abissínios”... Ninguém menos do que o funcionário negro do hotel vinha esbaforido e carregando um embrulho.
Teodorico reconheceu, pelo papel pardo e fita vermelha, que só podia ser o camisão de Mary... Só então ele se lembrou que, enquanto organizava as malas, não o havia visto no guarda-roupa junto com as meias.
O funcionário explicou que logo que eles deixaram o hotel, ele pôs-se a limpar o quarto. Ao passar a vassoura atrás da cômoda, descobriu o “embrulhinho” no meio da poeira e aranhas... Solícito, limpou-o com todo carinho e, como sempre fora prestativo ao “fidalgo lusitano”, correu em disparada (ainda que estivesse “sem a jaleca”) para alcançá-lo.
Teodorico não escondeu sua irritação, fez uma fisionomia carrancuda e vociferou um “basta!”... Na sequência, depois de pegar o embrulho, dispensou o moço dando-lhe umas moedas de cobre.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto 

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