Depois de receber o embrulho, Teodorico sentiu-se incomodado... Foi por um breve instante... Perguntou-se sobre como o pacote teria rolado para trás do móvel... Imaginou que talvez o próprio criado do hotel tivesse esbarrado no objeto, lançando-o para longe das meias. Na sequência, lamentou recuperá-lo...
É claro que ainda nutria um bom sentimento pela Mary e enchia-se de esperança de reencontrá-la em sua nova passagem pelo Egito, mas o pacote era algo perturbador... Não havia nenhuma necessidade de manter a camisa de dormir da loira inglesa no meio de sua bagagem em seu retorno à Lisboa. Aquilo representava sério risco ao projeto de apossar-se da fortuna do comendador Godinho!
Teodorico arrepiou-se ao pensar que aquele embrulho entraria na casa da tia... A velha vivia investigando os cantos de seu quarto, sua mala e armários em busca de cartas e outros objetos que denunciassem suas “relaxações”!
Ele não tinha dúvida de que estaria arruinado se Dona Patrocínio descobrisse aquelas rendas que cheiravam a pecado... E não apenas o olfato o denunciaria! Não podemos esquecer que, quando se despediram, Mary fez questão de escrever em redondas letras uma escandalosa dedicatória nos panos: "Ao meu portuguesinho valente!"
A reação da Titi seria aquela que ela mesmo havia antecipado “diante de seus amigos da Magistratura e da Igreja” antes da partida do sobrinho para a Terra Santa... Diria que, se soubesse que ele se “meteria com saias” durante a “santa viagem”, o teria escorraçado como um cão de sua casa.
(...)
Após
essas reflexões, Teodorico sentenciou para si mesmo que seria loucura conservar
a lembrança da luveira inglesa de Alexandria sob o risco de tornar-se maldito
para a tia rica... Loucura! Não valia a pena se arriscar... Manter o embrulho
que comprovava o seu pecado por “luxo sentimental”? Na tarde do dia anterior, quando
estivera no horto das oliveiras, recapitulara todos os seus sacrifícios para
conquistar a confiança de Dona Patrocínio... Foram muitos “terços, pingos de
água benta e humilhações”!
Agora que começava a
vislumbrar a vitória, não podia cometer erros... Decidiu livrar-se da “terrível
camisa de Mary”... Não fez isso naquele instante porque Topsius poderia notá-lo...
E ele não quis dar a entender que estava se tornando covarde... Não fosse isso,
teria atirado o embrulho num charco qualquer do caminho. Então concluiu que se
desvencilharia do estorvo assim que chegassem às montanhas de Judá. A escuridão
da noite o esconderia do companheiro alemão e de Pote... Assim poderia retardar
as passadas de sua égua e lançar o embrulho num barranco.
O plano era
perfeito... Não demoraria e os chacais daquelas paragens rasgariam o papel
pardo... Depois viriam as torrenciais chuvas que apodreceriam os panos de Mary.
(...)
A noite se aproximava
quando os viajantes passaram pelo túmulo de Samuel... Conduziram-se pelos
“rochedos de Emaús”... Jerusalém há muito ficara para trás.
De repente a égua de
Topsius saiu do caminho e abandonou a caravana... O animal rumou para uma fonte
não muito afastada da estrada. Teodorico irritou-se ao ver que o doutor não
conseguia domá-la... Então gritou que ele tinha de puxar-lhe a rédea...
Protestou que fazia pouco tempo que tinham dado de beber aos animais... Era
muito descaramento da égua!
O rapaz insistiu para que o companheiro não cedesse ao animal... Mas
Topsius parecia não ter o traquejo da cavalaria... Com as pernas esticadas,
puxou os bridões e agarrou-se às crinas... A égua disparou para junto da água.
Teodorico
resolveu segui-lo... O local deserto podia ser perigoso... Também por isso
tinham de se manter juntos.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto