A espetacular “visão do Cristo” saído da moldura pronunciou que a questão fundamental sobre a qual Teodorico não pretendia refletir não estava no fato de não se tornar o herdeiro... Mas na sua condução de “existência de duplicidade”, sendo um tipo injusto e desprezível (e essa era a sua real condição) e eventualmente assumindo posturas de santidade (e isso era puro fingimento).
Estava claro que aquela situação, de carregar no peito as duas contraditórias personalidades (devoto x obsceno), não duraria muito mais tempo... Será que ele pensava que conseguiria se manter junto à tia como se estivesse sempre pronto às missas e litanias? Muito provavelmente, mais cedo ou mais tarde, a velha senhora descobriria o seu “lado despido e natural onde negrejavam as máculas do vício”.
(...)
Os pés transparentes de Cristo (pelo menos era isso o que pensava o
Raposo) flutuavam diante
do traste atirado ao chão... Em vão o rapaz tentava
pregar seus lábios nas feridas. Envergonhava-se a cada palavra que ouvia, e
mais ainda se curvou quando a voz novamente sentenciou que ele estava errado ao
dizer que era perseguido por Nosso Senhor...
Não!
Definitivamente seus insucessos não se deviam a qualquer castigo divino!
Ele chamava ao óculo
recebido por herança de “Profundas Sociais”... Mas devia ao menos reconhecer
que aquilo era obra de suas próprias ações, e não de Nosso Senhor!
Com
tristeza, Teodorico ouviu que os episódios de sua vida vinham sendo construídos
por ele mesmo... Se tivesse de considerar Cristo em seus traumas, era preciso admitir
que Ele apenas os assistia e os julgava... Jamais exercera qualquer influência
em algum de seus atos.
Por fim tratava-se da
condição própria do homem de livre-arbítrio...
A
espetacular visão afirmou que Teodorico, por sua única iniciativa e “esforço de
homem”, poderia “descer a misérias mais torvas ou elevar-se aos rendosos
paraísos da terra e ser diretor de um Banco”.
(...)
A imagem acrescentou
que ouvira bem a indagação de Teodorico que, indignado quis saber se seu rosto
não Lhe era familiar... Talvez fosse necessário responder-lhe com outra
pergunta... Será que ele não se lembrava da sua voz?
Depois, como se estivesse se revelando, a imagem disse que não era “Jesus
de Nazaré, nem outro deus criado pelos homens”... E que era “anterior aos deuses
transitórios”... De modo confuso, acrescentou que todos (deuses conhecidos
pelos humanos) nasciam dentro de sua entidade e nela perduravam, se
transformavam e se dissolviam...
Sua condição era de eternidade, pois permanecia em torno de todas as
divindades anunciadas pelos humanos... Todavia sempre fora superior a todos, “concebendo-os
e desfazendo-os”.
(...)
Mas então o que era aquela imagem? Isso
Teodorico quis saber com urgência...
Ela esclareceu que se
chamava “Consciência” e que, naquele momento, nada mais era do que o reflexo da
consciência que ele carregava em seu interior desde a mais tenra idade... Ele a
via como um enorme Cristo transparente e flutuante porque essa era “a forma
familiar” sob a qual ele (com toda sua falta de educação e pouco discernimento
filosófico) a compreendia. Fazia parte de sua formação...
A fantástica imagem/consciência
de Teodorico disse que bastava ele se levantar e encará-la para que tudo se
desvanecesse.
(...)
Aconteceu que
Teodorico nem precisou dirigir seu olhar para cima e a visão espetacular logo desapareceu.
No mesmo instante, teve o ímpeto de erguer as mãos para proferir uma
prece ao encarnado Nosso Senhor Jesus Cristo...
Mas logo resolveu silenciar...
Afinal
sentiu que havia aprendido algo muito importante.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/03/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_10.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto