terça-feira, 17 de abril de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – “sapiência” do Sete-de-Ouros; Francolim e sua disposição para vigiar os peões; “para bezerro mal desmamado, cauda de vaca é maminha”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_16.html antes de ler esta postagem:

Depois que tropa e manada passaram pelo córrego da Fome, o Major Saulo permaneceu por um instante junto ao compadre João Manico...
Como de costume, o patrão fez comentários carregados de gracejos sobre a lamentável condição do outro, que seguia viagem montado no Sete-de-Ouros... João Manico foi educado e disse que sabia que o compadre não pretendia humilhá-lo ou deixá-lo em situação embaraçosa diante dos demais... Apesar de desabafar a respeito da incoerência de sua participação na viagem, e de salientar que a mesma consideração cabia ao burrico, fez umas apreciações positivas a respeito de sua montaria.
(...)
O Major Saulo quis saber se ele achava que “burro é burro”...
João Manico respondeu que aquela era uma pergunta séria e que, em sua opinião, os burros sempre foram muito espertos.
(...)
Depois da resposta de João Manico, há um parágrafo em que o autor destaca o “modo de ser” do Sete-de-Ouros e de tantos outros burros que viviam nas fazendas onde eram utilizados nas mais diversas tarefas.
Há tanta poesia no fragmento que merece ser destacado aqui:

                   “Bem que Sete-de-Ouros se inventa, sempre no seu. Não a praça larga do claro, nem o cavouco do sono: só um remanso, pouso de pausa, com as pestanas meando os olhos, o mundo de fora feito um sossego, coado na quase-sombra, e, de dentro, funda certeza viva, subida de raiz; com as orelhas - espelhos da alma - tremulando, tais ponteiros de quadrante, aos episódios para estrada, pela ponte nebulosa por onde os burrinhos sabem ir, qual a qual, sem conversa, sem perguntas, cada um no seu lugar, devagar, por todos séculos e seculórios, mansamente amém”.

O Major Saulo redarguiu sentenciando que, apesar de serem “ladinos demais” (os burros – conforme a resposta de João Manico), não podiam imprimir velocidade às marchas... Até se destacavam pela coragem, mas não se podia exigir rapidez desses animais.
(...)
A manada se espalhou pela várzea, mas apenas uns três animais se destacaram e se puseram a correr desajeitadamente entre as moitas.
O major olhou e gostou do que viu... Felizmente estava tudo bem depois do sufoco da passagem pelo córrego da Fome... Por isso deixou escapar mais um “Oô-ah!... Beleza de gado!”.
João Manico concordou e o patrão prosseguiu dizendo que apreciava o estado geral dos animais, seus graciosos movimentos e a bela carne que renderiam. Na sequência exortou o compadre a deixar a tristeza para trás porque mais tarde ele ainda teria uma grata surpresa.
Fosse o que fosse ele não podia adiantar... Tinha a lamentar que Francolim ainda não retornara desde que seguira para a dianteira para ter com Sebastião. Mas também isso ele podia adivinhar... O “imediato” tinha essa mania de conferir o que os vaqueiros faziam, deixavam de fazer e o que conversavam. Era de seu feitio ir-se por um caminho e retornar por outro... Depois eram as falações sobre as novidades e fofocas contadas ao patrão.
De certo modo o rapaz fazia as vezes de “olhos e ouvidos do patrão”... Mas nem sempre o Major Saulo via isso positivamente... Além disso, muitas vezes a falação só atrapalhava.
O homem sorriu mais uma vez e comentou com o compadre que Francolim não era dos que reparam devidamente a beleza do gado... Mas logo ele apareceria para falar, e já era possível quase adivinhar o que diria: que os homens estavam “mamparreando” e na prosa...
De sua parte, o major entendia que eles tinham direito a um pouco de divertimento, pois nos momentos em que se exigia força eles estavam sempre prontos...
Mas aquele era o jeito do Francolim. Ele se sentia bem vigiando, era o gosto dele...
João Manico disse que seu Francolim não era “certo da cabeça”... Naquele mesmo dia ele havia colocado uma touca estranha na cabeça e ficou parecido com um fantasma!
O major riu mais uma vez e filosofou dando a entender que não valia a pena corrigir o “imediato”... Disse que “para bezerro mal desmamado, cauda de vaca é maminha”, e finalizou com um “Galinha, tem de muita cor, mas todo ovo é branco”...
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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