quinta-feira, 19 de abril de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – da escolaridade do Major Saulo e de João Manico; temores dos vaqueiros em relação ao patrão; do traquejo do gado e o conhecimento a respeito do modo de ser dos homens; caminho de más recordações

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_17.html antes de ler esta postagem:

O major Saulo conversou um pouco mais com o compadre... Ele perguntou se João Manico sabia ler e escrever.
O homem de vida simples e de labuta com o gado respondeu que escrevia demoradamente e com muitos erros... Disse que houve tempo em que escrevia bilhetes, mas nos últimos anos já não lidava com lápis e papel.
O major disse que ele mesmo nunca estivera na escola... O que aprendera da vida não foi graças aos bancos escolares. Todos os que o conheciam sabiam disso, e também que a cada ano ele conseguia ganhar mais dinheiro comprando terras e bois para as invernadas.
O patrão contou que sentia ojeriza pela Matemática... Não conhecia a tabuada e detestava fazer contas. Sabia dos ganhos e do quanto gastava sem recorrer a esses exercícios complicados.
A respeito do dinheiro (e da acumulação), o major afirmou que ele “passa como água no córrego, mas deixa poços cheios, nas beiras”. Sendo assim, sua prática nos negócios resumia-se a “caminhar no escuro”.
João Manico respondeu que se Deus ajuda tudo fica bem... No mesmo instante, o patrão acrescentou que não tomava “a reza dos outros” e nem fazia desfeita do trabalho dos que o serviam.
Manico respondeu que os vaqueiros trabalhavam sem maiores pressões... Havia satisfação entre eles. Todos o respeitavam e obedeciam as ordens, O modo de ser do major impunha-lhes medo e respeito.
Será que era assim mesmo? O Major Saulo perguntou... Compadre Manico garantiu que sim, e acrescentou que todos valorizavam o modo como ele lidava com boi bravo, só com chicote e “soprando no focinho” da fera. Sem montaria ou vara!
(...)
O Major Saulo ouviu as considerações do compadre Manico, sentiu que havia sinceridade em suas palavras e entendeu que os demais homens o vissem daquele modo mesmo. Mas fez questão de salientar que gostava dos bois e que até os estimava.
João Manico respondeu que não duvidava da afirmação... Depois acrescentou que os homens se assustavam um pouco por nunca saberem ao certo o que o patrão andava pensando e, quase sempre, quando falava, saía algo totalmente diverso do que imaginavam. É por isso que ele podia dizer também, “sem quebrar o seu respeito”, que os peões tinham mais medo de serem advertidos pelo patrão do que tomarem a chifrada de garrote.
Major Saulo não deixou transparecer nenhuma reação às palavras do compadre, mas dá até para apostar que ele achou graça... Em tom de seriedade, disse que era bom poder “ver tudo de longe” como podiam fazer naquele momento... Explicou que “pelo rastro do chão” ficava sabendo de “muita coisa que com a boiada vai acontecendo” e na sequência admitiu que também o Manico era “bom rastreador”... De sua parte, podia dizer que o que sabia das pessoas havia aprendido no “traquejo dos bois”.
O compadre respondeu que não tinha certeza... Tinha de pensar... Então o Major Saulo soltou sua risada tradicional e emendou que não era sempre (que podia tirar lições sobre as pessoas lidando com a manada) e o aconselhou a não ficar imaginando muito mais sobre suas palavras.
(...)
Avançaram pelo caminho enquanto conversaram...
O patrão interrompeu os assuntos para mostrar que o pessoal da dianteira acabava de sair da várzea e que, no estreito caminho onde entrariam, uma de suas vacas havia criado grande confusão no último ano...
Ele lembrou que ela obstruiu o caminho dos animais e endoidou a dar chifradas que resultaram na queda de três bois no barranco... Perderam cerca de meia hora até apaziguarem tudo por causa da traição da bicha.
João Manico observou que o lugar era “zangado”... O major orientou a avançarem no galope para que pudessem conferir se tudo ia bem. Era bom que o compadre prometesse alguma coisa ao burrinho para que ele colaborasse na corrida.
(...)
Nem avançaram muito e logo notaram algo estranho.
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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