O major Saulo conversou um pouco mais com o compadre... Ele perguntou se João Manico sabia ler e escrever.
O homem de vida simples e de labuta com o gado respondeu que escrevia demoradamente e com muitos erros... Disse que houve tempo em que escrevia bilhetes, mas nos últimos anos já não lidava com lápis e papel.
O major disse que ele mesmo nunca estivera na escola... O que aprendera da vida não foi graças aos bancos escolares. Todos os que o conheciam sabiam disso, e também que a cada ano ele conseguia ganhar mais dinheiro comprando terras e bois para as invernadas.
O patrão contou que sentia ojeriza pela Matemática... Não conhecia a tabuada e detestava fazer contas. Sabia dos ganhos e do quanto gastava sem recorrer a esses exercícios complicados.
A respeito do dinheiro (e da acumulação), o major afirmou que ele “passa como água no córrego, mas deixa poços cheios, nas beiras”. Sendo assim, sua prática nos negócios resumia-se a “caminhar no escuro”.
João Manico respondeu que se Deus ajuda tudo fica bem... No mesmo instante, o patrão acrescentou que não tomava “a reza dos outros” e nem fazia desfeita do trabalho dos que o serviam.
Manico respondeu que os vaqueiros trabalhavam sem maiores pressões... Havia satisfação entre eles. Todos o respeitavam e obedeciam as ordens, O modo de ser do major impunha-lhes medo e respeito.
Será que era assim mesmo? O Major Saulo perguntou... Compadre Manico garantiu que sim, e acrescentou que todos valorizavam o modo como ele lidava com boi bravo, só com chicote e “soprando no focinho” da fera. Sem montaria ou vara!
(...)
O Major Saulo ouviu as
considerações do compadre Manico, sentiu que havia sinceridade em suas palavras
e entendeu que os demais homens o vissem daquele modo mesmo. Mas fez questão de
salientar que gostava dos bois e que até os estimava.
João Manico respondeu que não duvidava da afirmação... Depois acrescentou
que os homens se assustavam um pouco por nunca saberem ao certo o que o patrão
andava pensando e, quase sempre, quando falava, saía algo totalmente diverso do
que imaginavam. É por isso que ele podia dizer também, “sem quebrar o seu
respeito”, que os peões tinham mais medo de serem advertidos pelo patrão do que
tomarem a chifrada de garrote.
Major Saulo não deixou transparecer nenhuma reação às palavras do
compadre, mas dá até para apostar que ele achou graça... Em tom de seriedade,
disse que era bom poder “ver tudo de longe” como podiam fazer naquele
momento... Explicou que “pelo rastro do chão” ficava sabendo de “muita coisa
que com a boiada vai acontecendo” e na sequência admitiu que também o Manico
era “bom rastreador”... De sua parte, podia dizer que o que sabia das pessoas
havia aprendido no “traquejo dos bois”.
O compadre respondeu que não tinha certeza...
Tinha de pensar... Então o Major Saulo soltou sua risada tradicional e emendou
que não era sempre (que podia tirar lições sobre as pessoas lidando com a
manada) e o aconselhou a não ficar imaginando muito mais sobre suas palavras.
(...)
Avançaram pelo caminho
enquanto conversaram...
O patrão interrompeu os assuntos para mostrar que o pessoal da dianteira
acabava de sair da várzea e que, no estreito caminho onde entrariam, uma de
suas vacas havia criado grande confusão no último ano...
Ele lembrou que ela
obstruiu o caminho dos animais e endoidou a dar chifradas que resultaram na
queda de três bois no barranco... Perderam cerca de meia hora até apaziguarem
tudo por causa da traição da bicha.
João Manico observou que o
lugar era “zangado”... O major orientou a avançarem no galope para que pudessem
conferir se tudo ia bem. Era bom que o compadre prometesse alguma coisa ao
burrinho para que ele colaborasse na corrida.
(...)
Nem
avançaram muito e logo notaram algo estranho.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_20.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto