domingo, 29 de abril de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – Badú sobre o burrico se tornou motivo de chacota; Francolim cumpre ao seu modo a tarefa de representar o major diante dos vaqueiros; Sete-de-Ouros toma o rumo da fazenda levando o vaqueiro adormecido em meio à noite sinistra

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_89.html antes de ler esta postagem:

O vaqueiro Badú preparava Sete-de-Ouros... Pelo visto os demais já haviam partido... Como vimos, João Manico se apossou do poldro e é por isso que o burrinho pedrês sobrou para Badú, que estava muito embriagado...
Enquanto acomodava os arreios, o rapaz negociava com o animal... Seu estado não ajudava. Ele sabia que podia tomar um coice. Então, para ludibriar o burrico, passou a cantarolar uma cantiga chamada Rio Preto:


“Rio Preto era um negro
que não tinha sujeição.
No gritar da liberdade
o negro deu para valentão...”

Do lado de fora do galpão alguém gritou para ele acabar com aquela cantoria que só servia para “chamar mais chuva”. O moço se surpreendeu, pois imaginava ter ficado para trás. Imediatamente perguntou sobre o poldro, mas não obteve resposta.
Antevendo confusão entre humanos que não se entendiam e brigavam por “ciúmes e amores”, o burrinho amoleceu as orelhas, fechou os olhos e enrugou a pele... O vaqueiro não mais perdeu tempo e montou.
O problema é que Badú era muito grande... Seus pés quase “arrastavam o chão”... Ao longe um dos homens vaiou ao mesmo tempo em que perguntava se ele estava pronto para “vender leite”... Onde estavam as latas?... Outro perguntou se era ele quem levava o burrico...
Sem a menor condição de reagir ou responder à altura, Badú soltou um “Cambada!”
(...)
Sete-de-Ouros carregou o cavaleiro embriagado. Este sentia que as casas à sua volta dançavam... Logo chegaram ao fim da rua, onde começava o beco do Gentil da Ponte. Neste ponto, Francolim o aguardava.
Certamente Francolim pretendia cumprir satisfatoriamente a missão que o patrão havia lhe confiado (ficar de olho em Badú e em Silvino)... O “secretário” antecipou-se e disse “Estava esperando, seu Balduíno, por lhe fazer companhia”.
Badú não escondeu o seu mau humor e foi logo respondendo que o outro correra sério risco ao se arriscar a ser confundido com uma “assombração”. Ele podia até passar-lhe fogo!
Francolim estranhou e perguntou como poderia ser, já que o vaqueiro estava desarmado de garrucha ou revólver. Badú não estava para conversa e vociferou que não se importava e, além disso, não era da conta de ninguém se estava ou não armado.
É claro que Francolim notou que o rapaz não estava em condições de dialogar... Chamou-o mais uma vez de Seu Balduíno e resolveu dar-lhe o conselho sobre “beber demais é facilitar”...
Sabemos bem o que Francolim queria dizer... Mas Badú estava muito embriagado e conversa fiada era o que menos desejava naquele momento. Por isso esbravejou que quem desejasse conversar com ele como amigo tinha de tratá-lo por Badú, e não por “senhor”, “senhor”... Definitivamente não gostava de cerimônias!
(...)
Francolim disse que Badú estava em seu direito... Depois acrescentou que naquele momento representava o “Seu Major”.
Badú respondeu que estava “cuspindo para aquela bobagem” e que não queria mais prosa... Disse que seguia em paz, ligeiro e “sem conversa”.
(...)
Pelo visto Sete-de-Ouros compartilhava das mesmas intenções. Não porque o cavaleiro tivesse os meios de forçá-lo à marcha rápida, “mas por sentir, aberto adiante, o caminho de casa, enrolado e desenrolado, até à porteira do pasto: promessa de repouso e de solidão”.
E aconteceu que logo as rédeas se tornaram frouxas, pois Badú adormeceu enquanto Sete-de-Ouros seguiu pelo caminho. À certa distância, Francolim resmungou para si mesmo que aquele era um vaqueiro ignorante e mal-agradecido.
(...)
A atmosfera já era de início de escuridão...
Os sapos do caminho coaxavam... Eventualmente ouvia-se “o berro solitário do sapo-bezerro”.
O cenário era propício para quem estivesse planejando matar... Era só se esconder atrás de uma moita... Depois era o aguardar a vítima e disparar um ou dois tiros.
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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