Francolim percebeu que em nada poderia intervir na intriga entre os dois vaqueiros... Pensou em Silvino e deu de ombros... Olhou mais uma vez o Badú que seguia adormecido no Sete-de-Ouros e sentiu profundo desprezo por ele.
Acelerou sua montaria e passou pelo cavaleiro embriagado... Cerca de mil metros adiante alcançou os demais, que seguiam em fila indiana... Além da tralha habitual, cada um levava garrafa extra de aguardente. Sem a boiada para conduzir, eram como “almas sem corpo”. E “sem a bebida menos conseguiriam tocar”.
Leofredo arriscava uma cantoria... Mas um dos homens gritou para ele parar... Ele justificou dizendo que era “o coco* do Mestre Louco”.
* trata-se de um gênero musical; ritmo cultivado por rodas de cantorias na região Nordeste; para muitos, suas origens remontam ao Quilombo de Palmares (século XVII).
(...)
A chuva
dera uma trégua, mas o vento chacoalhava as árvores e as gotas geladas se
tornaram constantes. Alguém se referiu ao gado que deslocaram da fazenda ao
arraial e apostou que os trens já iam longe... Outro emendou que a boiada era
boa.
Chegaram à passagem
do desbarrancado... A vista se tornava cada vez mais escura... Sinoca comentou
seu desejo de que a época dos embarques acabasse logo, pois não gostava de
encaminhar o gado gordo para a morte... Preferia trazer o gado magro do sertão
para a engorda.
Sebastião
brincou ao citar certo Martinho que vivia a buscar o gado magro nas lonjuras e retornava
com “mulher dos outros na garupa”. Sinoca protestou que o companheiro não deixava
a mania de implicar com a vida dos demais... Qual era o problema de ele ter sua
preferência?
O que um falava os
demais ouviam... Alguém sugeriu que não deviam discutir por pequenas
diferenças... Depois sentenciou que gostava de ver as pessoas “de opinião”,
acrescentou que este era o caso de João Manico, que nunca saía para “buscar
boiada brava” nem mesmo nas proximidades, como Pompéu.
Manico se defendeu...
Disso que o seu modo de agir não era nenhuma pouca-vergonha... De sua parte, preferia
manter-se nas terras que conhecia sem ter de se afastar demais para “não precisar
de ver muita coisa feia, que por este mundo tem”.
Um dos homens perguntou
se a cisma do Manico se devia a uma boiada que certa vez “estourou”...
(...)
João Manico percebeu
que os companheiros queriam que ele seguisse contando o caso da “boiada que se
espalhou pelo sertão”... Então sentenciou que todos ali já estavam cansados de
saber, pois ele já falara a respeito muitas outras vezes.
Um deles disse que não sabia... Podia jurar que nunca ouvira João Manico
contar a história e que Tote lhe dissera qualquer coisa a respeito, mas sem
entrar nos detalhes.
Foi então que perceberam que Tote não estava com o grupo... Onde ele
estaria? Um dos vaqueiros respondeu que ele estava mais adiantado, junto com o
irmão.
Tote gritou assim que ouviu o seu nome... Perguntou
o que queriam dele e garantiu que logo se juntaria a eles.
(...)
O rapaz não se juntou
ao pessoal imediatamente... Em vez disso, continuou a falar com Silvino.
Os dois falavam a respeito da intriga entre Silvino e Badú... Tote ia
dizendo que era a última vez que aconselhava o irmão a “não pensar na doideira”
que ele estava disposto a fazer.
Silvino
respondeu que não adiantava... Podia “jurar em cruz” que daquele dia não passava...
Ia mesmo sangrar o adversário.
Tote exclamou que
aquilo seria a desgraça para o irmão. Mas Silvino não se importou, respondeu
que já estava desgraçado e que a única saída era a vingança. Seu plano era
simples: depois de passar pelo córrego e chegar à “cava do matinho, no atalho”,
faria o serviço. Na sequência pegaria a estrada da Lagoa e daria o fora. Não
haveria como dar errado! O tipo vinha no burrico “sem préstimo”! Ainda por
cimo, vinha bêbado “como negro em Folia-de-Reis”!
Silvino
deixou claro que o irmão não precisava dizer que sabia de algo... Ele era homem
para assumir seus atos... Além do mais, o que podia fazer se tinha “sorte ruim”?
(...)
De repente Tote
interrompeu o Silvino... Sussurrou que havia alguém muito perto deles.
Silvino ficou
preocupado. Mas o outro o tranquilizou garantindo que o tipo não teria ouvido
nada do que conversavam.
Foi então que ele identificou Francolim... No mesmo instante perguntou-lhe
o que ele estava fazendo ali, tão “sorrateiro”... Estava “querendo ouvir a conversa
dos outros”?
Francolim adiantou-se a pedir que não o ofendessem, pois não era esse
tipo de gente... Acrescentou que só estava vendo que os dois ficaram amigos
novamente.
Tote perguntou se isso era de sua conta... Os
três pararam e então Francolim explicou que tudo ali era de sua conta porque
estava com a autoridade de representar o Major.
(...)
No
que pararam, os demais vaqueiros foram se aproximando.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_92.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto