sábado, 14 de abril de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – uma mamparra para contar mais sobre o Calundú; um ataque de “boi fumaça” ao poldro de Badú; iluminada noite no Retiro, aglomerado de vacas em proteção aos bezerros e atenção do zebu; grande onça preta nas imediações

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_14.html antes de ler esta postagem:

Raimundo estava mesmo interessado em continuar a falar sobre o Calundú...
Tanto é que sugeriu encostarem os cavalos e “trancar o gado”... A ideia era a de se acomodarem “de mamparra”, ou seja, fingiriam que estavam trabalhando normalmente em suas montarias enquanto que as ações se voltariam toda para o grupo que estava do outro lado.
Raimundo era mesmo muito experiente e os que o acompanhavam ficaram admirados com sua estratégia...
(...)
Por um tempo puderam conversar sossegadamente.
Certamente entre os que o ouviam estava Badú, Juca Bananeira e Silvino. Um deles perguntou se o Calundú havia matado alguém. Ele respondeu que depois contaria a respeito de detalhes que mais interessavam aos rapazes. Primeiro pretendia falar sobre o caso que ocorrera no Retiro.
Raimundo começou a dizer que fora ao Retiro para buscar uma vaca que havia parido na beira da lagoa... Mas aconteceu que um jacaré capturou e devorou a cria. A vaca se tornou arredia e passou a correr loucamente atrás de qualquer barulho que ouvia.
O animal pertencia à filha do Major Saulo, que deu ordens para que o vaqueiro o resgatasse o quanto antes. Mas o trabalho não foi nada fácil.
A vaca arremetia logo que se percebia vigiada! Raimundo contou que, sem sucesso em suas primeiras tentativas, teve de dormir no ranchinho perto do coqueiral.
Lembrou que aquela noite foi iluminada por grande lua que evidenciava “até passeio de pulga no chão”.
Com ele estava a cachorrinha Zeferina, que sempre o acompanhava e que era conhecida por não parar quieta. É por isso que Raimundo pensou que naquela noite ela havia decidido incomodar algum “tatu rabo-mole” nas imediações... E foi por isso que decidiu conferir.
(...)
Neste momento de sua narrativa um grande “boi fumaça” avançou para a orelha do poldro montado pelo Badú... Raimundo teve de interromper a história.
Badú, que já se mostrara excelente peão na contenda com montarias destreinadas, puxou o poldro para trás e quase caiu... Equilibrou-se o mais que pôde para não cair do lado onde a boiada seguia o curso em disparada... Cair debaixo daqueles cascos seria fatal. Mas o moço esforçou-se magistralmente e reverteu a situação. Foi assim que passou para o outro lado e voltou à sela.
Os outros o olhavam admirados... Ele disse apenas que “Foi nada” e disse que o Raimundão podia prosseguir com o causo.
(...)
É claro que os vaqueiros tinham estranhado o nome da cachorra de Raimundo... Zeferina! Então ele teve de explicar que o havia escolhido por vingança desde que sua mulher (que tinha este nome) o largara.
Voltando ao causo, disse que enquanto procurava a cadela chegou a uma baixada de pasto e logo a encontrou.
A claridade proporcionada pela grande lua permitiu que os dois avançassem na direção das vacas. De repente ele notou que havia certa agitação entre os animais.
Havia uma movimentação estranha... A cadela começou a latir e deu o que fazer para que se calasse. Foi possível notar que as vacas se juntavam e formavam um aglomerado só... Na movimentação, colocavam suas crias no meio do bolo. Elas faziam movimentos giratórios e aos poucos tornavam o aglomerado bem comprimido.
(...)
Alguém observou que pelo visto a chuva desceria o morro... E ela vinha fina, trazendo “cheiro novidade” e de terra molhada.
Mas o que aquela história toda das vacas tinha a ver com o Calundú?
Raimundo observou que o zebu era o garrote delas... Ele estava entre elas! A luz do luar fazia com que ele aparentasse uma estatura ainda maior do que tinha na realidade.
O bicho rodeava o aglomerado das vacas mantendo as costas para elas... Sua cabeça erguida indicava que estava atencioso para algo nos arredores.
O peão contou que apurou os ouvidos e escutou um miado... Era algo distante, mas ele se lembrou que uma onça preta vinha causando estragos no rebanho do fazendeiro Quilitano, “nas Lages, e no Saco-da-Grota”. A onça tinha fama e dizia-se que era colossal. Só podia ser ela!
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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