sábado, 19 de maio de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – Teoria defendeu sua continuidade na missão; o Comissário Político sustentou que a vida dos demais seria colocada em risco; Sem Medo defendeu que o professor merecia a “possibilidade”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/mayombe-de-pepetela-um-pouco-sobre-o.html antes de ler esta postagem:

O Comissário Político (um dos líderes do movimento de libertação; guerrilheiro que fazia parte do Comando das ações no Mayombe) se aproximou de Teoria. Os dois tinham o mesmo tipo físico, eram altos e magros.
O homem tratou de informar que o Comando chegara à conclusão de que o melhor era o guerrilheiro retornar à Base... Ou então poderia permanecer naquele ponto onde haviam acampado. Depois de uns três dias o grupo retornaria. Ficou claro que o professor teria a palavra final, pois ele sabia de sua condição física e sabia avaliar se tinha condições de avançar pela mata acidentada.
O Comissário assegurou que poderiam deixar um dos homens com ele. Mas Teoria repetiu o que havia dito ao Comandante Sem Medo... Disse que podia andar e que, se não prosseguisse, o grupo ficaria desfalcado de dois homens. Isso comprometeria o “plano de ação”.
O Comissário deu a entender que o desfalque talvez não representasse maiores problemas para a operação... Então o professor quis saber se lhe era permitido falar diretamente com o Comando.
(...)
O Comando era constituído pelo próprio Comissário Político, pelo Comandante Sem Medo (que liderava as ações da guerrilha em combate) e pelo Chefe de Operações.
O Comissário foi ter com os outros dois e logo fez sinal para que Teoria se aproximasse... Sua dor era das mais terríveis e foi com esforço acima das suas possibilidades que conseguiu se levantar e caminhar. A escuridão escondeu sua careta de sofrimento.
Conforme se aproximou do Comando, o professor se esforçou para dar a entender que nada sentia de mais grave nas articulações. Ao se sentar diante do Comandante teve vontade de gritar, mas sufocou o grito ao mesmo tempo em que pensou que não teria a menor chance de receber a aprovação para prosseguir com os demais.
O Comandante foi logo dizendo que todos viam que ele estava escondendo sua real condição. Depois acrescentou que não havia mal nenhum em se reconhecer impossibilitado de prosseguir. Aliás em vez de contribuir na operação, o professor se tornaria um “peso morto” para os demais.
Teoria percebeu que aquela ideia de que era ele quem “daria a palavra final” não estava sacramentada. 
(...)
Evidentemente as palavras do Comandante angustiaram o professor, que respondeu que só ele mesmo podia saber de sua real condição. Insistiu que podia prosseguir, pois não havia quebrado nenhum osso e, além disso, o esfolamento não era dos mais graves. O joelho não estava infeccionado e não infeccionaria!
O Comissário alertou que se se deparassem com o inimigo e tivessem de se movimentar com rapidez, Teoria não conseguiria correr. No mesmo instante o professor perguntou se queriam que ele corresse ali mesmo para provar o contrário. O Comissário voltou à carga e sentenciou que era contra a participação do rapaz. E nem adiantava ele continuar insistindo!
(...)
O Chefe de Operações estava acomodado numa lona... Ouvia a conversa e observava as sombras do arvoredo. Ao mesmo tempo em que previa que em breve cairia chuva, pensava no aconchego da casa situada em Dolisie (Congo), onde poderia estar com a mulher.
O Comandante Sem Medo argumentou que a razão estava com o Comissário Político. Mas acrescentou que entendia a postura do guerrilheiro Teoria.  Era por isso que considerou que, já que o camarada entendia que tinha condições de prosseguir, então ele mesmo não lhe faria nenhuma oposição.
É claro que se fosse para tomar a decisão levando-se em consideração apenas as ponderações objetivas teria de negar a permanência do professor na operação. Então o Comissário quis saber que tipo de “avaliação subjetiva” o comandante estava a fazer.
Sem Medo disse que, subjetivamente, entendia que há situações em que o “homem precisa sofrer”. Isso era de cada um, mas normalmente o sujeito espera sofrer para “ultrapassar o sofrimento”. Isso não tinha uma explicação razoável... Às vezes nem há grandes razões para tal procedimento, e normalmente o que se sacrifica sequer pode se explicar.
No entendimento do Comandante, Teoria sabia os motivos de sua insistência. Mas ele não podia ou não queria explicá-la.
Por fim deu razão para o professor.
(...)
O Comissário Político voltou a insistir que o caso era que estavam numa operação de guerra. Aquilo definitivamente não era um passeio! Só mesmo em passeios pode-se agir “contra a razão”. Como estavam numa guerra, não se podia permitir atos de irracionalidade, pois dessa maneira colocava-se em risco a vida dos demais.
O Comandante falou que não era o caso. Garantiu que Teoria arriscava somente a própria vida... Ademais podia-se apostar que, no caso da necessidade de terem de bater em retirada, Teoria correria como campeão.
Depois acrescentou que o próprio enfermeiro avaliara a contusão como “não grave”, apenas dolorosa e, ainda por cima, logo a dor aguda cessaria. Então, por que não dar a possibilidade ao camarada?
O Comissário ouviu as considerações sem entender qual era a “possibilidade” que o Comandante pretendia garantir ao homem ferido.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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