sexta-feira, 18 de maio de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – um pouco sobre o autor; atuação no Movimento Popular de Libertação de Angola e guerrilha no Mayombe; início do capítulo I, joelho inchado de Teoria; da mestiçagem e da insegurança do professor nas relações pessoais

Pepetela é pseudônimo do escritor angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos.
O autor escreveu “Mayombe” no início da década de 1970, época em que atuava como guerrilheiro do Movimento Popular de Libertação de Angola.
O romance tem como contexto a guerrilha articulada no país contra a exploração colonial dos portugueses.
O Mayombe é uma vasta região localizada na África ocidental. Sua vasta floresta é rica em espécies animais e vegetais.
Além de Angola, o Mayombe atinge parte do Congo e do Gabão.


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Logo no começo de “A Missão”, capítulo I de “Mayombe”, vemos que o grupo de dezesseis guerrilheiros vinha percorrendo a floresta a alguns dias. O guerrilheiro Teoria (cujo codinome se devia ao fato de ser professor “na vida civil”) havia escorregado numa das pedras do rio Lombe e estava com o joelho muito comprometido.
O Comandante orientou Teoria a retornar à Base. Sem Medo (este era o codinome do comandante) explicou que outro guerrilheiro poderia acompanhá-lo. Mas no mesmo instante o professor fez uma careta e manifestou que dessa forma o grupamento ficaria desfalcado de dois homens. Sendo assim restariam apenas quatorze para as ações planejadas.
O rapaz não deixava de ter razão, mas Sem Medo havia notado que sua lesão não era tão simples e por isso entendia que o esforço traria complicações a todos. Foi a contragosto que ordenou o avanço.
Como não podia deixar de ser, Teoria seguiu com dificuldade e na retaguarda do grupo. Atrás dele ia um dos camaradas. O Comandante continuou preocupado e de vez em quando se aproximava para ver como ele estava se sentindo. O professor se esforçava para mostrar que podia continuar, mas seu sorriso era forçado e ele não conseguia disfarçar seu sofrimento.
A certa altura o Comandante deu ordem para montarem acampamento. Boa parte dos homens se engajou na busca de lenha... Enquanto o Comando se reuniu, Pangu-A-Kitina, que também servia de enfermeiro, tratou de fazer um curativo no joelho inchado de Teoria. Pangu-A-Kitina viu que era só com muito esforço que o professor conseguiria avançar.
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Jantaram arroz e corned-beef enlatado.
A noite sempre caía muito cedo no Mayombe, e por volta das seis da tarde tudo se escureceu na densa floresta.
Logo os homens silenciaram e tudo o que se pôde ver eram as velhas e gigantescas árvores e os grossos cipós alumiados pelo clarão das fogueiras.
O trecho destaca que “só o fumo podia libertar-se do Mayombe e subir, por entre as folhas e as lianas (cipós), dispersando-se rapidamente no alto, como água precipitada por cascata estreita que se espalha num lago”.
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O texto de Pepetela segue fácil de ser entendido.
Há trechos específicos em que os personagens centrais se apresentam. Esclarecem suas origens, dramas pessoais e opiniões em relação à vivência na floresta, desencadear das ações e suas consequências.
É como se cada guerrilheiro tivesse a oportunidade de se isolar do grupo para se desabafar. Como veremos mais adiante, eles expressarão também sua visão sobre o prolongado conflito e suas divergências em relação às decisões do Comando.

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Teoria explica ao leitor que nasceu em Gabela (cidade que é sede do município de Amboim; historicamente marcada por episódios de resistências à dominação portuguesa e conhecida pela produção cafeeira).
Mestiço de mãe nativa e pai português, o professor trazia a insegurança do “inconciliável”. Sentia que não o viam nem como negro nem como branco. E isso lhe era pesado porque o cotidiano das pessoas é marcado por posições bem definidas: ou se é “sim”, ou se é “não”; ou se é “branco”, ou se é “negro”... Então ele se classificava como o “talvez”, e é por isso que trazia dentro de si a marca dos vivem inseguros em relação ao que os outros pensam.
Era angustiante saber que passara a vida entre homens que não aceitavam “combinações”... Será que era ele quem deveria assumir a condição de “sim” ou de “não”?
As pessoas que conhecera desde a infância não carregavam o estigma da indefinição... A sua vivência passada o levou a classificar os viventes em “maniqueístas” e “os outros”.
Sua experiência o credenciara a garantir que “o Mundo é geralmente maniqueísta”.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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