Os vaqueiros concordaram que a ideia de levar o menino chorão até o Curvelo não tinha sido nada boa. Uma maçada ter de aguentá-lo!
João Manico explicou que a viagem seguia estranha... Também o gado parecia resistir a se ir embora. A cada trecho havia os que se voltavam para trás e soltavam um mugido triste.
Seu Saulinho recomendava atenção dobrada porque via que os bois estavam mostrando vontade de voltar.
(...)
O
menino preto foi acomodado na garupa de João Manico... Ele garante que o
tipinho não parou de chorar. Suas costas ficaram ensopadas pelas lágrimas do garoto.
Na tentativa de se
mostrar receptivo, Manico comentou com ele que também os bois pareciam querer voltar
para a fazenda, talvez estivessem com saudade dos pastos... Então aconteceu que
o menino ainda mais chorou de tristeza.
O
garoto começou a pedir para Manico deixá-lo voltar... A todo instante o chamava
de “seu mocinho bom” e implorava. É claro que o vaqueiro sentiu pena e até
disse isso aos companheiros. Mas o que podia fazer naquela situação?
Contou que prosseguiu
calado... O pretinho continuou com seus lamentos e gemidos. Ao notar que não
adiantava suplicar, passou a chantagear com exclamações também amargas.
Ele passou a chamar o Manico de “mocinho ruim” e a
dizer que gostaria apenas de voltar ao rancho da mãe e de se sentar na “canastra
de couro” (em referência a um tipo de cesto com tiras trançadas) para vê-la a
bater o feijão no fundo do terreiro.
O menino estava
emocionado... Abraçou as costas do Manico com toda a sua força... E o vaqueiro
procurou disfarçar toda sua tristeza, principalmente porque seu rosto se encheu
de lágrimas.
(...)
Durante cinco dias
foi aquele tormento...
O menino só se lastimando e o gado triste ameaçando disparar de volta
para a fazenda. Quem podia dormir com aquela tensão toda? Os homens acendiam
fogueiras no entorno do acampamento e o percorriam com “tição de fogo na mão”
para manter os animais na obediência.
Não foi fácil... Aquela boiada não se submetia de jeito nenhum. Mas depois
que atravessaram um grande rio, os homens de Seu Saulinho ficaram mais
sossegados por acharem que o gado daria uma folga.
Também aconteceu que Zacarias (Manico explicou
que esse era o capataz) passou uma disciplina no pretinho. O homem ameaçou
cortar a sua goela se continuasse a chorar. Disse que ele se tornaria um “defuntinho
preto” e que seria amarrado nas costas de um “boi jaguanés” (uma raça de zebu).
O menino ficou mesmo
apavorado. Arregalou os olhos e interrompeu o choro no mesmo instante. “Ficou
quieto e não gemeu mais”.
(...)
João Manico explicou que o pretinho não quis se alimentar... Além disso
não respondia quando alguém lhe fazia uma pergunta ou queria “puxar conversa”.
Na
tarde daquele dia, os homens montaram acampamento num belo campo repleto de “coqueiro
buriti” e uma boa água. Mas não havia pasto fechado onde pudessem deixar o
gado. Por isso forçaram os animais a se acomodarem numa bocaina (uma passagem
estreita) e acenderam as fogueiras.
Seu Saulinho ficou
satisfeito e viu que a noite seria de descanso para os vaqueiros. Ele orientou
que bastavam Aristides e Binga para dar uma vigiada à meia-noite... Enfim
poderiam dormir mais sossegadamente.
João
Manico disse aos companheiros que já estava com o sono muito atrasado... Por
isso gostou da ordem do jovem patrão. Depois de comer feijão, sentou-se sob um
pé de pau-d’óleo e acendeu seu cigarrinho... Logo o sono tornou-se ainda mais
pesado.
O sol começava a se esconder
atrás dos campos quando o pretinho iniciou uma cantoria das mais tristes.
(...)
João Manico explicou
para os companheiros vaqueiros que eles precisavam ter ouvido... A voz do
menino era bonita e triste. De onde será que ele tirava tanta melancolia?
Aquilo contagiou a todos os que estavam no acampamento!
As
mágoas cantadas pelo pretinho foram piores do que a choradeira dos dias anteriores.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_5.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto