terça-feira, 1 de maio de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – ainda a história contada por João Manico; a tristeza irritante e contagiante do pretinho; gado rebelde; o capataz Zacarias, o “disciplinador”, cantoria melancólica no campo aprazível

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_92.html antes de ler esta postagem:

Os vaqueiros concordaram que a ideia de levar o menino chorão até o Curvelo não tinha sido nada boa. Uma maçada ter de aguentá-lo!
João Manico explicou que a viagem seguia estranha... Também o gado parecia resistir a se ir embora. A cada trecho havia os que se voltavam para trás e soltavam um mugido triste.
Seu Saulinho recomendava atenção dobrada porque via que os bois estavam mostrando vontade de voltar.
(...)
O menino preto foi acomodado na garupa de João Manico... Ele garante que o tipinho não parou de chorar. Suas costas ficaram ensopadas pelas lágrimas do garoto.
Na tentativa de se mostrar receptivo, Manico comentou com ele que também os bois pareciam querer voltar para a fazenda, talvez estivessem com saudade dos pastos... Então aconteceu que o menino ainda mais chorou de tristeza.
O garoto começou a pedir para Manico deixá-lo voltar... A todo instante o chamava de “seu mocinho bom” e implorava. É claro que o vaqueiro sentiu pena e até disse isso aos companheiros. Mas o que podia fazer naquela situação?
Contou que prosseguiu calado... O pretinho continuou com seus lamentos e gemidos. Ao notar que não adiantava suplicar, passou a chantagear com exclamações também amargas.
Ele  passou a chamar o Manico de “mocinho ruim” e a dizer que gostaria apenas de voltar ao rancho da mãe e de se sentar na “canastra de couro” (em referência a um tipo de cesto com tiras trançadas) para vê-la a bater o feijão no fundo do terreiro.
O menino estava emocionado... Abraçou as costas do Manico com toda a sua força... E o vaqueiro procurou disfarçar toda sua tristeza, principalmente porque seu rosto se encheu de lágrimas.
(...)
Durante cinco dias foi aquele tormento...
O menino só se lastimando e o gado triste ameaçando disparar de volta para a fazenda. Quem podia dormir com aquela tensão toda? Os homens acendiam fogueiras no entorno do acampamento e o percorriam com “tição de fogo na mão” para manter os animais na obediência.
Não foi fácil... Aquela boiada não se submetia de jeito nenhum. Mas depois que atravessaram um grande rio, os homens de Seu Saulinho ficaram mais sossegados por acharem que o gado daria uma folga.
Também aconteceu que Zacarias (Manico explicou que esse era o capataz) passou uma disciplina no pretinho. O homem ameaçou cortar a sua goela se continuasse a chorar. Disse que ele se tornaria um “defuntinho preto” e que seria amarrado nas costas de um “boi jaguanés” (uma raça de zebu).
O menino ficou mesmo apavorado. Arregalou os olhos e interrompeu o choro no mesmo instante. “Ficou quieto e não gemeu mais”.
(...)
João Manico explicou que o pretinho não quis se alimentar... Além disso não respondia quando alguém lhe fazia uma pergunta ou queria “puxar conversa”.
Na tarde daquele dia, os homens montaram acampamento num belo campo repleto de “coqueiro buriti” e uma boa água. Mas não havia pasto fechado onde pudessem deixar o gado. Por isso forçaram os animais a se acomodarem numa bocaina (uma passagem estreita) e acenderam as fogueiras.
Seu Saulinho ficou satisfeito e viu que a noite seria de descanso para os vaqueiros. Ele orientou que bastavam Aristides e Binga para dar uma vigiada à meia-noite... Enfim poderiam dormir mais sossegadamente.
João Manico disse aos companheiros que já estava com o sono muito atrasado... Por isso gostou da ordem do jovem patrão. Depois de comer feijão, sentou-se sob um pé de pau-d’óleo e acendeu seu cigarrinho... Logo o sono tornou-se ainda mais pesado.
O sol começava a se esconder atrás dos campos quando o pretinho iniciou uma cantoria das mais tristes.
(...)
João Manico explicou para os companheiros vaqueiros que eles precisavam ter ouvido... A voz do menino era bonita e triste. De onde será que ele tirava tanta melancolia? Aquilo contagiou a todos os que estavam no acampamento!
As mágoas cantadas pelo pretinho foram piores do que a choradeira dos dias anteriores.
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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