sábado, 12 de maio de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – o fim

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_10.html antes de ler esta postagem:

A tragédia se consumou... Vaqueiros e montarias morreram depois de terem vencido vários
obstáculos durante a travessia.
João Manico e Juca, que desistiram de avançar pelo aguaceiro, estavam vivos. Quem é que pode saber? Talvez o Manico estivesse mesmo certo quando insistiu que o canto do joão-corta-pau era mau agouro.
O Major Saulo passou a noite no arraial, sendo assim não participou da empreitada radical. Podemos imaginá-lo gordo e de riso nervoso ao lidar com as buscas dos corpos dos valorosos vaqueiros.
Mas e Francolim Ferreira, aquele que ficou encarregado de representá-lo junto aos homens no retorno para a Tampa?
(...)
No instante mesmo em que o desastre teve início, Francolim perdeu sua montaria. E estava a se afogar quando suas mãos alcançou algo que parecia ser “um objeto encordoado que se movia”.
O tal objeto não era outra coisa senão o rabo do burrico que estava pelejando para alcançar terra firme. Sete-de Ouros levava Badú agarrado ao seu pescoço e passou a arrastar também o Francolim que não largou o seu rabo.
No ponto em que estavam, o burrinho pedrês entregou-se “ao querer da correnteza”. Pouco importava se não alcançasse o ponto correto da travessia. Badú vocifera impropérios sem se dar conta de que o Francolim estava bem perto dele.
(...)
Sete-de-Ouros parecia saber o que fazia.
Não demorou e deu três pernadas que o levaram a um barranco ideal para a retirada. E foi assim que chegou à terra alagada, mas em condições de voltar a trotar. Pouco depois chegou a uma área sem nenhum aguaceiro. Firmou as pernas e disparou um “meio-coice” para despachar o vaqueiro Francolim.
(...)
Missão cumprida!
Badú, que em nenhum momento soltou a crina de Sete-de-Ouros, esparramou-se nas costas do animal e dormiu profundamente.
O burrico não parou e avançou pela estrada. Chegou à fazenda à alta noite, e sua primeira providência foi acomodar-se junto à escada da varanda, pois ali esperava que o vaqueiro apeasse.
(...)
Badú demorou-se a acordar... Quando despertou, proferiu uns palavrões e pôs-se a cantar o que chamamos de “ferra-fogo” (de acordo com o próprio texto, uma “dança velha que os negros tinham de entoar em coro, fazendo de orquestra para o baile dos senhores, no tempo da escravidão”).
Sua algazarra despertou os que dormiam no grande paiol... Alguns deles se dirigiram ao Sete-de-Ouros e retiraram o moço embriagado. O levaram a um jirau* para terminar de “curtir a bebedeira” e voltar à sobriedade.

                  * armação de madeiras entrelaçadas ou acomodadas de modo a dar forma a um estrado muitas vezes utilizado como cama dos sertanejos ou para guardar tralhas diversas.

(...)
E o Sete-de-Ouros?
É o texto original que nos responde:

                   “Folgado, Sete-de-Ouros endireitou para a coberta. Farejou o cocho. Achou milho. Comeu. Então, rebolcou-se, com as espojadelas obrigatórias, dançando de patas no ar e esfregando as costas no chão. Comeu mais. Depois procurou um lugar qualquer, e se acomodou para dormir, entre a vaca mocha e a vaca malhada, que ruminavam, quase sem bulha, na escuridão”.

Fim.

Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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