A tragédia se consumou... Vaqueiros e montarias morreram depois de terem vencido vários
obstáculos durante a travessia.
João Manico e Juca, que desistiram de avançar pelo aguaceiro, estavam vivos. Quem é que pode saber? Talvez o Manico estivesse mesmo certo quando insistiu que o canto do joão-corta-pau era mau agouro.
O Major Saulo passou a noite no arraial, sendo assim não participou da empreitada radical. Podemos imaginá-lo gordo e de riso nervoso ao lidar com as buscas dos corpos dos valorosos vaqueiros.
Mas e Francolim Ferreira, aquele que ficou encarregado de representá-lo junto aos homens no retorno para a Tampa?
(...)
No instante mesmo em
que o desastre teve início, Francolim perdeu sua montaria. E estava a se afogar
quando suas mãos alcançou algo que parecia ser “um objeto encordoado que se
movia”.
O
tal objeto não era outra coisa senão o rabo do burrico que estava pelejando
para alcançar terra firme. Sete-de Ouros levava Badú agarrado ao seu pescoço e
passou a arrastar também o Francolim que não largou o seu rabo.
No ponto em que
estavam, o burrinho pedrês entregou-se “ao querer da correnteza”. Pouco
importava se não alcançasse o ponto correto da travessia. Badú vocifera
impropérios sem se dar conta de que o Francolim estava bem perto dele.
(...)
Sete-de-Ouros parecia
saber o que fazia.
Não demorou e deu três
pernadas que o levaram a um barranco ideal para a retirada. E foi assim que
chegou à terra alagada, mas em condições de voltar a trotar. Pouco depois
chegou a uma área sem nenhum aguaceiro. Firmou as pernas e disparou um “meio-coice”
para despachar o vaqueiro Francolim.
(...)
Missão cumprida!
Badú, que em nenhum momento soltou a crina de Sete-de-Ouros, esparramou-se
nas costas do animal e dormiu profundamente.
O burrico não parou e avançou pela estrada. Chegou à fazenda à alta
noite, e sua primeira providência foi acomodar-se junto à escada da varanda,
pois ali esperava que o vaqueiro apeasse.
(...)
Badú demorou-se a acordar... Quando despertou,
proferiu uns palavrões e pôs-se a cantar o que chamamos de “ferra-fogo” (de
acordo com o próprio texto, uma “dança velha que os negros tinham de entoar em
coro, fazendo de orquestra para o baile dos senhores, no tempo da escravidão”).
Sua algazarra
despertou os que dormiam no grande paiol... Alguns deles se dirigiram ao
Sete-de-Ouros e retiraram o moço embriagado. O levaram a um jirau* para terminar
de “curtir a bebedeira” e voltar à sobriedade.
* armação de madeiras
entrelaçadas ou acomodadas de modo a dar forma a um estrado muitas vezes
utilizado como cama dos sertanejos ou para guardar tralhas diversas.
(...)
E o
Sete-de-Ouros?
É o texto original
que nos responde:
“Folgado, Sete-de-Ouros
endireitou para a coberta. Farejou o cocho. Achou milho. Comeu. Então,
rebolcou-se, com as espojadelas obrigatórias, dançando de patas no ar e
esfregando as costas no chão. Comeu mais. Depois procurou um lugar qualquer, e
se acomodou para dormir, entre a vaca mocha e a vaca malhada, que ruminavam,
quase sem bulha, na escuridão”.
Fim.
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto