Não podemos esquecer que os vaqueiros estavam retornando desde o arraial, onde haviam embarcado a boiada do Major Saulo nos vagões. Se encaminhavam para a Tampa, a fazenda do patrão.
Enquanto percorriam a escura estrada passavam o tempo ouvindo a história contada por João Manico.
Vimos que aquela longínqua noite foi cercada de mistério desde que o pretinho começou sua cantoria. Foi das mais trágicas... O gado debandou enquanto os homens estavam dormindo e na disparada pisotearam os corpos de Aristides e Octaviano.
Não havia como entender o comportamento daquele gado... E o que dizer do pretinho e sua cantiga que fazia os corações sofrerem?
(...)
Explicou que levaram
mais de uma semana para juntar o gado que se dispersou. Alguns tinham atolado
num vasto brejo... Outros despencaram de ribanceiras e tiveram os pescoços
quebrados... A maioria estava perdida nos matos sem saber como voltar para a
fazenda de origem. Uma parte da boiada foi carregada pelo rio e terminou
devorada por piranhas.
No
final das contas arrebanharam uma pequena quantidade de gado, uma “boiadinha
chocha”, uma “miséria” que bem podia ter sido largada no matagal, “todos no
sem-dono”!
É isso mesmo...
Porque nenhum dos animais estava sadio. Os bois tinham o aspecto de
estropiados, as vacas pareciam descaídas, e os bezerros tinham as canelas
esfoladas... Muitos tinham quebrado os chifres e de suas testa escorria sangue
de tantas cabeçadas que deram em troncos de árvores.
Em síntese, para o
João Manico, o negócio de Seu Saulinho tinha dado em “prejuizão”.
(...)
Os vaqueiros quiseram
saber do paradeiro do pretinho... João Manico respondeu que jamais o viram
novamente, e nem notícia dele tiveram.
Essa história que ele
contou explicava em muito os motivos de ele não gostar de serviços em
lonjuras... Preferia permanecer quieto no seu canto.
Por fim o Manico sentenciou que “quem viaja por terras estranhas, vê o
que quer e o que não quer!”
Alguns concordaram... Houve quem dissesse que aquilo era bobagem, pois
“é andando que cachorro acha osso”...
João Manico não gostou e respondeu que “cachorro
é quem quiser, e junto com a família!”. Depois acrescentou que não estava dando
conselho a ninguém...
Então o assunto se
encerrou...
(...)
Outro
notou que Zé Grande não parava de olhar para baixo... Acaso havia perdido algo?
Logo alguém sugeriu que riscassem um palito de fósforo.
Ele respondeu que
estava estranhando o chão. Juca emendou que o caminho era o certo. Zé Grande disse
para ele “desencostar”, pois sabia que estavam na trajeto correto e que precisava
era de beber mais cachaça “para ficar com mais caráter”.
(...)
A
verdade é que os cavalos estavam com dificuldade para prosseguir, pois atolavam
as patas no terreno, que mais se parecia com um pântano.
E aconteceu que o
cavalo de Benevides, que era o primeiro da fila, empacou no mesmo instante em
que se ouviu o piado de um passarinho no meio do mato... Os demais torceram os
pescoços para não se baterem.
Os homens quiseram saber... O que aconteceu para que os animais
empacassem bruscamente? Benevides respondeu que os cavalos se espantaram com o
canto do joão-corta-pau, o passarinho que assombrava feito “espírito”. Os vaqueiros
prestaram atenção e concordaram que, em meio à escuridão, o piado era mesmo
assustador.
Do
meio do grupo alguém sugeriu ao Sebastião que ele disparasse um tiro para o
ponto de onde se ouvia o pássaro.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_89.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto