domingo, 28 de dezembro de 2014

“Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick – outras considerações (algumas retomadas) sobre o livro – Parte II

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/12/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_27.html antes de ler esta postagem:

Por que iniciei este texto?
Porque gostaria de escrever um pouco mais sobre o louco mundo imaginado por PKD...
Infelizmente a vontade é maior do que a competência... Paciência também com essa parte II.
(...)
E aquela fusão com Mercer?
Esse ritual é descrito no livro, mas não faz parte do filme.
Para nós o exercício da fusão é algo bem confuso... Se considerarmos a época em que PKD escreveu o romance, somos levados a crer que sua imaginação era excêntrica... Ao pensarmos na atualidade, e nos vários jogos interativos e nos equipamentos que proporcionam “realidades virtuais”, notamos que a ideia não é de todo absurda.
(...)
O mercerismo era uma farsa? Pelo menos é o que a equipe do apresentador andy, Buster Gente Fina, conseguiu comprovar...
O velho Wilbur Mercer era o “porto seguro” para os desalentados humanos... Seus ensinamentos transmitiam a certeza de que “é preciso prosseguir”... Enquanto existimos temos de escalar a colina e sofrer os ataques dos maus... Mas não chegamos ao fim, e nem sabemos o que há no fim... A cada nova fusão, nova escalada...
É como o que ocorre com o condenado Sísifo que tem a missão de conduzir grande rocha até o alto da montanha. O cansaço o vence e a pedra sempre rola para o ponto inicial.
(...)
J.R. Isidore confiava em Mercer... Como sabemos, ele era um tipo “especial” que seguia o mercerismo fervorosamente...
Iran, a esposa de Deckard, era assídua nos exercícios junto à caixa de fusão...
Deckard, o caçador de androides, era relapso...
(...)
Podemos pensar que, por despeito, os andys quisessem “desqualificar o mercerismo” e inventaram aquela situação que foi ao ar no programa do Gente Fina.
Embora saibamos que eles realizassem de modo mais que satisfatório as tarefas que para os humanos eram delicadas e difíceis (o exemplo da cantora lírica andy, Luba Luft, é emblemático), eles não tinham como se igualar aos humanos... Não sentiam empatia e não tinham capacidade de se fundir com Mercer.
(...)
Após a apresentação “bombástica” do programa do Buster Gente Fina:
Isidore ficou muito decepcionado ao saber que o mestre era resultado da interpretação de um velho ator (Al Jarry) em estúdio de quinta categoria... Pior que isso foi constatar que aquele tipo era um beberrão...
Foi o próprio Mercer/Al Jarry que esclareceu ao cabeça de galinha que não se tratava de nenhum modelo moral que merecesse ser seguido.
Iran parece ter aceitado que todos haviam sido enganados... Mercer era uma farsa e não havia o que pudesse ser feito a esse respeito.
Vimos que Deckard incorporou Mercer na distante colina da fronteira com o Oregon... Os conselhos que recebera por ocasião do confronto final com os Nexus-6 de sua lista haviam sido de suma importância... Então ele passou a entender o mercerismo de modo diferenciado e não aceitou a tese de fraude.
Concluímos que, com Mercer, Deckard aprendeu que, mesmo sem a desejada convicção a cada passo dado, “é preciso prosseguir”... 
(...)
Dotados de unidade cerebral privilegiada, os Nexus-6 se insubordinaram, assassinaram seus senhores humanos e vieram para a Terra...
Em Androides sonham com ovelhas elétricas? notamos que, apesar de avançados tecnologicamente, os liderados por Roy Baty eram limitados (e até previsíveis) por não sentirem empatia... Dessa forma, não se importavam com a sorte de seu semelhante e se resignavam diante da própria eliminação.
Podemos adiantar que o filme de Ridley Scott apresenta-nos androides rebelados que vieram para a Terra exigir (dos engenheiros genéticos que os criaram) mais tempo de vida.
Mas ainda não é momento de tratarmos de Blade Runner por aqui. 
(...)
O Rick Deckard de Androides sonham com ovelhas elétricas? entra em depressão porque começa a sentir empatia por andys femininos... Ele reflete sobre a sua miserável condição... Vive com a esposa amargurada, de quem pouco se pode esperar... Dono de uma ovelha elétrica, sua maior ambição é conseguir dinheiro suficiente para comprar um animal verdadeiro.
Seu vizinho Barbour é o felizardo proprietário da égua Judy... A prosperidade deste causa-lhe inveja...
A oportunidade de conseguir dinheiro surge com o trabalho de substituição ao experiente Dave Holden, gravemente ferido por um andy.
A captura dos Nexus-6 não é fácil... Eles estavam muito bem organizados, possuíam o “Departamento de Polícia paralelo”, Rachael e o pessoal da Rosen para auxiliá-los e protegê-los.
É no contato com os andys dotados de habilidades extraordinárias que Deckard mergulha em reflexões sobre sua condição e também sobre a deles... Para Phil Resch, que é outro caçador de androides, não deve haver vacilações.
Deckard não queria se tornar o “policial de mãos sujas” como Iran pensava a seu respeito... Resch queria fazê-lo entender que os andys “desajustados” eram apenas “coisas nocivas” à sociedade humana e, por isso, deviam ser eliminadas.
Mas para Deckard aquelas imitações (tão parecidas com humanos) confundiam-lhe a cabeça... Também elas chegariam à condição de empatia? Complexos sistemas que eram, chegaria o momento em que sonhariam com ovelhas elétricas?
(...)
Sinceramente não estou satisfeito com o texto final dessas “outras considerações”... Penso sobre várias outras situações provocativas do texto... Sinto que não “rabiscarei” mais nenhuma linha sobre elas...
Por outro lado, é para tanto?

P.S.: Ganhei de presente outro livro de Philip K. Dick: Fluam, minhas lágrimas, Disse o Policial (também da Editora Aleph).

Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 27 de dezembro de 2014

“Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick – outras considerações (algumas retomadas) sobre o livro – Parte I

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/09/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas.html antes de ler esta postagem:

Por que iniciei este texto?
Porque gostaria de escrever um pouco mais sobre o louco mundo imaginado por PKD...
Infelizmente a vontade é maior do que a competência... Paciência.
(...)
Demorou, mas chegamos ao fim de Androides sonham com ovelhas elétricas?.
P.K. Dick tinha razão... Aqueles que conhecem o filme Blade Runner apreciam o seu livro. E o contrário também é verdadeiro.
O filme (de 1982) dirigido por Ridley Scott é considerado uma das obras primas do cinema de ficção... O pessoal dos efeitos especiais (liderados por Douglas Trumbull) caprichou tanto que nos sentimos transportados para a realidade futurista...
A trilha sonora elaborada por Vangelis se encaixa com perfeição nos cenários e situações vivenciadas pelo solitário Rick Deckard...
Por curiosidade, veja a abertura do filme de Scott... Um espetáculo!
Quem já assistiu, e revê o começo, tem dificuldade de interromper.
A leitura do texto de Dick proporciona “complementariedade” diferenciada... Pode conferir. E o contrário também é verdadeiro.
(...)
Poderíamos escrever sobre os pontos em que o filme se diferencia do apresentado no livro... Não são poucos...
Também é verdade que não são muitos os filmes feitos com a intenção de reproduzir fielmente um texto literário... Poucos resultam em satisfatórios.
Não vou discutir... Cada um pode fazer sua análise...
(...)
Em Androides sonham com ovelhas elétricas? os sobreviventes não têm esperança de que o mundo anteriormente conhecido se recupere... Apesar de possuírem vários recursos possibilitados pela engenhosidade de técnicos e cientistas, não têm como escapar da realidade do “recomeço”...
Infelizmente o recomeço não é o da “volta à natureza” (aqui faço referência à ficção de René Barjavel, Devastação – ou a Volta à Natureza, 1973) simplesmente porque a Terra se tornara inviável.
(...)
Os que sobreviveram à “Guerra Terminus” sabiam que ela havia sido causada pelos desentendimentos políticos das superpotências “armadas até os dentes”... Definitivamente, a destruição e o caos resultantes não foram obras de Deus...
E tem mais: após a devastação não apareceu nenhuma legião de anjos para dar início ao “Juízo Final”...
Tudo bem... Poderíamos pensar que o “Juízo” viria depois... Mas o certo é que, em vez disso, a Grande Poeira cheia de venenos tornou-se fenômeno permanente e itinerante... Assim, os viventes estão condenados ao “novo mundo” onde não há como garantir proteção eficiente.
(...)
Ao que tudo indica, nenhuma das religiões tradicionais sobreviveu nesse “novo mundo”... Há trechos em que vemos Deckard ou outro personagem qualquer invocando Jesus Cristo, mas isso talvez pudesse ser atribuído aos hábitos de antes da grande guerra.

A guerra trouxe o caos... Ela não gerou vencedores... Pelo contrário! A natureza foi alterada para pior... As potências beligerantes tiveram de se unir no esforço de salvar a espécie humana e o que restou dos valores de outrora.
A condição de “espécie dominante” neste mundo levou-nos à destruição do mundo e de tudo o que há de maravilhoso nele... Algo bem triste de se imaginar, porém cada vez menos improvável.
Na triste realidade engendrada por PKD vemos que as pessoas se apegam às espécies animais... Elas se consideram culpadas por terem destruído aquilo que, de alguma maneira, identificava o antigo “modo de ser” e que (aprenderam isso) tinha sido criado por Deus.
De repente as espécies animais se tornaram muito difíceis de serem obtidas. Ser proprietário de um animal, além de demonstrar sintonia com a identificação passada, passou a ser motivo de prestígio social... E isso era tão importante que a falta de animais naturais foi suprida pelas imitações elétricas.
(...)
A ONU e os governos incentivavam a emigração dos considerados “normais” para as colônias espaciais... Incentivavam também a prática da fusão com Mercer que, no mínimo, tornava as pessoas menos perturbadas com a realidade e mais afeitas à empatia.
Nem mesmo para os humanoides a atmosfera e paisagens das colônias espaciais eram sequer razoáveis... Para uma constatação mais detalhada basta relermos o trecho em que Pris conversa com Isidore (em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/11/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_13.html)...
Por isso eles se rebelam e fogem para a destruída Terra... Isso é um transtorno para os viventes... Os caçadores de recompensa têm a função de identificá-los e eliminá-los. Essa é a função a função de Rick Deckard.
(...)
As empresas que faturam com a fabricação dos andys buscam aperfeiçoá-los a cada nova série e, ao mesmo tempo em que querem evitar os incômodos que resultam em decadência para os negócios, procuram torná-los menos identificáveis pelos caçadores de recompensa.
E aquela fusão com Mercer? Também ela não pode ficar de fora desses últimos rabiscos.
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

“Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick – o fim

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/12/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_24.html antes de ler esta postagem:

Mas que constatação terrível!
O sapo era falso...
E Deckard imaginando que a sua condição existencial teria mudado completamente depois da fusão com Mercer na distante colina...
Baixou a cabeça e pegou novamente o bicho eletrônico... Mexeu nas perninhas do falso sapo e questionou como é que aquela engenhoca tinha ido parar nas proximidades do Oregon, um local desolado... Por que alguém a abandonaria naquele deserto?
Iran também ficou triste... Sentiu-se culpada por ter descoberto que o sapo não era verdadeiro... Deckard deixou claro que não tinha nenhum problema... Ele mesmo tinha interesse em saber a verdade e disse que estava feliz.
Mas na sequência emudeceu.
(...)
Iran sugeriu que Rick usasse o sintonizador de ânimo... Ele poderia se sentir melhor... Ele conhecia melhor do que ela as várias opções do Penfield...
Enquanto balançava a cabeça como que a querer se inteirar da situação, Rick garantia que ficaria bem...
Pode ser que a aranha que Mercer entregou ao cabeça de galinha também fosse artificial... Mas isso não tinha importância! As imitações elétricas também possuíam vidas...
Deckard permanecia olhando para o sapo falso enquanto concluía que as vidas das imitações elétricas eram insignificantes... Iran estava preocupada com ele... Então disse que sua aparência era a de um tipo muito esgotado.
Deckard concordou e respondeu que o dia havia sido bem longo...
Iran disse que ele precisava deitar-se e dormir... O descanso lhe faria bem... Deckard precisava ouvir de sua esposa que aquele pesadelo havia terminado... Ele perguntou-lhe isso... Ela respondeu afirmativamente.
Parece que Rick tinha necessidade de falar sobre a missão... Ele não conseguiu se desvencilhar dela enquanto não eliminasse os Baty... E depois disso, o que restaria? E ainda teve a experiência no deserto e a captura daquele falso sapo...
(...)
Deckard retomou a frase que a esposa lhe dissera na manhã anterior, sobre ele não ser “nada além de um policial com mãos sujas”... Iran quis deixar claro que não se sentia como antes, e que estava muito contente com o seu retorno...
Ela beijou-o... Ele foi tomado por revigoramento... Era bom ouvir que o seu lugar era junto dela...
Rick perguntou se ela achava que suas ações naquele dia haviam sido indevidas... E falou de Mercer, para quem ele mesmo não tinha como se esquivar das ações erradas...
Iran não achava que as ações do marido haviam sido erradas... Para ela, Mercer ensinava que há uma “maldição que se abate sobre nós”... Deckard quis saber se a Poeira era a “grande maldição”.
A mulher explicou algo confuso relacionado à “biografia” de Mercer que, aos dezesseis anos, ficou sabendo que não tinha condições de reverter o tempo e fazer com que as criaturas mortas voltassem à vida (vimos referência a isso em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/09/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_29.html)... A ele restava prosseguir sempre em frente, rumo à morte... Assassinos o perseguiam, e eram eles que atiravam as pedras em Mercer, e também em seus seguidores... O corte que Rick trazia no rosto certamente havia sido provocado por uma pedrada desferida por um desses assassinos...
(...)
Iran devotava-se totalmente ao marido... Pediu que ele fosse para a cama... Ela sintonizaria o Penfield no 670, proporcionando “longa e merecida paz”.
Deckard levantou-se... Estava atordoado após as “batalhas do dia”... Disse um “Ok” e seguiu para o quarto.
Deitou-se sobre os lençóis brancos... Os panos foram ficando sujos da poeira que se desprendia de sua pele, cabelos e roupa... Estava nocauteado... Não havia nenhuma necessidade de ligar o sintonizador de ânimo... Ele logo adormeceu...
Iran ficou velando o marido por algum tempo até certeza de que ele estava em sono profundo... Acionou um botão e as janelas tornaram-se opacas.
(...)
A mulher retornou à cozinha... O sapo elétrico fazia os seus movimentos na caixa... Ela consultou a lista vidfônica e ligou para uma loja de acessórios para animais elétricos... Disse à atendente que queria que lhe enviasse “meio quilo de moscas artificiais que realmente voam e zumbem”.
A vendedora quis detalhes... Perguntou se o animal que desejava alimentar era uma tartaruga elétrica e seguiu sugerindo várias opções... Além de uma “poça perpetuamente renovável”... Havia também um “kit com areia, seixos multicoloridos e detritos orgânicos”... É claro que dependia muito do tipo de sapo que o cliente possui em casa... A loja possuía departamento capaz de ajustar a língua do bicho artificial... É claro que esse serviço era essencial para que ele mantivesse “seu ciclo de alimentação regular”.
Iran aprovou o que ouviu e emendou que queria que tudo funcionasse perfeitamente no sapo, pois o seu marido era muito apegado a ele.
Informou o endereço... Desligou o aparelho... Preparou uma xícara de café... Dessa vez para ela mesma.
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Sabiá Laranjeira – família em dias de “natal”

Deckard e os demais humanos de Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? fariam de tudo para vivenciar empatia por essas pequenas aves.




Enquanto o nosso mundo ainda não chegou à terrível condição imaginada por Philip K. Dick, contemplemos o que resta de belo e harmonioso.

Feliz Natal;
Feliz 2015.

Um abraço,
Prof.Gilberto

“Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick – só mesmo o “olhar de Mercer” poderia torná-lo capaz de enxergar uma “realidade invisível”; retornar, descansar, iniciar uma nova vida; isso é possível?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/12/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_23.html antes de ler esta postagem:

Bem podia ser que, a partir de sua última fusão com Mercer (na deserta colina da região do Oregon), o olhar de Deckard se tivesse tornado especial... Quer dizer, Mercer é quem enxergava por ele tudo o que para os humanos era imperceptível...
Deckard entendia que só o olhar da entidade espiritual poderia perceber vida nas entranhas de uma terra morta, contaminada e desfigurada...
Doravante seria assim? Ele estaria dotado de capacidades que só Mercer poderia conceder-lhe?
(...)
O sapo era enorme... Com as patas traseiras havia cavado uma saliência onde se depositara... Estava com os olhos velados, como que morto... Rick pensou sobre como é que poderia botar ovos ou mesmo conseguir água por ali...
Com muito jeito, agarrou o animal pelas costas... O bicho começou a se movimentar tentando escapar a qualquer custo... Mas já era tarde... Não demorou e Deckard o depositou no fundo da caixa, que foi bem amarrada e depositada no fundo da mala do hovercar...
(...)
Aos poucos o estado de ânimo de Deckard melhorou... Uma vontade tremenda de retornar para casa o invadiu... Ele até pensou em vidfonar para Iran, mas achou melhor fazer-lhe uma surpresa.
Cerca de mil e duzentos quilômetros o separavam de São Francisco, mas esse percurso ele faria em pouco mais de meia hora...
Não mais pensava sobre sua miserável condição... Em vez disso, vislumbrava uma nova condição... Ele e a esposa poderiam proteger aquele sapo... Nenhuma androide amputaria suas pernas, como fizeram com a aranha do cabeça de galinha.
(...)
A intranquilidade dominava Iran... Ela não sabia onde o marido estava e nem se retornaria ou não para casa...
Sentou-se junto ao “sintetizador de ânimo Penfield” e passou a consultar o manual... Talvez precisasse recorrer a ele... Dependendo de sua escolha, se sentiria mais relaxada e até com vontade de assistir televisão... Pensou nas várias opções e o que ocorreria se Rick estivesse ali... Talvez ele sugerisse o “canal 3 ou o 888”.
(...)
As vacilações de Iran terminaram quando bateram à porta... Só podia ser Rick, e é por isso que ela levantou-se imediatamente para recebê-lo.
Deckard estava bem desfigurado... Não havia como não notar o corte em seu rosto... Cabelos e mãos estavam empoeirados... Trazia olhos espantados como os de uma criança que se diverte rolando na terra, pulando e correndo até o último instante do dia... Sua roupa estava imunda e amassada...
É óbvio que Iran tornou-se aliviada ao revê-lo e foi manifestando o seu contentamento... Deckard protegia a caixa debaixo do braço e respondeu que trazia algo ali.
A mulher disse que prepararia um café... Deckard sentou-se sem deixar a caixa de lado... Iran nunca o vira com aquela expressão... De fato, naquela caixa devia estar a resposta para tudo o que ele devia ter vivenciado desde que tinham se despedido na última madrugada (após descobrirem que Rachael havia matado sua vailosa cabra nubiana).
Deckard anunciou que tiraria o dia de folga... Havia acertado isso com Bryant... Estava ali para isso... Tomou a caneca e bebeu do café.
Iran não podia conter a curiosidade e perguntou sobre o que a caixa segredava... Ele disse que era o sapo e, com muito cuidado, pôs-se a abri-la... A mulher espantou-se ao ver o bicho... Achou-o feio demais... Ela perguntou se ele era perigoso, então Rick explicou que sapos não têm dentes e que ela poderia segurá-lo.
(...)
Iran fez várias perguntas para que pudesse entender e lidar satisfatoriamente com aquele animal... Mas eles não estavam extintos? Sapos são bem diferentes de rãs, pois não saltam e nem são ágeis como elas... Além disso, não necessitam tanto de viver à beira da água... Aquele foi encontrado em pleno deserto!
A mulher manipulou o bicho... De repente verificou que na barriga havia uma saliência...
Era um compartimento eletrônico...
Click... Abriu-a com um dedo...
Uma “imitação de sapo”, aquilo era.
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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