terça-feira, 31 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Salim Engelsdorff, judeu da Polônia, caixeiro viajante conhecido como Turco; o comerciante sugere a Miro que se estabeleça na longínqua Marilândia

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É claro que Miro falou sobre a aventura que viveu em sua retirada da cidade de São Paulo (logo após a invasão policial a seu quarto na hospedaria de Sinhá Clotilde) ao Tião, Bento e Luvercy enquanto conversaram na noite após o combate nas proximidades de Queluz.
Vimos que ele viajou de trem a Campinas e de lá tomou outra composição em direção à divisa do estado de São Paulo com Minas Gerais... Se a primeira parte da viagem foi tranquila, já que adormeceu e só despertou no momento do desembarque, o prosseguimento teve início perturbador porque o tipo que estava no banco posicionado de frente ao seu não parava de encará-lo... Miro suspeitou que se tratasse de um tira...
(...)
Porém o homem surpreendeu ao se apresentar com um sorriso no rosto... Ele era um mascate (caixeiro viajante) chamado Salim Engelsdorff... Miro apresentou-se como enfermeiro, então Salim foi logo o chamando de doutor... Disse que já fazia vinte anos que viajava pelo país e sabia que as pessoas chamavam de doutor qualquer um que ajudasse a curar os males do físico, desde dores de barriga até as doenças venéreas...
Miro já nem se lembrava de que estava fugindo e deu muita risada do relato do Salim... Notou o seu sotaque e percebeu que o nome Engelsdorff (algo como “aldeia dos anjos”, numa tradução livre) era alemão...
Mas Salim o corrigiu e afirmou que se tratava de um judeu polonês... Seus clientes insistiam em chamá-lo de Turco, mas ele nem se importava mais porque sua intenção era apenas a de que permanecessem seus fregueses.
Salim quis saber para onde é que o doutor Teodomiro estava viajando... Miro disse que não tinha destino certo, e explicou que buscava alguma pequena cidade interiorana onde pudesse se estabelecer profissionalmente... Talvez em algum hospital ou posto de saúde... Salim deu o seu palpite e falou que, se era assim, Miro ficaria desempregado porque as cidades do interior eram muito carentes de tudo, principalmente de hospitais ou ambulatórios médicos.
Evidentemente as palavras de Salim deixaram Miro bem angustiado... Sobretudo porque sabia que carregava bem pouco dinheiro, simplesmente o que lhe restava da mesada de sua madrinha e do pagamento recebido pelos trabalhos dos acadêmicos de Direito. Pensou sobre isso e temeu que sua expressão pudesse denunciar o seu segredo... Decidiu dizer que não sabia quando poderia retornar para a capital, onde “as coisas” estavam meio complicadas para ele.
Salim demonstrou que compreendia a situação do Miro... Emendou que também em sua terra, naquele momento, ninguém podia alimentar expectativas a respeito do futuro...
(...)
Nós sabemos a que tipo de incertezas o Salim se referia.
Miro suspeitou que também a vida do caixeiro tivesse suas atribulações... Há vinte anos no Brasil... Só podia viver em fuga... Certamente sofrera perseguições em sua Varsóvia.
(...)
Eles não conversaram sobre isso... Nenhum dos dois tinha interesse de falar a respeito de suas particularidades.
Logo chegaram a Marilândia Paulista (cidade fictícia criada por Faustino), de onde seria possível conseguir novos embarques para outras localidades em Minas Gerais ou no estado de Mato Grosso.
Salim sugeriu que o doutor Teodomiro ficasse algum tempo em Marilândia... Bem podia ser que conseguisse algo... O que poderia fazer numa cidadezinha de menos de cinco mil habitantes, distante de tudo?
Para Salim era aí que as possibilidades podiam aparecer... Exatamente por não ter nada é que o lugar era bom para ele, que trazia mercadorias da cidade grande... Quem sabe o doutor não se estabeleceria como o primeiro médico do lugar?
O comissário do trem passou pelo corredor gritando que todos os passageiros deveriam descer... E anunciou o entroncamento para baldeações para o norte e o noroeste.
(...)
Salim solicitou que o novo amigo o ajudasse no transporte de sua bagagem (quatro malas e um baú!)... Ele explicou que, como sempre viajava com muita tralha, não podia se furtar a fazer novos conhecidos...
Na estação Miro se demonstrou vacilante... Mas Salim o animou e mostrou que um chofer que estava com seu veículo estacionado próximo a estação poderia levá-los até a Hospedaria Paraíso, onde ele poderia banhar-se, tomar uma boa sopa preparada pela dona Margarida e descansar.
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Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Miro se torna “doutor Miro”; seu aposento na pensão de Sinhá Clotilde sofre invasão da polícia política; fuga de trem e o temor de ser capturado

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O Miro era mesmo um monarquista...
Tão logo deixou a casa de sua protetora e madrinha, dona Berenice, fez questão de levar uma folha de jornal que estampava uma imagem de José do Patrocínio ajoelhado diante da princesa Isabel, de quem humildemente beijava a mão... Saber que o tio-avô se curvava perante a Princesa Redentora o enchia de orgulho.
A imagem passou a ter lugar de destaque na parede do quarto de pensão da Sinhá Clotilde, localizada na Rua do Triumpho... Mas isso foi por pouco tempo...
É que Miro se revoltou ao saber que o tio-avô se declarou republicano depois da Abolição...
(...)
Faustino explica que Patrocínio havia criado a Guarda Negra, formada por capoeiristas para defender a família real, mas se disse arrependido ao saber que entre seus componentes existiam alguns que se dedicavam a práticas criminosas.
(...)
Aconteceu que Miro não conseguiu ingressar na Faculdade de Direito... Não foi admitido para lecionar e tampouco o aceitaram como funcionário em algum escritório.
Sua saída foi se tornar enfermeiro na Santa Casa de Misericórdia onde, apesar de não dedicar-se plenamente à profissão (pois se envolvia com afinco na produção textual para os periódicos antirrepublicanos), passou a ser chamado de doutor Miro Patrocínio.
Ele tomou tanto gosto pelo novo tratamento que recebia que passou a usar o “doutor Miro Patrocínio” (em vez de Hermann K) nas assinaturas de seus textos cada vez mais radicais... E olha que ele não poupava nenhum republicano, fossem eles da época da República Velha ou da fase pós-1930! Oligarcas e rebeldes tenentistas eram colocados no mesmo caldeirão.
Sua ferocidade antirrepublicana rendeu-lhe a perseguição da polícia política do governo Vargas... O quarto que ele ocupava na pensão de Sinhá Clotilde foi invadido... Os agentes deduziram que a marca na parede indicando que algo foi retirado só podia se tratar de material subversivo, talvez uma relação dos contatos de outros rebeldes...
(...)
Ao retornar para a pensão, ficou sabendo que estavam em seu encalço... Então teve tempo apenas de pegar algumas peças extremamente necessárias (seu livro de cabeceira, uma caixa de primeiros socorros e dinheiro).
Tendo se tornado um perseguido pela polícia política, Miro não teve alternativa ao não ser fugir... Mas para onde iria? Não tinha a menor ideia...
Caminhou e direção à Estação da Luz de modo discreto, e sempre que podia parava em alguns becos para observar o movimento... Sua sensação era a de que estava sendo perseguido de perto, então se afastou o máximo que pôde dos postes de iluminação.
(...)
A fila para a aquisição de bilhetes parecia não ter fim. Além disso, ele se sentia como se o espionassem... Haveria algum policial ali?
A moça da bilheteria quis saber para onde ele pretendia viajar... Ele perguntou sobre o destino do trem que partiria imediatamente... O trem tinha como destino a cidade de Campinas, mas de lá ele poderia prosseguir em outras composições para as partes mais remotas do país.
As demais pessoas da fila esboçavam descontentamento pela demora, então ele decidiu comprar a passagem.
Seu apavoramento só diminuiu quando se viu acomodado no vagão... Estava muito cansado... O trem deu o apito anunciando a partida e logo Miro se entregou ao sono. Só foi despertado após o comissário anunciar aos berros que já estavam em Campinas.
(...)
Miro decidiu comprar nova passagem com destino à divisa com o estado de Minas Gerais. Entrou no vagão de segunda classe, onde restava apenas um assento que estava voltado para outro banco.
O rapaz se acomodou, mas ao observar o tipo que estava à sua frente seus pensamentos se encheram de preocupações.
O homem não parava de olhar para ele... Os seus trajes (boné de lã com abas que cobriam as orelhas e terno azul sob longa capa escura), espessos bigodes e óculos com grossas lentes também chamaram a atenção de Miro.
Infelizmente tudo indicava que ele havia sido seguido e a polícia política estava prestes a prendê-lo.
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Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 30 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – preconceito e conservadorismo no seio da “brava gente bandeirante”; Miro e os trabalhos para os acadêmicos de Direito e para jornais antirrepublicanos; interessado pela formação e rejeitado pelo Conselho; convicções a respeito da família real

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Depois da recordação sobre a chegada de Bento à Legião, o velho Tião volta o seu pensamento à grandeza e imponência da cidade de São Paulo...
Ao tempo da Revolução de 1932 não havia como esconder que o interior do estado era muito mais rico do que a capital... Mesmo assim as manifestações preconceituosas em relação aos que viviam afastados da grande metrópole eram comuns.
“Muitos só se sentem alguém se transformarem os outros em ninguém”... O velho fazia essas reflexões e revisitava as ideias depreciativas que os “da capital” tinham em relação aos “do interior”... Eles diziam que os caipiras não sabiam o que fazer com o dinheiro que tinham, e que era na capital que a cultura se desenvolvia...
Dizia-se que os paulistanos queriam que seu estado se separasse do Brasil na época da Revolução... Depois que o conflito se encerrou, negaram que isso fosse verdade. Mas para o velho Tião não havia como esconder... Pelo menos por parte da elite, o separatismo sempre esteve em pauta.
(...)
Miro nem era de São Paulo, mas ele se comportava como paulistano “da gema”... Dona Berenice soube como doutriná-lo de tal forma que ele “adquiriu todos os hábitos de um típico paulistano”.
Com Neo, o amigo de todas as ocasiões, Miro frequentou os melhores cafés e muitos outros ambientes sempre trajando ternos, camisas, gravatas e sapatos feitos sob medida pelos profissionais que atendiam aos mais ricos da cidade...
O tempo em que desejou se tornar arquiteto ficou para trás... Aos poucos começou a se interessar por Direito, pois percebeu que na condição de promotor, juiz ou desembargador poderia contribuir muito mais socialmente.
De fato, ele adorava as leis e os direitos que elas garantem às pessoas.
(...)
Foi no antigo Ponto Chic (Faustino informa que a casa foi fundada por Odílio Cecchini, italiano que pertencia à diretoria da Sociedade Esportiva Palestra Itália), que existia desde 1922 no Largo do Paissandu, que Miro conheceu boêmios, intelectuais e estudantes de Direito do Largo São Francisco...
A estudantada que frequentava o lugar estava mais interessada nas “francesas de Madame Fifi” e em outras diversões... Os trabalhos que os professores cobravam, as Leis que deviam estudar e os intermináveis livros que deviam ler eram-lhes maçada.
Aos poucos os acadêmicos perceberam que Miro era um mulato que se identificava com tudo o que eles mais abominavam, sobretudo os livros (não só em português) e as dissertações e monografias solicitadas pelos mestres.
O fato é que as coisas se acertaram... Miro precisava arranjar alguma ocupação que lhe rendesse dinheiro, já que a madrinha estava envelhecida e sua mesada era pouco mais que alguns trocados... Aqueles “bons moços”, filhos de ricas famílias do país inteiro, passaram a pagar-lhe pelos trabalhos que não davam conta.
Para Miro, o “reforço orçamentário” era prazeroso... Ele curtia mesmo aqueles estudos... Além de tudo, os trabalhos permitiam-lhe aprimorar o conhecimento de outras línguas, como inglês, francês e italiano.
A cada trabalho realizado, Miro percebia que tinha tudo para se dar muito bem no curso... Porém, apesar das várias tentativas, o Conselho Acadêmico jamais o admitiu...
(...)
Ele também jamais admitiu que a recusa dos mestres tivesse alguma coisa a ver com preconceito. A explicação talvez estivesse em suas posições políticas... Miro se declarava monarquista e antirrepublicano.
Aliás, ele já colaborava com pequenos jornais antirrepublicanos, para os quais escrevia textos ácidos sob o pseudônimo “Hermann K”. Os leitores admiravam a erudição do autor, que tinham por um filósofo alemão...
Miro era monarquista convicto... E sua convicção aumentava quanto mais ele estudava e se tornava intelectual e erudito... Não aceitava a República e as “teorias políticas e econômicas” de seu tempo. Era com sinceridade que acreditava que Pedro II havia sido o “grande pai” dos brasileiros, um líder martirizado pelos golpistas republicanos...
Para ele, a princesa Isabel era uma santa. E avaliava como justo o reconhecimento da Igreja Católica ao lhe conferir a “rosa papal”.
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Prof.Gilberto

domingo, 29 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Bento “não andou na linha” com a sua Madalena; o tenente negro Arlindo Ribeiro, auxiliar do major Gastão Goulart; contradições e bajulações da “imprensa bandeirante”Bento apareceu no alojamento da Legião Negra... Foi uma surpresa para o Tião.

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Bento apareceu no alojamento da Legião Negra... Foi uma surpresa para o Tião.
As suas palavras revelam um pouco das expectativas que os vários alistados tinham em relação à mobilização em torno do conflito contra Vargas...
Os jornais e radialistas da época incentivavam e elogiavam o engajamento dos negros na nobre causa... Lutar por São Paulo seria o mesmo que defender um Brasil grandioso e, no caso dos negros, fazer valer a sua condição de herdeiros do brio de personalidades dignas como Patrocínio, Rebouças, Gama...
Bento esperava algum alívio (roupas lavadas, comida, botas resistentes...)... Mas Tião deixou claro que os soldos não eram grande coisa... Além disso, os melhores suprimentos eram sempre encaminhados para os brancos... Os alistados na Legião pareciam ser a “bucha de canhão”.
Mas os dois jovens sabiam bem que as lideranças negras não deviam nada aos oficiais da “brava gente bandeirante”... Eles conheciam bem a ética e a correção de homens como Raul Joviano do Amaral e de outros que estiveram no comando da Frente Negra.
(...)
Bento dizia que qualquer coisa seria melhor do que “carregar carga pesada nas costas ou na cabeça; encher ou esvaziar vagões de banana, café cimento, quartos de boi, areia”... Porém Tião sabia que o amigo gostava mesmo era da boa vida... Então, se Bento pretendia moleza era melhor ir “tirando o cavalinho da chuva”... Aliás, enquanto pudesse contar com a devoção da preta Madalena, não teria motivos para se desesperar... Era só “andar na linha”.
(...)
Bento contou para Tião o que havia lhe sucedido... Aconteceu que ele deixou Madalena muito chateada.
Ela trabalhava na casa do doutor Edmond, esposa de dona Risoleta. Sua dedicação e competência rendiam-lhe o apreço dos patrões... Mas eles não podiam saber que ela sempre dava um jeito de separar uma marmita com a boa comida da casa para o seu querido Bento (que não deixava de aparecer junto ao muro da residência, onde recolhia o embrulho)...
Madalena sabia da vida malandra do namorado, mas mesmo correndo o risco de perder o emprego não o abandonava, e ainda sempre dava um jeito de guardar algum dinheirinho para entregar-lhe.
A grande confusão em que Bento se meteu foi se envolver com uma jovem branca de olhos verdes, Judite, tão fogosa quanto suas namoradas negras... O problema é que ele não sabia que Judite era irmã de criação de Madalena, que evidentemente ficou sabendo de sua traição.
Madalena não é de suportar desaforos, e é por isso que decidiu “ir às vias de fato” com Bento... Ele disse que num belo dia, quando chegou para pegar a sua marmitinha, Madalena o recebeu com um facão de cozinha pronta para castrá-lo... E como não desconfiar das intenções da outra, se ela realmente atirou a lâmina em sua direção?
Tião riu a valer... Bento também... Mas aquele primeiro encontro na Legião tinha de terminar porque o toque do clarim chamou a tropa para se posicionar para a revista do comandante...
(...)
O tenente Arlindo Ribeiro deu as orientações para o grupamento...
O velho Tião se recorda desse militar negro... A Força Pública não aceitava negros em seus quadros, então foi através do Corpo de Bombeiros que ele chegou a uma posição de destaque.
(...)
É interessante observar que a Frente Negra havia solicitado a Vargas que possibilitasse a abertura de vagas na Guarda Civil aos “homens de cor”... Porém, como Faustino explica, “o interventor Pedro de Toledo enviou carta secreta para o comandante da Força Pública ordenando que não aceitasse em seus quadros nem pretos nem mendigos”.
É por isso que quando a Legião Negra foi formada não havia militares negros que pudessem comandá-la... O major Gastão Goulart requisitou Arlindo Ribeiro do Corpo de Bombeiros para que se tornasse seu assistente.
Faustino destaca trecho de A Gazeta que cita Ribeiro como uma das vítimas do governo (só pode ser uma referência ao governo Vargas) que São Paulo gloriosamente acudiu, é o ídolo dos negros. Militar disciplinado e disciplinador, impõe-se aos seus comandados...
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Prof.Gilberto

sexta-feira, 27 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Bento tinha muitas namoradas; Tião e suas fugas para tirar a sesta; motivações de Bento para ingressar na Legião Negra

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O Mão Grande (Tião) se destacava mesmo era no carteado...
Tião sempre se mostrava seguro de si mesmo com seus truques que ninguém conseguia decifrar...
Mas não se pode dizer que a jogatina fosse sempre tranquila... É que nem todos aceitavam perder para ele e acabavam apelando para a violência. Seu sorriso irritava os perdedores, que achavam que deviam resolver suas diferenças na navalha...
O longo lenço de seda que carregava num dos bolsos do paletó era providencial nos momentos em que tinha de se defender dos golpes de lâminas... Também nessas ocasiões, Tião demonstrava muita agilidade.
Apesar dos tumultos envolvendo brigões, eram raras as ocasiões em que alguém saía com ferimento mais grave... Normalmente o pessoal conseguia apartar os que entravam em brigas e tudo acabava bem.
(...)
Tião era folgazão... Bento era ainda mais.
Ao menos o Mão Grande estava sempre atento à chegada dos trens para arranjar algum bico... Apenas eventualmente Bento se dedicava ao batente... Ele tinha várias namoradas e de algumas conseguia as roupas e sapatos elegantes que exibia.
Quem eram as namoradas do Bento?
O tipo era um “boa pinta”... As empregadas domésticas das mansões de Higienópolis eram caidinhas por ele. Madalena era a “oficial”, que sempre dava um jeito de arranjar uma marmita para o seu almoço... Ela nem podia desconfiar que ele tivesse algum caso, pois certamente o agrediria fisicamente... Mas Bento tinha tantas namoradas que Tião não conseguia entender como o amigo conseguia driblá-las...
Também Degolin, “o engraxate cego de um olho”, admirava o modo de ser de Bento... O infeliz lamentava que para ele só sobravam as que tinham contas para pagar e as que queriam engravidar e formar família.
(...)
Depois, na Chácara do Carvalho, Tião sempre dava um jeito de disputar um carteado com os companheiros... E também não demorou a encontrar um jeito de tirar o seu cochilo após o almoço longe dos olhares superiores... E olha que ele fazia isso no próprio alojamento...
Tião não abria mão da sesta mesmo sabendo que os demais dedicavam o seu tempo à desmontagem das armas, limpeza e montagem, e ainda na realização de exercícios extenuantes que poderiam “lhes salvar a vida no campo de batalha”.
Sua retirada para o alojamento era sempre muito cuidadosa... Depois da refeição, ele se escondia atrás do bebedouro dos cavalos e se esgueirava pelo fundo de um barracão e por vários sacos de areia... Ninguém notava.
Tião sequer tirava as botas e afundava-se na cama... Ele até conseguia mergulhar num sono profundo por alguns preciosos instantes...
Numa ocasião despertou após forte barulho na porta que se escancarou... Um tipo seguiu firme em sua direção a passos largos... Tião se apavorou e ficou muito atrapalhado, pois não conseguiu despertar totalmente... O outro atirou uma pesada mochila em sua direção.
A surpresa foi a risada que o recém-chegado soltou... E o tipo foi chamando Tião de “Mano Velho”, garantindo que “ele também havia se alistado”, e emendando que as “glórias, medalhas e mamata da Legião Negra” não eram exclusividade dele.
Ninguém menos do que Bento... Quem diria?
Ele se justificou dizendo que também tinha interesse na “moleza” (cama, comida, roupa lavada, botas resistentes...)... E isso sem mencionar o soldo, que não era grande coisa, mas dava para o gasto...
É claro que Tião ficou feliz ao rever o amigo, mas foi alertando que a qualidade de tudo o que Bento elogiava ali era suspeita... Mas Bento insistiu e garantiu que tirava a guerra “de letra”.
Tião quis mostrar que, para o pessoal da Legião, só chegavam suprimentos ruins (biscoitos duros, cigarros “mata-ratos”...)... Os dois deram boas risadas e o Mão Grande continuou a explicar que havia ouvido o tenente Joviano protestando que “as coisas boas” eram encaminhadas para os batalhões de brancos, que era o verdadeiro “Exército Constitucionalista”... A Legião era a “bucha de canhão”.
(...)
Bento conhecia o tenente Raul Joviano do Amaral... O conhecia como chefe de segurança da Frente Negra. Relatou que houve várias ocasiões em que Joviano o colocou para correr de bailes e outros eventos sociais onde só aparecia para conquistar alguma garota.
Bento concluiu que “os pretos da Frente Negra não pedem pinico para os brancos”.
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Prof.Gilberto

quinta-feira, 26 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – tenente Veríssimo Glória e a banda da Legião Negra; fragmentos de “A Gazeta” sobre a Legião Negra; versos das cantigas das rodas de tiririca; Bento, o Rei da Tiririca

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Tião se divertia mesmo com a fantasia que criou ao receber um registro com “identificação nobre” no ato de sua inscrição na Legião Negra... Lá na Chácara do Carvalho ele não se cansava de repetir a sua história... Mas no fundo tinha certeza de suas verdadeiras origens e dos ambientes que podia frequentar.
À sombra de uma vasta seringueira, o recruta Tião folheava as páginas de A Gazeta... Ao longe podia ouvir os acordes da Banda da Legião Negra, ensaiada pelo maestro tenente Veríssimo Glória. Sobre este personagem histórico, Faustino destaca a sua habilidade com vários instrumentos, sua dedicação à música e à causa da Legião Negra... Tanto é que “foi um dos primeiros a atender o chamado de São Paulo”.
(...)
Tião folheava A Gazeta...
Faustino expõe um fragmento importante, pois os trechos são um recorte significativo da repercussão que os periódicos davam à iniciativa da Legião Negra:

Os homens de cor e a causa sagrada do Brasil
          (...) Também os negros de todos os Estados, que vivem em São Paulo, patriotas, fortes e confiantes na grandeza do ideal, sob a direção do doutor Joaquim Guaraná Sant’ Anna, tenente Arlindo, do Corpo de Bombeiros, tenente Ivo e outros, uniram-se formando batalhões que, adestrados no manejo das armas e na disciplina, vão levar nas trincheiras externas, desprendidos e leais, a sua bravura, conscientes de que se batem pela grandeza do Brasil, que seus irmãos de raça: Rebouças, Patrocínio, Gama e outros muitos, tanto dignificaram.
          (...) Os nossos irmãos de cor, cujos ancestrais ajudaram a formar este Brasil grandioso, seguem cheios de fé, ao nosso lado, ao lado de todos os brasileiros que levantaram alto a bandeira do ideal da constitucionalização, para a cruzada cívica, sagrada, da união de todos os Estados, sob o lábaro sacrossanto da pátria estremecida.

Tião sabia bem que os autores de textos como aquele não tinham a menor ideia de quem eram os alistados nem quais eram as suas reais motivações... Soltou uma risada e pensou no Largo da Banana...
Sim, aquele era o seu habitat e ali era considerado por todos... Apesar de ser um malandro típico, não se recusava a labutar no descarregamento dos trens que chegavam ao pátio da Barra Funda com “bananas, café e outras mercadorias”... Também se mostrava disposto a transportar cargas para o interior dos vagões...
Tião e seus amigos não recebiam grande coisa pelos bicos no Largo da Banana, aliás, pode-se dizer que era nos jogos (como o de palitinhos, também conhecido como “porrinha”, os dados, cartas e a tiririca) que acabavam faturando mais...
Faturavam e ainda se divertiam.
Já foi evidenciado aqui que o Tião era mesmo muito bom nesses jogos. Por causa de sua sorte nas cartas era conhecido como “Mão Grande”... Destacava-se também na tiririca.
(...)
Faustino evidencia uns versos cantados pelo pessoal que fazia a roda da tiririca: Mourão, mourão/ Vara madura que não cai/ Mourão, mourão, mourão/ Catuca por baixo que ele vai.
Esses versos foram eternizados pelo “general da Banda”, o Blecaute (Otávio Henrique de Oliveira) que os tornou conhecido num grande sucesso carnavalesco.
(...)
Um dos grandes amigos de Tião era o Bento, que sempre se aproximava das rodas elegantemente trajado (paletó branco, sapatos caros e impecavelmente lustrados...). Era ele chegar para o jogo e logo começava a cantoria: Oi, emberé, oi emberá! Balança que pesa oro não pode pesá metá...
Bento aparecia, a cantoria começava... Ele tirava o paletó e o deixava com um dos meninos que estava por perto... Iniciava o espetáculo dando ligeiras pernadas que faziam os que estavam na roda se estatelarem no chão... Depois pegava o dinheiro recolhido para as apostas e recolocava o paletó... Atirava uma moeda ao garoto...
Bento sim era conhecido como “o Rei da Tiririca”.
Mais sobre o Bento na próxima postagem.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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