sexta-feira, 30 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – a carta seguirá adiante; tempo de ligar para a mãe; conversa sobre os afazeres, “compromissos misteriosos” e a relação com Maria

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Tertuliano decidiu que ligaria mais uma vez ao primeiro número de telefone que havia coletado da lista... Se ninguém o atendesse, definitivamente a carta seria enviada sem maiores traumas.
Fez a chamada e aguardou até o último toque... Ninguém atendeu...
Isso significava que, enfim, podia iniciar o período que ele pretendia “de descanso”... Aproveitaria o domingo para assear-se e vestir-se de modo mais adequado.
Não eram horas para o almoço... Podia descer à rua e comprar um jornal... Depois teria tempo para preparar as aulas da segunda-feira... O livro sobre as civilizações mesopotâmicas também o aguardava...
De repente lembrou-se do sonho em que via um tipo que levava grande pedra às costas e dizia em alta voz que era um amorreu... Será que não era o código de Hamurabi?
Esse tipo de sonho é daqueles que cabem bem aos historiadores...
(...)
De fato, uma coisa tem mesmo a ver com a outra... O sonho levou-o a pensar no livro... Na pedra do sonho podia estar inscrito o código...
De modo inesperado, ao trazer o código às reflexões, Tertuliano lembrou-se de dona Carolina, sua mãe, e do muito tempo que passava sem telefonar para ela...
A senhora era muito simples... Vivia no interior... Obviamente sentia falta do filho, e era por considerá-lo muito ocupado que não o incomodava... Entendia que a leitura do rapaz rendia assuntos “para além de sua compreensão”...
Que não se pense com isso que a mãe de Tertuliano fosse iletrada... Ela tinha formação escolar e estudara História na sua época de Ensino Fundamental. Mas acrescente-se que nunca entendera muito bem como é que História seja “matéria” a ser ensinada. O enredo ensinado pela professora não seria fruto de sua imaginação? Os próprios livros podiam ser um apanhado geral das imaginações de seu autor!
Os romances estavam cheios dessas coisas... Era esse o gênero de leitura predileto da mãe de Tertuliano.
(...)
Já fazia um tempo que dona Carolina vinha se perguntando quando é que o filho telefonaria...
E nesse domingo foi isso mesmo o que aconteceu... O aparelho tocou e num instante estava a falar com o Tertuliano... Após os cumprimentos “do costume”, a senhora quis saber a quantas andavam os trabalhos na escola... O filho professor respondeu que tudo estava normal e que as atividades eram as de sempre (exercícios, chamadas, reuniões...)... Informou que em menos de um mês a visitaria, já que teria mais umas duas semanas de dias letivos e outra de exames...
Tertuliano adiantou que não poderia ficar mais de três ou quatro dias porque tinha coisas a resolver na cidade... Teria de dar umas voltas... A mãe quis saber... Que voltas seriam aquelas? As férias existiam para que a pessoa possa descansar do trabalho! Obviamente a escola permaneceria fechada!
O filho professor de História disse em tom tranquilizador que teria tempo de descansar... Mas não podia deixar de resolver alguns assuntos importantes...
A mãe logo quis saber se tais compromissos eram sérios... O rapaz respondeu que achava que sim... Mas essa resposta não convenceu... Tanto é que dona Carolina pôs-se a dizer que não os percebia, já que ou são sérios mesmo ou não são... Não é uma questão de “achar”...
É claro... Aquela foi apenas uma maneira de Tertuliano dizer... Todavia a mulher insistiu ao perguntar se os assuntos diziam respeito àquela amiga chamada Maria.
Ele disse que “até certo ponto”... Então a mãe o comparou a determinada personagem de um romance que estava lendo... Emendou que sempre que lhe faziam uma pergunta, respondia com outra...
Ele observou que a única pergunta que fizera até aquele momento foi sobre como a mãe estava passando... Ela explicou que era a primeira vez que seu filho se mostrava tão misterioso...
Tertuliano pediu para ela não se zangar... Ela sustentou ainda que era a primeira vez que ele sairia de férias sem tempo para permanecer ao seu lado...
Sabendo que a mãe havia ficado chateada, Tertuliano disse que depois lhe falaria tudo... Dona Cecília perguntou se tinha algo a ver com uma viagem... Ele esbravejou com mais essa, e respondeu que se fosse o caso teria lhe dito.
Ela queria saber o que Maria da Paz tinha a ver com a sua decisão de retornar depois de poucos dias... Tertuliano deu a entender que havia exagerado ao incluir o nome da namorada... Não estaria pensando em se casar novamente?
Ele garantiu que não... Mas que ideia!
Dona Carolina observou que talvez fosse bom pensar no assunto. Além do mais ele tinha de considerar que não era certo “empatar” a vida da outra... A este respeito Tertuliano quis deixar claro que nunca havia prometido casar-se com Maria.
Mas será que ele não conhecia as mulheres? Dona Carolina explicou que o tempo de namoro já devia ter alimentado em Maria promessas “não ditas”!
Tertuliano respondeu que conhecia as mulheres de seu tempo e não as da época de sua mãe. Ele concordou que conhecia pouco mesmo... Casara-se, divorciara-se... A mãe se intrometeu ao citar o caso com Maria... Tertuliano deu a entender que a relação com ela também “não contava muito”.
(...)
É claro... Na concepção da mãe ele estava sendo cruel com a garota...
Falaram um pouco sobre o “sentido solene” da palavra cruel... Ele observou que não sabia que dona Carolina tivesse “dotes de psicóloga”... Ela havia dito que certas formas de crueldade se disfarçam na indiferença e na indolência... E completou que jamais lera artigos de Psicologia, mas sabia interpretar as pessoas.
Despediram-se...
Tertuliano prometeu que conversariam melhor quando se encontrassem...
Dona Carolina pediu que não a fizesse esperar muito...
Ele garantiu que “de uma maneira ou outra neste mundo tudo acaba por se resolver”.
A mãe emendou que às vezes o pior ocorre... Então solicitou que se cuidasse.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

terça-feira, 27 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – a carta e a insólita solicitação; refletindo sobre como receberiam a mensagem; imitando a assinatura de Maria; ainda resta o primeiro número de telefone; entre a ansiedade do desfecho e a necessidade de repouso

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Ao despertar, Tertuliano percebeu-se cansado... Teve dificuldades para se levantar e, embora estivesse com fome, sentia a boca seca como se tivesse feito uma refeição salgada demais.
Tomou água e entendeu que não tinha apetite para ingerir nada sólido... Vestiu o roupão, rumou para a sala e aproximou-se da carta. Sem dúvida o documento dera muito trabalho. Observou o cesto repleto de papéis desprezados após revisões...
O texto final não se baseava num mero pedido de fotografia autografada... O escritório da produtora poderia ou não encaminhar alguns dados sobre o ator desde que se sensibilizasse com o estudo que a remetente desenvolvia.
Em meio às frases, ele cuidara de insinuar que (Maria) precisava saber em que parte da cidade o artista secundário residia... Isso tinha a ver com sua pesquisa a respeito de atores secundários que mereciam o reconhecimento de sua importância para o desenvolvimento dos filmes...
Num dos trechos do final, o texto salientava que assim como os grandes rios dependem da contribuição das águas dos riachos, as grandes produções cinematográficas deviam muito à colaboração desses atores.
(...)
Tertuliano refletiu...
Podia ocorrer de a empresa não pensar da mesma forma e considerar que esses artistas menores sempre geravam custos que deviam ser evitados. E isso sempre ocorreria se eles fossem mantidos como “inferiores”...
Podia-se imaginar o Santa-Clara reivindicando aumento salarial depois de ler a carta! Se assim fosse, talvez o escritório a eliminasse.
E o que poderia ser feito se outros tantos atores secundários se empolgassem com a situação e resolvessem se somar ao “cópia viva” de Tertuliano em seu protesto?
(...)
O próprio Saramago esclarece que o episódio classista que poderia representar um “cataclismo para a indústria do cinema” não ocorreria... Pelo menos ele não tinha ideia de escrever a respeito de um movimento social dessa natureza!
Imaginemos mais uma vez... O funcionário responsável pela leitura das cartas se espantaria com o trecho alusivo à importância dos secundários; comunicaria o evento ao seu chefe imediato; este trataria com o superior... Evidentemente este providenciaria o necessário para que o gérmen depositado naquelas linhas (de autoria de uma mulher de nome Maria da Paz; é bom que se lembre) crescesse.
O que fariam com a carta? Podia ser que atendessem ao pedido da fotografia autografada... Já o insólito pedido de informações a respeito do endereço do artista provavelmente seria motivo de reuniões, e quase certamente decidiriam ignorá-lo... Talvez a carta inteira fosse ignorada! Talvez a eliminassem no fogo colocando um fim na história que só podia ser engendrada por uma mulher mentalmente atormentada.
Finalmente... Os tipos da produtora prosseguiriam em suas conjecturas... Alguém poderia garantir que essa Maria da Paz jamais encontrasse o Daniel Santa-Clara no futuro? Ora, isso poderia ocorrer! Conversariam e poderia acontecer de aquelas ideias sobre o seu estudo não despertar nele o menor interesse...
Não há dúvida que essa possibilidade diminuiria os dramas de consciência no caso de eliminarem a carta.
(...)
Depois de mais uma vez aprovar o texto que seria encaminhado à produtora de filmes, Tertuliano abriu uma carta que Maria da Paz lhe escrevera há algum tempo... Fez isso para copiar a assinatura dela... Se levarmos em consideração as reflexões anteriores, e a possibilidade de colocarem fogo ao papel, esse exercício seria um capricho dispensável. Mas é verdade que ela mesma havia sugerido o esforço para tornar a assinatura mais parecida com a dela.
(...)
Dobrou a carta e a colocou no envelope... Selou...
Era domingo e o máximo que podia fazer era depositá-la no “marco postal” mais próximo de seu apartamento... Evidentemente o carro dos correios só passaria no dia seguinte. Pelo menos se livraria de uma vez da carta que resultara do plano de investigação sobre o tipo que era a sua “viva duplicidade”...
Vemos Tertuliano ansioso por ”virar a página”... Ele já não suportava nem mesmo notar as várias caixas de fitas que estavam no chão. Tudo o que pretendera com aqueles filmes havia conseguido... Não interessava mais saber em quais filmes o Santa-Clara atuaria, se com bigode ou de rosto escanhoado... Não havia mais quebra-cabeças nem necessidade de listas com nomes a serem eliminados.
Pensava sobre essas coisas quando mais uma vez se lembrou do primeiro número de telefone para o qual ligara sem que ninguém o atendesse... Precisava tentar mais uma vez... E se o próprio ator o atendesse? A carta poderia ser lançada ao cesto de papéis como os demais rascunhos...
Por outro lado, o envio da carta podia proporcionar-lhe um tempo... Ele precisava descansar... Se houvesse algum retorno da produtora, isso não ocorreria em menos de uma semana... Talvez se distraísse assistindo ao “Quem Porfia Mata Caça”...
Por que não?
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

domingo, 25 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – dificuldades para colocar fim ao relacionamento com Maria; sem arrependimentos por envolvê-la na trama; escrevendo a carta à produtora de filmes; sonhos confusos, fragmentos dos últimos dias

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Depois de finalizar a conversa com a da Paz, Tertuliano sequer conseguia pensar nos motivos que tinha para festejar a conquista de seu intento... Desgastara-se tanto que transpirava copiosamente... Em seu íntimo sabia que tinha acabado de sair de um debate, e que Maria mais uma vez fora vencedora.
A parte que o interessava (a outra autorizou o envio de carta à produtora em seu nome) foi obtida a custa de vários recuos que pareciam táticas para sufocá-lo aos poucos... Por vários momentos ele imaginou que estivesse “encurralando Maria da Paz”, mas conforme conversaram percebeu que era ele quem ficava cada vez mais cercado e sem argumentos.
Tertuliano se sentia aliviado após o fim da conversa com Maria da Paz... Mas ele sabia que o relacionamento se tornava ainda mais insuportável. O que esperar das próximas ocasiões?
(...)
Definitivamente estava perdendo o controle... Desde que a conhecera procurou mantê-la à distância em relação à sua vida particular. Depois de seis meses chegava o momento da separação, mas nada podia fazer nesse sentido porque se viu na necessidade de pedir o seu auxílio no imbróglio que só a ele pertencia.
Ele sabia que o Senso Comum apareceria para jogar-lhe na cara que suas iniciativas eram as de um aproveitador... Já tinha uma resposta pronta também para isso... Poderia fazer diferente? Que culpa tinha se soubera que vivia a inusitada condição de duplicado? Teria de “inventar” procedimentos que o levasse a uma explicação...
A ideia da carta foi providencial... Não podia se culpar pelo fato de “abusar da confiança” de Maria... Ela o amava... Havia quem fizesse coisas muito piores e nem por isso eram execrados publicamente.
(...)
Não podia perder tempo com essas ilações... Por isso colocou uma folha na máquina de escrever e pôs-se a pensar.
Pelo menos sabia que devia elaborar um “texto de admiradora”... Não podia exagerar em bajulações porque o ator não era nenhum astro reconhecido pela crítica especializada... Pediria uma fotografia autografada... Talvez o nome verdadeiro do tipo nem fosse Daniel Santa-Clara! O mais importante era obter o telefone, talvez seu endereço...Isso era ousado...
Mas era preciso tentar.
O que poderia ocorrer? Talvez a produtora respondesse às perguntas da fã... Talvez enviasse carta lamentando o fato de não poder fornecer as informações solicitadas... Também podia ocorrer de encaminhar a carta diretamente ao seu destinatário.
Essa última possibilidade foi a que Tertuliano menos considerou... Se a produtora assim agisse era porque não levava em consideração a vida já sobrecarregada de seus atores... Era bem provável que o próprio escritório cuidasse desses casos... Fotografias previamente autografadas deviam estar à disposição para esse tipo de eventualidade.
(...)
A elaboração da carta não foi nada fácil...
Mais de uma hora se passou desde que a máquina foi acionada... Provavelmente a vizinha do andar de cima tivesse se incomodado com o barulho...
Num determinado momento o telefone tocou... Mas Tertuliano estava tão concentrado no que fazia que sequer deu atenção ao aparelho.
(...)
A noite de sono não foi das mais tranquilas... Os sonhos que chegaram o deixaram perturbado...
Num deles, a reunião do conselho estava esvaziada porque os docentes não compareceram... De repente surgiu um corredor sem saída... Depois se viu tentando colocar uma fita de vídeo no aparelho que a enjeitava... Numa sala de cinema o projetor exibia a mais pura escuridão... Também uma lista telefônica apareceu em suas mãos e a página que estava aberta exibia apenas um nome de cima até embaixo, mas ele não conseguia ler...
Noutro fragmento de sonho, recebia na porta de casa uma caixa contendo um peixe... Também apareceu um tipo que carregava uma pedra nas costas e anunciava que era um amorreu.
Depois de acordar lembrou-se mais ou menos dos sonhos.
Pensou que aquele da caixa que chegava à porta de sua casa não trazia um tamboril... Não podia ser porque a caixa não era das grandes.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 24 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – nenhuma coisa é simples e não nascemos céticos; de “falsear” e “falsificar”; da necessidade que temos de “novos” termos para explicarmos certas sensações e juízos

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A reação de Maria da Paz não podia ser diferente...
Além de estranhar a proposta, alegou sua falta de condição de discorrer a respeito da temática. Um absurdo! Recusou-se no mesmo instante.
Tertuliano explicou-se melhor... Disse que na verdade ele mesmo escreveria a carta. Só que em nome dela e com as informações sobre o seu endereço.
Ainda sem entender o propósito, Maria o provocou dizendo que a iniciativa protegeria a dignidade do professor... Tertuliano respondeu que ela não precisava usar de ironia, era só entender que se tratava de “uma questão de escrúpulo”.
Ele insistiu que a outra precisava confiar mais nele... Ela bem sabia que era amada por ele... Maria disse que quando o ouvia dizer que a amava era levada a considerar a afirmação, mas não escondeu que depois tinha de se perguntar se era mesmo verdade.
Tertuliano não titubeou... No mesmo instante disse que ela podia crer... Era verdade!
(...)
Maria questionou se, ao telefonar-lhe, o namorado pretendia falar-lhe sobre seus sentimentos em relação a ela... Ou se havia sido para convencê-la a respeito da carta.
O professor argumentou que a ideia de falar-lhe a respeito da carta surgiu no meio da conversa... Tudo bem... Não podia esconder que já havia pensado sobre a proposta.
A moça deu-se por convencida... Falou que Tertuliano podia escrever a carta... Tertuliano agradeceu e manifestou que confiava nela... Sabia que aceitaria porque era uma coisa muito simples.
Isso ela não pôde deixar passar em branco... Emendou ao seu querido que a vida ensinara-lhe que “nenhuma coisa é simples”... Às vezes até pode parecer, mas são nessas ocasiões que mais tendemos a duvidar.
Era muito ceticismo... Tertuliano insistiu que não havia motivo para isso... Maria respondeu que ninguém nasce cético... Mas esse diálogo não teve prosseguimento, pois ele colocou ponto final sentenciando que, já que ela concordara, escreveria a carta.
Ela ainda quis saber se teria de assiná-la. O professor explicou que inventaria uma assinatura... Maria deu a dica para que, ao menos, fizesse um rabisco mais ou menos parecido com o da sua caligrafia...
(...)
Certo... Tertuliano conseguiu o que queria... Disse que se “esforçaria” na imitação dos traços... Maria soltou mais uma ironia ao advertir que “quando se começa a falsear nunca se sabe aonde chegará”.
Ele entendeu e a corrigiu. Manifestou que, em vez de “falsear”, ela pretendia dizer “falsificar”.
Ainda havia ironia nas palavras de Maria... Ela agradeceu a retificação e sustentou que talvez pretendesse utilizar uma palavra que concentrava os dois sentidos... O professor respondeu que não encontrava palavra que reúne em si “o falsear e o falsificar”.
Mas não era estranho? Maria argumentou que se o ato existe, deveria haver uma palavra que pudesse expressá-lo.
Tertuliano, sempre com uma resposta pronta na ponta da língua, disse que as palavras que utilizamos e as que ainda necessitaremos estão contidas nos dicionários... A moça redarguiu insistindo que os vários dicionários juntos não apresentam sequer a “metade dos termos de que precisaríamos para nos entendermos uns aos outros”.
Ele quis um exemplo... Maria falou sobre a experiência daquele momento específico... Disse que não encontrava palavra que pudesse expressar o que estava sentindo a respeito dele e dela mesma.
Tertuliano interferiu salientando que esperava que os sentimentos da namorada não fossem maus... Ela o sossegou ao garantir que havia “de tudo” em seu sentimento, mas não teria como explicar.
(...)
O rapaz disse que voltariam a falar sobre o tema num outro dia...
Maria entendeu que a sentença encerrava a conversa... De modo algum! Tertuliano disse isso, e garantiu que ao propor a continuação da conversa noutra ocasião não estava colocando fim à conversa... O sentido de suas palavras não era esse!
A moça pediu desculpas... O moço acabou “admitindo” que era melhor desligarem... Destacou que o diálogo estava um pouco tenso, pois cada frase que proferiam carregava “faíscas”.
Maria disse que não teve essa intenção... Tertuliano disse o mesmo... Os dois entenderam que simplesmente aconteceu de a conversa encaminhar-se daquela forma...
Ele quis finalizar dizendo que era momento de desejarem-se boas-noites e sonhos felizes... Voltariam a conversar, ela podia ter certeza...
Ela disse que ele podia ligar quando quisesse...
Assim seria... Tertuliano garantiu isso e arrematou com um “Gosto de ti”.
Maria da Paz respondeu que ele já havia dito antes.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_35.html
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – por telefone; avaliando o último encontro; contraditória falta de tempo; justificando a necessidade de enviar uma carta à produtora; proposta inusitada

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Se a mãe de Maria da Paz atendesse à chamada telefônica, Tertuliano teria de improvisar algumas palavras que não resultassem em antipatia por parte da velha...
Durante os seis meses de relacionamento, as vezes que ele se dispusera a telefonar para a namorada haviam sido bem poucas...
Era provável que a mulher nem soubesse que a filha tinha um caso... O rapaz sentia que, se ela o conhecesse, a reprovação seria inequívoca.
Enquanto não atendiam, ficou a imaginar o que diria à senhora... Era um amigo... Ela podia dizer à Maria que Máximo estava ao telefone...
(...)
Felizmente a própria Maria atendeu.
Ela se demonstrou surpresa ao afirmar que pensava que ele não a procuraria... Tertuliano respondeu que o engano estava desfeito. A moça se explicou dizendo que ele guardou silêncio durante boa parte do tempo em que estiveram juntos, e isso só podia significar que o que se sucedera aos dois não havia sido tão significativo para ele como o havia sido para ela.
O rapaz queria encurtar a análise... Disse que a significância do que haviam vivenciado era a mesma para ambos. Maria prosseguiu problematizando a respeito do quanto cada um valorizava a relação... Depois o namorado comentou que não existiam “instrumentos” para submetê-los à análise.
Importava saber se ele ainda gostava dela... E foi isso o que ela perguntou... Tertuliano respondeu afirmativamente... Maria protestou garantindo que ele não “expressava com muito entusiasmo” seus sentimentos por ela.
Este tema prosseguiu ainda por breve tempo... Em síntese, podemos dizer que a moça reclamava que ele apenas repetia suas palavras... De sua parte, Tertuliano manifestava que não via nenhum problema nisso, pois se as palavras serviam para que ela expressasse sua estima por ele, deviam servir também para ele...
Maria referiu-se às leituras de romances e ficções... Argumentou que poderiam se entender melhor se ele tivesse esses gêneros em seu repertório. Ele sustentou que nem mesmo para as suas leituras obrigatórias (como aquela sobre as civilizações mesopotâmicas) sobrava-lhe tempo.
Ela comentou que, de fato, viu o referido livro sobre a mesa de cabeceira... Mas será que andava tão ocupado mesmo? Ela não podia crer... Tertuliano garantiu que se ela conhecesse sua vida não teria esse tipo de dúvida...
Maria aproveitou a deixa para emendar que a questão se resumia a ele permitir a sua participação. Tertuliano observou que falava de sua vida profissional... Ela avaliou que seu problema em relação à falta de tempo podia ser explicado a partir do estudo a que se propusera e que demandava a avaliação de tantos filmes...
(...)
Não foi para isso que Tertuliano ligou para Maria... Ele percebeu que a conversa tomava um rumo que não lhe interessava... Todavia notou também que havia chegado o momento para envolvê-la na história da carta.
Não tinha como esconder que não era do tipo sentimental, que se dedica a rememorar dos bons momentos com a pessoa amada... No entanto sabia que teria de falar com cuidado para que a outra não ficasse a pensar que sua única intenção ao telefonar-lhe era a de tirar proveito e obter sua colaboração.
(...)
Ele resolveu dizer que o negócio com os filmes não era bem como ela estava pensando... E como não? Maria argumentou que estranhara muito tê-lo visto todo desalinhado e rodeado de fitas cassetes... Conhecia apenas o Tertuliano ajuizado!
Foi a deixa que ele estava precisando... Disse que havia sido pego em casa num “momento à vontade”... Mas “já que ela estava tocando no assunto”, podia falar-lhe a respeito de uma ideia que teve para facilitar e apressar sua pesquisa.
Maria antecipou-se a dizer que não gostaria de assistir aos filmes... Isso seria um castigo!
Tertuliano a tranquilizou... Revelou que uma carta à produtora “pedindo-lhes um conjunto de dados concretos, relacionados, em especial, com a rede de distribuição, a localização das salas de exibição e o número de espectadores por filme” o ajudaria a tirar conclusões importantes.
Maria estranhou em quê tudo aquilo ajudaria com os “sinais ideológicos”... Ele respondeu que ainda precisava descobrir, no entanto havia outro problema que era a inconveniência de ele mesmo redigir a carta.
Mas isso não era problema! Foi o que Maria garantiu... Ele poderia ir pessoalmente à produtora... Certamente “ficariam lisonjeados” por verem seus filmes despertar tanto interesse em um professor de História!
Tertuliano explicou que não pretendia misturar sua “qualificação científica e profissional” com uma temática que dizia respeito a especialidades outras.
É claro que essa era uma desculpa esfarrapada que não explicava os fundamentos de seus temores.
Como aquele problema seria resolvido? Maria quis saber!
Ele respondeu que ela poderia escrever a carta.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – descartando a ideia de comparecer pessoalmente ao escritório da produtora; ideia da “carta insuspeita”; novas advertências do Senso Comum; combustível para a “máquina trituradora”

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Ao deitar-se, Tertuliano lembrou-se da visita que Maria da Paz lhe havia feito na parte da manhã... Pensou que um telefonema antes de dormir seria atitude de cavalheiro... Não é porque a relação estava por acabar que se esqueceria do papel que tipos como ele tinham de cumprir.
Mas não foi assim que procedeu... É que seus pensamentos o conduziram novamente à figura de Daniel Santa-Clara, a “sua obsessiva preocupação dos últimos dias”.
(...)
Refletiu sobre os próximos passos que deveria dar... Certamente não poderia aparecer no escritório da produtora... Imaginou-se chegando ao local e perguntando pelo ator ao mesmo tempo em que os responsáveis pela recepção achariam graça ao entenderem que o próprio Santa-Clara estivesse pregando-lhes uma peça... Também podia acontecer de considerarem que a atitude passava dos limites do mau gosto.
Viu-se de barba e bigode postiços numa tentativa desesperada de evitar qualquer reconhecimento... Calculou que, não sendo daqueles que podiam contar constantemente com a sorte, seus adereços lhe escapariam do rosto bem no instante em que solicitasse as informações.
Considerou as situações e entendeu que uma carta seria a alternativa mais segura... Poderia escrever à produtora, solicitar informações que desejava sem revelar nome e endereço verdadeiros.
Pode-se dizer que essas conjecturas ocorreram-lhe de fragmentariamente e só aos poucos foi dando certa ordem às possibilidades. A que entendeu como viável envolvia a pobre Maria da Paz.
(...)
O Senso Comum apareceu para, mais uma vez, chamar-lhe a atenção... De modo algum concordava com a ideia... Como é que aquilo podia ser levado a sério?
Tertuliano respondeu que além de ser a única ideia, era também a melhor. O Senso Comum explicou que, no mínimo, era vergonhoso escrever a carta subscrevendo nome e endereço de Maria da Paz.
O professor garantiu que a moça não se importaria... E como não? Senso Comum quis saber, já que nada havia dito a ela.
Tertuliano explicou que tinha suas razões... Podia-se dizer o que bem entendesse a respeito delas... “Presunção de macho” ou que mais se quisesse... Ele mesmo tinha a consciência de que não podia ser chamado de “sedutor”... Não se tratava de um “conquistador”. Sabia que se tratava, antes disso, de alguém que se rende às conquistas...
O Senso Comum quis saber o que ele diria à Maria da Paz para convencê-la a assinar uma carta solicitando informações sobre um ator... Tertuliano explicou que não lhe diria nada disso... Falaria apenas que o texto dizia respeito ao estudo que estava fazendo... Aquele sobre os “sinais ideológicos”... Como o seu interlocutor invisível sabia bem qual era o estudo, não se via obrigado a falar novamente as mesmas coisas.
(...)
Mas será que o rapaz achava que a moça estava totalmente à sua disposição? O Senso Comum sentenciou que ele devia saber que não era assim... Tertuliano disse que seria apenas um favor. Ele bem sabia que no ponto em que estavam na relação não podia garantir que a outra aceitasse seus embustes.
O problema é que, em sua opinião, ele mesmo não poderia assinar a carta... O Senso Comum perguntou sobre a alternativa de usar um nome falso. De toda forma, redarguiu Tertuliano, o destinatário teria de ser autêntico.
Na sequência, Senso Comum deu a entender que o rapaz devia acabar de vez com aquela “história de duplicados”... O professor lamentou... Ele tinha a consciência de que o caso era mais forte do que podia suportar.
O invisível deu a entender que aquilo podia resultar em dramático para Tertuliano... Ele podia se lamentar o quanto fosse, mas tinha de assumir que era o único responsável pela situação...
O Senso Comum disse que aquele enredo parecia anunciar uma “máquina trituradora” que se dirigia em sua direção depois de ter sido acionada por ele mesmo. 
(...)
Tertuliano não disse nada mais...
Em silêncio rumou para o telefone... Dessa maneira a conversa se encerrou.
Colocaria sua ideia em prática... Por isso registrou o número da casa de Maria da Paz.
Provavelmente sua chamada seria atendida pela mãe da moça.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – telefonando para as casas de “Santa-Clara”; há outra pessoa procurando o ator; finalizando o sábado

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-um.html antes de ler esta postagem:

O professor de História resolveu ligar para os três números que a lista telefônica apontava como pertencentes a assinantes de nome Santa-Clara.
A ideia de prosseguir a investigação tornou o seu resto de fim-de-semana bem mais interessante.
(...)
Ligou para o primeiro número... Ninguém atendeu... A residência não possuía um “atendedor eletrônico de chamadas”, então nesse caso não havia o que fazer.
A chamada para o segundo número foi atendida por uma mulher... Tertuliano disse que gostaria de falar com Daniel Santa-Clara... Mentiu ao justificar a ligação garantindo que lhe indicaram que o tipo era morador da residência... A mulher respondeu que só podia ser um equívoco... Nenhum Daniel jamais morara na casa e nem mesmo em sua família havia alguém com o mesmo nome.
A mulher se expressava com certa irritação... Completou dizendo que, além de não conhecer o dito cujo, também não tinha a menor ideia de quem estava a falar-lhe... Tertuliano quis apresentar-se, mas ela disse que era desnecessário, pois não tinha o menor interesse de saber.
Ele agradeceu... Na sequência ligou para o terceiro número.
Dessa vez foi atendido por um homem que foi logo perguntando quem estava a ligar... Tertuliano disse um nome qualquer... Sem volteios, o outro quis saber o que desejavam com ele... O professor explicou e no mesmo instante ouviu no mesmo instante que não havia ninguém chamado Daniel Santa-Clara.
Tertuliano não se sentiu à vontade para emendar outras perguntas... Seu interlocutor era do tipo que não permitia delongas... Nem por isso pode se dizer que se tratasse de um mal educado com os que se equivocam ao fazer uso do telefone.
Inesperadamente, o tipo falou que há poucos dias telefonaram fazendo a mesma pergunta... Certamente havia sido outra pessoa... Tertuliano garantiu que não havia sido ele... Do outro lado da linha o interlocutor concordou, pois tinha “bom ouvido para distinguir vozes”. Todavia acrescentou que lhe pareceu, no telefonema anterior, num momento da conversa, certo esforço por disfarçar o tom de voz.
Tertuliano agradeceu e se despediu.
(...)
Acomodado na escrivaninha, Tertuliano olhou os números para os quais havia telefonado... Pensou a respeito da revelação que o último tipo lhe passara... Se, de fato, mais alguém estava à procura de Daniel Santa-Clara, era bem possível que este devia ter telefonado para os dois números anteriores...
Pode ser que, ao ligar para o primeiro número, o outro que estava à procura do ator obtivesse resposta... Também podia acontecer de a mulher do segundo telefonema ter atendido o mesmo tipo de chamada e, por ser menos tolerante aos equívocos dos que telefonam, não tenha se visto na obrigação de comentar a respeito na ocasião em que atendera à sua chamada.
(...)
Mas então... Quem estaria, como ele, à procura de Daniel Santa-Clara?
Essa era uma questão que podia provocar grande perturbação... Deu-se por satisfeito ao imaginar que fosse um credor qualquer... Arrematou que não era novidade para ninguém que “artistas e literatos” são gente dada à “vida irregular”, que não poucas vezes se metem em jogatinas e ficam a dever dinheiro... Tertuliano não era tipo que se envolvesse nos jogos, mas sabia que para os mais viciados esse tipo de dívida era “sagrada”... 
(...)
Preparou um café e enquanto bebericava voltou a pensar no primeiro telefonema, o que não havia sido atendido... Era preciso voltar à carga... Sabia que podia suceder-lhe duas situações no caso de o atenderem... Ou responderiam que não havia nenhum Daniel na casa, ou afirmariam o contrário... Se assim ocorresse, tudo o que teria de fazer era desligar o aparelho porque sua única intenção era saber do endereço do ator.
Procedeu à chamada... Aguardou até ter certeza de que não seria atendido.
Não ficou decepcionado... Pelo contrário! Fez o que estava ao seu alcance e não se acovardou quando foi atendido...
Era sábado... Então era normal que o pessoal da primeira chamada estivesse fora.
Já era hora de jantar... Ele também podia se encaminhar para um restaurante. Mas ao se recordar dos ambientes e da “permanente ameaça do tamboril“ mudou de ideia.
Pensou na simpática alternativa que conhecera na hora do almoço, quando estava com Maria... Mas desistiu ao imaginar o que os funcionários pensariam ao vê-lo retornar sozinho.
Arranjou-se comendo em casa...
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – um nome e uma lista de telefones à disposição

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_19.html antes de ler esta postagem:

Enfim Tertuliano descobriu o que desejava...
Conheceu o nome do ator secundário, o seu “retrato vivo”.
Fez tudo sozinho... Devemos reconhecer que usou de metodologia eficaz... Não fosse pelos dois filmes que decidiu “saltar”, diríamos que a seguiu à risca.
Exatamente por não contar com ninguém em sua empreitada, não tinha com quem comemorar o feito... E também não tinha a quem anunciar o sucesso da empreitada, já que pretendia manter segredo.
É por isso que não o vemos telefonando para a mãe, à Maria ou ao professor de Matemática para compartilhar a felicidade de saber que o nome do “desconhecido ator” de filmes secundários se chama Daniel Santa-Clara.
(...)
Tertuliano não tinha a menor intenção de falar a respeito de suas investigações... Isso haveria de ser mantido em “silêncio absoluto”... Ninguém conheceria também os próximos passos que daria.
De fato, temia pelas consequências.
Havia triunfado na primeira fase e por hora não lhe restava mais o que fazer a respeito... Pelo menos durante o que lhe restava de fim-de-semana... Mas isso era tudo... Nada mais sabia a respeito da estranha personagem.
Devia entrar em contato com a produtora para perguntar a respeito? Perguntar o quê? É claro que não podia agir por impulso e na improvisação. Mesmo que isso já fizesse parte de seus planos, naquele momento nada poderia fazer porque evidentemente o escritório estava fechado.
Se telefonasse à produtora provavelmente seria atendido por um segurança que em nada o ajudaria... Teria de aguardar a segunda-feira.
Isso o fez tremer de pavor e também de inquietação... O que faria do tempo que lhe restava... Assistir aos filmes que ainda não vira em nada acrescentaria... No máximo saberia dos outros papéis nos quais o Santa-Clara havia atuado (professor de dança, crupiê e vai saber em quais mais...).
Podia pedir à Maria da Paz que lhe fizesse companhia... Sinceramente não se sentiria bem. Agiria como um covarde, um tipo que só aceita a presença da outra para fugir do tédio da inação.
(...)
Estava nessa espécie de encruzilhada quando decidiu que uma consulta à lista telefônica não seria uma má ideia. Encontraria o nome do Santa-Clara e teria acesso inclusive o seu endereço... Depois, de posse do número da casa e devidamente disfarçado, rodaria com o carro até a rua, conheceria o ambiente do seu “retrato vivo”.
O professor pensava sobre essa possibilidade e o estômago regia à sua ansiedade. Abriu a lista na página com os nomes que se iniciam pela letra “S”... Três assinantes eram Santa-Clara, mas nenhum se chamava Daniel.
(...)
Podia ser que o ator que aos poucos deixou de ser secundário estivesse de mudança... Também podia ocorrer de o tipo não querer o nome exposto nas páginas dos assinantes do serviço de telefonia... Sabe-se que várias personalidades, das mais diversas áreas (e por diversos motivos) solicitam que sua identificação seja excluída da lista.
Estava claro que o Daniel Santa-Clara não era nenhuma celebridade do cinema, tampouco se tratava de delinquente que quisesse se manter no anonimato... Mas então, por que sua identificação telefônica não constava da lista?
Essa questão levou Tertuliano a uma conclusão que, embora simplista, podia levá-lo a ações mais concretas... Podia ser que um dos Santa-Clara da lista tivesse parentesco com o Daniel que o interessava. Podia ser que os três fossem parentes e até mesmo que o tipo morasse com um deles... Podia ser que o telefone do qual fazia uso ainda estivesse no nome do avô falecido...
(...)
Por algum tempo Tertuliano deixou-se ficar na cadeira com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos na cabeça... Pensou sobre o que faria a partir do concluído... Calculou iniciativas e as prováveis consequências... Raciocinou como se estivesse disputando uma partida de xadrez.
Tudo se resumia a ter de definir com acerto o próximo passo...
Mais de uma hora se passou.
Então se dirigiu à escrivaninha. Acomodou-se e posicionou a lista telefônica “aberta na página do enigma” bem à sua frente.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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