Helena não perdia as ocasiões de festas religiosas. Ela participava ativamente, divertia-se e ajudava na organização.
As que aconteciam na igreja de Nossa Senhora do Rosário eram as que ela mais aproveitava, pois era próxima à chácara de dona Teodora.
Como sabemos, a avó era perseverante em relação aos ensinamentos da religião e, sempre fiel à igreja, fazia questão de contribuir nas ocasiões festivas. Por se tratar de uma senhora obesa e pesada, o bispo havia lhe dado “licença de ouvir a missa da janela do quarto”... O padre levava-lhe a comunhão.
(...)
Em seu registro de 4 de maio de 1893, a garota
destacou o quanto achava bom que a igreja do Rosário fosse tão perto. O dia
anterior havia sido de “Festa da Santa Cruz” e Helena se envolvera nos arranjos
de decoração desde a manhã. Suas primas não eram como ela, pois só chegavam
para o evento na parte da tarde.
Bambus e mastros tinham de ser fincados no solo... Seus irmãos, Renato e
Nhonhô, ajudavam a cortar os bambus...
Bandeiras tinham de ser penduradas, prateleiras deviam
ser instaladas... Helena se orgulhava de encarregar-se das várias tarefas...
Não faltava o que fazer! No ano anterior teve de preparar lamparinas de
laranja-da-terra porque faltaram as de barro.
Desta feita as filhas de certo Seu Cláudio arrecadaram donativos e
compraram várias lamparinas de barro. Elas eram colocadas nas prateleiras e
abastecidas com azeite. Depois de acesas, a praça ficava iluminada.
Donana, esposa do doutor Teles, ajudou as filhas do Seu Cláudio. O
ambiente ficou muito alegre. Dona Teodora mandou buscarem boa quantidade de
areia para que Helena e sua irmã mais nova, Luisinha, espalhassem pelo chão...
Por cima da areia colocaram folhas de café.
(...)
Helena tinha muitos motivos para festejar, pois a chácara da avó ficava
repleta de tios e primos...
As negras caprichavam na
cozinha e serviam uma excelente refeição (“frangos de molho pardo, lombo de
porco, arroz e angu”)... Ceias como essa, de farta comida, eram popularmente (e
talvez ironicamente) chamadas de “judeu”.
(...)
Em seus registros, a garota
esclarece que muitos negros do tempo da escravidão ainda viviam na chácara...
Eles não quiseram sair após a Lei de 13 de Maio e, de acordo com os
apontamentos do diário, dona Teodora não se importava de sustentá-los.
É verdade que um
deles, chamado Tomé, foi expulso por ela. Dizia-se que este tipo era feiticeiro
e pretendia atrair certa Andresa para casamento... Dizia-se que ele estava
“aprontando” (de acordo com a nota, “aprontar” era “dar chás de raízes para
conseguir a benquerença de uma pessoa).
Helena admirava as negras que não se embriagavam... Eram boas pessoas e
se esforçavam para juntar algum dinheiro. Faziam “pastéis de angu, sonhos e
carajés” que vendiam nas festas e também nas portas de teatros.
Dona Teodora comprava das
guloseimas feitas por elas e distribuía entre os netos, que passavam a noite na
comilança.
(...)
Os dias seguintes às festas eram de tristeza para
Helena.
Ela comenta que dona Carolina a repreendia dizendo que não era certo ter
o gênio de quem “quer aproveitar tudo”...
Para a sua mãe, “a vida é de sofrimentos”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley.html
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto