Anne ainda não havia falado sobre a carta de Romieux com Nadine... Ela andava refletindo sobre a viagem aos Estados Unidos... De certa forma, a garota percebia ares de mudança na mãe. Alguns dias depois do encontro com Paule, Anne teve uma conversa daquelas em que a filha sempre fazia questão de ferir sua autoestima... Sem se importar com o que a mãe pudesse estar passando, Nadine revelou que havia encontrado “o homem de sua vida”... O “verdadeiro”... Amigo de Lachaume, um autêntico militante chamado Joly. A garota estava fascinada e contou a Anne que o rapaz se mostrava surpreso por ela ainda não ter ingressado no Partido... Anne disse que concordava que filha devia mesmo passar por experiências daquele tipo... Acabou ouvindo que não se tratava bem disso... Para Nadine (e Joly), “experiências” como a mãe e os especialistas diziam ao se referirem aos engajamentos juvenis eram meras classificações, perdas de tempo. Para eles o que contava era a atuação. Por alguns dias Anne viu Nadine entre empolgada e frustrada diante de volumes de Química e de O Capital... Os gestos de Anne passaram a ser analisados pela filha “à luz do materialismo histórico”.
(...)
Claudie
era um tipo rico que, durante a guerra, teve condições de enviar algum auxílio
aos amigos menos favorecidos e aos engajados na Resistência. No pós-guerra as
coisas iam se ajeitando e a moça realizava encontros para coquetéis em sua
mansão às quintas-feiras... Normalmente o encontro contava com diversas de suas
amigas para conversas e “bebericagens”. Conforme havia indicado a Paule, Anne
decidiu comparecer a uma dessas reuniões... E aconteceu numa “tarde de neve no
mês de maio”.
Anne chegou de bicicleta e foi recepcionada por
Laure Marva, que foi logo esclarecendo que todas as presentes ficaram
encantadas com sua chegada... Um milagre! Laure disse que nem ousavam
convidá-la porque Anne estava sempre muito ocupada... De fato, aquele tipo de
reunião dizia bem pouco a Anne e Robert... O casal considerava aquilo muito
entediante... Os que ali se encontravam viam o casal Dubreuilh como
orgulhoso...
Claudie
perguntou por Robert e elogiou seu artigo em Vigilance... Perlène, pintor amante de Claudie, participou dizendo que a publicação da revista era um feito considerável...
Outra que quis falar sobre Robert foi Guite Ventadour (segundo a própria Anne,
essa aí era uma “escritora de romances inteligentes”), que se referiu a ele
como amante da arte pura, mas mesmo assim apaixonado pelas mazelas humanas do
“mundo atual”... Claudie quis saber se Anne escrevia um diário sobre as
atividades do marido... Obviamente ela respondeu que não tinha tempo para isso.
Huguette Volange comentou com admiração que, mesmo vivendo com um homem do
porte de Robert, Anne ainda se envolvia em afazeres profissionais... Algo que
para ela seria impossível, pois seu marido demandava seu tempo
integralmente...
Anne
sentia que olhavam para ela e a enchiam de questões como se o marido já
houvesse morrido... Ela pensou e levou em conta o quanto Robert era disputado por essas pessoas,
mas não gostaria que a enxergassem como testemunha ou herdeira dele.
Foi
Guite quem, talvez percebendo o mal-estar de Anne, retirou-a do meio das
convivas para servir-lhe algo. Então comentou que não havia ali outra mulher
inteligente além delas duas. Sugeriu que um dia Anne e Robert a visitassem para
conversar e jantar... Ponderou que apenas homens seriam convidados, declarando que a companhia de mulheres não rendia boas conversas. Anne observou que se
entendia muito bem com as mulheres... Guite não compartilhava dessa opinião e
perguntou se aquilo era normal... Anne respondeu que quase todas as mulheres
preferiam a companhia masculina... Guite voltou-se para Huguette, com quem
passou a conversar...
Novamente
Claudie se aproximou de Anne e apresentou-lhe Lucie Belhomme, uma estilista
morena e alta que também conhecia Paule... Sobre ela, Lucie foi dizendo que não
possuía estilo, ou ainda não havia encontrado o seu próprio (como Anne queria
fazer crer). A moça também disse que ”vestiu” Paule gratuitamente para gerar
publicidade para a sua Casa Amaryllis.
Comentou também que, em sua opinião, Paule nunca soube tirar bom proveito de
suas atribuições... Nem mesmo de sua bela voz... Falou sobre a oportunidade que
a outra teve de cantar no Brasil e sobre como passou a se devotar a uma paixão
(sabia do “caso” sem conhecer Henri)... Lucie quis saber de Anne se era
verdade que Paule estava sendo abandonada... Anne desmentiu com veemência...
Novamente sozinha,
Anne passou a refletir sobre o ódio que Lucie expressou em relação a Paule, que
considerava uma “prostituta cantora” preguiçosa que vivia a aguardar alguém que
a protegesse... Anne pensou sobre isso e sobre o fato de a amiga nunca ter
falado sobre seus primeiros anos em Paris... Algo intrigante... De repente quem
chega perto dela é ninguém menos que Marie-Ange, a repórter que se fez passar
por doméstica. Iniciaram conversa amistosa e Anne dizia que a desculpava, pois "era a mais velha de seis irmãos"... A outra revelou em tom de brincadeira que
havia mentido também sobre isso, pois tinha apenas um irmão... Anne quis saber o que fazia ali e Marie-Ange
disse que apreciava coquetéis e gostava de ser vista... Acabava ouvindo as
novidades... Anne perguntou sobre o que ela poderia informar a respeito de Guite
Ventadour, mas Marie nada sabia da escritora, "que não falava de si"... Mas em relação à Lucie Belhomme
descarregou que já era um tipo de idade considerável, que possuía três amantes...
Antes da guerra ganhou muito dinheiro... Agora estava numa fase de recuperação
dos negócios, embora manifestasse certo enjoo e por isso se revelava má...
Marie-Ange
disse que os “tipos chatos” tinham se retirado da casa e, então podiam se
divertir... Anne deu a desculpa de que tinha coisas a resolver... Claudie insistiu
para que ficasse para a ceia, que seria servida em mesas separadas... Queria
apresentá-la a pessoas ricas e importantes, que pagariam bem pelas consultas em
seu consultório... Anne respondeu que já possuía muitos pacientes, mas ouviu de
Claudie que nem todos pagavam adequadamente, sendo assim, um só novo cliente
poderia economizar-lhe o tempo que dispensava a dez... Anne respondeu que
poderiam voltar a falar sobre o assunto, mas notou que Claudie só entendia o
trabalho como meio de prosperar e se enriquecer... Definitivamente Anne não via
o trabalho da mesma forma...
Depois
as mulheres se acomodaram e iniciaram um “jogo da verdade”... Anne quis mostrar
que não gostava do jogo em que as pessoas só diziam mentiras sem revelar “o
mistério que habita” dentro delas... Huguette perguntou a Guite qual a sua flor
preferida... Para Claudie, perguntou quantos amantes ela já teve... A anfitriã
ficou sem saber se 25 ou 26 e, “para dizer a verdade”, foi até o banheiro onde
mantinha uma lista... Ao retornar, gritou em triunfo que eram 27.
Então Huguette perguntou a Anne em quê pensava
naquele momento... Ela respondeu que deveria estar em outra parte porque tinha
serviço urgente... Sob protestos foi se retirando... Marie-Ange a seguiu e
lamentou profundamente que Anne tivesse de ir, pois poderiam jantar juntas...
Mas não teve jeito, Anne pegou sua bicicleta e saiu... Seguiu pensando sobre
esse tipinho que bem provavelmente pretendia oferecer seu coração e corpinho a
ela...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir.html...
Leia:
Os Mandarins. Editora
Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto