terça-feira, 23 de outubro de 2012

"Os Mandarins", de Simone de Beauvoir - conversa de Anne com Paule; manifestações e incoerências de um tipo que insistia em existir apenas em função da outro

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir.html antes de ler esta postagem:

Anne admitia que pretendesse viajar... Talvez apenas não estivesse pronta para se confrontar com desejos e lembranças que aquela mudança de rotina despertava... No dia seguinte ela nem foi trabalhar... Como sabemos, decidiu-se por uma visita a Paule... Enquanto caminhava pensava na amiga sem entender como ela podia permanecer fechada, sem nada fazer e sem manter contato com os outros e, ainda assim, não se enfastiar... Para Anne, o fato de ela insistir em manter a relação com Henri era algo incompreensível. Sabia que um dia o inevitável rompimento ocorreria, então as pessoas próximas de Paule (como era o seu caso) teriam de dar-lhe motivações para prosseguir... Quais motivações?
Anne segue a narrativa descrevendo o ambiente onde se localiza o estúdio... E descreve também o modo como Paule se apresenta naquele dia... O seu cotidiano era simples e modesto (alternativo) era o seu trajar... Vestido caseiro e sapatos abertos, de saltos altos e tiras que davam voltas em torno das pernas... Anne não aprovava o visual...
Paule quis saber dela como estavam os seus dias... Anne comentou que sem a “ração cotidiana de horror”, as pessoas recomeçavam em suas torturas (existenciais)... Isso resultava em grande demanda às clínicas como a sua... De sua parte, retomando os assuntos conversados na noite de Natal, disse a Paule que ela deveria se esforçar em praticar o canto e voltar a se apresentar... Sabemos que a moça possuía decisão formada e respeito disso e que essa conversa não era de seu agrado...
Anne, como que querendo aconselhar, disse que nada impediria Paule manter-se devotada a Henri ao mesmo tempo em que desenvolvesse um trabalho com a música... Paule respondeu o que vivia repetindo a si mesma, a Henri e aos amigos, ou seja, afirmou que o seu devotamento a “um grande amor” não propiciava tempos a outros engajamentos. Obviamente Anne não conseguia entender a determinação de Paule e considerava exagero e “perda de tempo”, pois em sua opinião a outra poderia trabalhar... Completou dizendo que ela se sentiria bem melhor... Mas Paule insistia que havia renunciado ao canto há uns dez anos, desde que compreendera que Henri desejava a sua companhia em tempo integral... Anne lembrou que Perron havia sugerido que ela retomasse o trabalho, mas até essa observação era desprezada por Paule...
O que a moça almejaria então? Apenas o sucesso da pessoa amada contava para ela? Anne não entendia como Paule se dispunha a se anular daquela maneira... Paule respondeu que havia “outra coisa em jogo”... É claro que Anne quis saber do que se tratava, mas Paule desconversou e ofereceu um vinho quente... Retirou-se para a cozinha. Enquanto esteve sozinha, Anne ficou observando pela janela o cair da noite... Viu um tipo mal vestido conduzindo um cão dinamarquês, e do outro lado da rua observou um macaco de uma loja (de animais) especializada em aves raras... Talvez pretendesse “enxergar a realidade” com o olhar de Paule, mas desistiu por constatar ser impossível “vestir a pelo do outro”.
Paule retornou com as jarras fumegantes... Então, enquanto sorviam do vinho, retomaram a conversa. Paule explicou que estava preocupada com Henri, chegou a murmurar um “pobre Henri!” Anne quis saber o que ela tinha para revelar e ouviu da outra que Perron estava em crise, mas Anne não concordou porque entendia que ele vinha publicando artigos cada vez melhores. A isso Paule respondeu que antigamente ele não queria se envolver com jornalismo ou política. Anne tentou mostrar que as circunstâncias haviam mudado... Mas para a amiga isso não devia acontecer com o seu amado. Paule argumentou que Henri estava se desviando de uma missão e só ela poderia recolocá-lo no "rumo correto". É por isso, concluía, que não pensava em ocupar-se consigo mesma. Paule o divinizava e não aceitava que Henri fosse definido como um escritor igual aos demais.
Anne via muitas incoerências nas palavras de Paule e sinceramente pensava que Henri ficaria irritado se ouvisse aquilo. Paule desconsiderava a passagem do tempo e as mudanças que todos sofrem. Em vez disso, ela mantinha um Henri idealizado e congelado no tempo, da mesma maneira que vemos eternizados em telas gênios da literatura como Rimbaud, Baudelaire, Stendhal... Anne sentenciou que a amiga deveria permitir a Henri decidir por si mesmo o que deveria fazer. Paule mais uma vez discordou e disse à amiga que ela e Henri constituíam um só ser.
Anne se surpreendia de não recordar que Paule visse em Henri o tipo que despertasse tanto sentimento apaixonado antes de ele se destacar como intelectual da Resistência... Uma dúvida sobre aquele amor devotado pairou em suas reflexões... Mas o encontro foi finalizado e ela parece ter preferido não provocar novas manifestações de euforia na outra.
Então Anne perguntou se Paule não gostaria de visitar Claudie na quinta-feira... Ela disse que não, e soltou uma gargalhada ao dizer que Scriassine estava instalado na casa dela. Comentaram sobre isso e se despediram. No caminho de volta, Anne pensou não ter contribuído para melhorar a condição da amiga... Ela própria tinha suas dúvidas sobre si mesma. Refletiu sobre sua insegurança em relação à viagem para o Congresso em Nova Iorque.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-uma.html...
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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