Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-anne.html antes de ler esta postagem:
Anne chega ao
escritório quando o expediente se expirava... Encontrou Nadine dispensando as
últimas pessoas que estavam ali para apresentar seus textos... A moça ria-se de
Minha Vida, volumosos maços
manuscritos depositados numa maleta deixada por certa Joséphine Mièrre, de 60
anos, residente em Aurillac. Um “documento vivo”... É como a própria autora
queria fazer-se conhecer... Robert avaliou que aquilo talvez “nem se
aproximasse do ridículo”... Nadine sugeria que os escritos da mulher poderiam
conter trechos obscenos... Por um instante, pai e filha conversaram se valeria
a pena investir naquele material... Para Nadine os papéis deviam ser
devolvidos, mas Dubreuilh disse para esperar mais uns “cinco minutos”.
Robert
demonstrou contentamento ao ver a esposa por ali... Anne observou a mesa de
Nadine e viu que muitos escritores enviavam textos na esperança de vê-los
publicados... Abriu um de capa negra em que se lia Poemas Escolhidos... Verificou o conteúdo e constatou recortes
plagiados de autores clássicos diversos (Apollinaire, Rimbaud, Baudelaire...).
Nadine explicou à mãe que Sézenac topava receber dinheiro em troca desse tipo
de infração... Ele mesmo fornecia o material, mas depois, evidentemente, o
infrator ficava sabendo das consequências (o impostor que se reconhecia
ludibriado)... Sem que Robert ouvisse, Nadine disse à mãe que aquela era a
forma que alguns encontravam para ganhar dinheiro... Quer dizer, o tipo em questão, certo
Doce René, esperava sobreviver da venda daquele material que assinava como
sendo de sua autoria.
Os
três decidiram continuar a conversa num café em frente ao escritório... Depois
de acomodados, Anne e a filha falaram cada uma sobre sua condição no trabalho...
Nadine queria se autoafirmar (isso não é mais novidade) mostrando que dava
conta do serviço de secretária... Disse que talvez não tivesse oportunidade de
despontar executando algo se atuasse como repórter, cujo campo de trabalho era
muito masculinizado... Sobre a condição de Anne, Nadine fez questão de
provocá-la dizendo que era aceitável sua tarefa com os clientes, “mas jamais
chegaria a Freud”... Anne defendeu-se dizendo que entre o “nada ser” e “ser
Freud” havia muitas outras “condições de ser”... Ela sabia bem que a filha
gostava de contrariá-los.
De
sua parte, Nadine completou dizendo que, sendo secretária, “estava realizando
algo”... Robert interferiu, como que lamentando e criticando ao mesmo tempo, e
disse que o principal era estar satisfeito com o que se desenvolvia... A moça
falou que o destino das pessoas tinha pouca importância, principalmente por
aqueles tempos... Robert respondeu que o destino dela interessava muito a ele... De
modo amargo, Nadine quis esclarecer que o seu destino não dependia nem dele nem
dela mesma... É por isso que ria muito daqueles que “pretendiam ser alguém”.
Ainda em tom provocativo, Nadine comentou que se
tivesse coragem de fazer algo complicado ingressaria na política... Robert
perguntou, então, por que (desde já) a filha não participava do SRL... Ela respondeu que não aceitava o
grupo político do pai porque este não se entendia com os comunistas. Dubreuilh
quis convencê-la de que a situação não era bem essa... Nadine tinha amigos no
partido e insistiu dizendo, inclusive, que Lafaurie iria pedir que o meeting não se realizasse... Falou ainda
que Lachaume dissera a ela que, para os comunistas, o SRL havia tomado um caminho errado... O próprio Lafaurie estava
disposto a falar com Robert, pois para ele o meeting era uma ação contrária à unidade e (em particular) aos
comunistas... A esquerda estava se dividindo por causa de Robert Dubreuilh...
Era por todos esses motivos, ainda segundo Nadine, que os comunistas iniciariam
uma campanha contra o pai.
É
claro que Robert discordou de todas essas opiniões e ironizou o fato de os
comunistas serem centralizadores e pretenderem o SRL sob sua órbita... Essas
suas opiniões nós já conhecemos de http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_15.html, onde lemos a
narrativa de Henri acerca desses mesmos eventos... A moça mostrava-se afinada com
os amigos do partido e falou que tudo o que o pai pensava a respeito deles se
aplicava a ele próprio... Robert falou sobre a ideia da Frente Nacional, que
agregava pessoas e grupos, mantendo unidade de ação, embora tivessem opiniões
diferentes... Uma vez que a moça insistia em contrariá-lo, Dubreuilh disse que
ela poderia ou não “meter-se em política”, mas o que não devia de modo algum
era prestar-se ao papel de “papagaio”... Completou dizendo que se ela pensasse
um pouco notaria que a política do partido era “catastrófica”.
Nadine
quis ainda justificar a postura dos companheiros. Defendeu-os dizendo que se
tentassem tomar o poder, “a América interviria imediatamente”... Para Robert
isso era compreensível, mas salientou que eles podiam se comportar de modo
diferente... Explicou que desde que a SFIO
(Seção Francesa da Internacional Operária – partido do qual Jean Jaurès havia
sido líder) havia se extinguido, os comunistas se viam obrigados a representar
várias tendências (esquerda da esquerda; direita da esquerda)... Explicou que,
até por isso, deveriam aceitar a existência de outro partido... Nadine
retirou-se nervosamente e negando que os companheiros aceitassem uma proposta
daquelas.
Anne
e o marido seguiram a pé pelo cais. Robert falava sobre o que faria...
Telefonaria a Lafaurie... Angustiado e enraivecido, Dubreuilh seguia falando
sobre o que refletia da situação política. Anne apenas ouvia e pensava que
deveria permanecer ao seu lado. De certo modo, apesar de tudo o que o marido
representava para a sociedade, ela notava a sua vulnerabilidade em meio aos
ataques dos opositores.
Depois
de algum tempo caminhando, Anne decidiu mostrar a Robert o convite que recebera
de Romieux (é para isso que ela havia ido ao escritório). Dubreuilh festejou a novidade e quis saber por que ela ainda não
havia contado. Ela disse que não se afastaria por três meses e argumentou que
tinha muito a fazer em Paris... Robert não aceitou a resposta e falou que em
alguns meses ela ajeitaria tudo, além disso, não havia motivos para se
preocupar com ele ou Nadine, que “sabiam se virar sozinhos”... Anne prosseguiu
dando desculpas insignificantes, e Robert insistindo e “adivinhando” que,
interiormente, ela sabia que o Congresso e a viagem eram muito importantes para
ela. Neste ponto ele estava com razão.
O relato de Anne segue esclarecendo que ela ainda se
preocupava com a situação política que Robert e Henri enfrentavam junto aos
comunistas... Sua dúvida (aceitar ou não o convite para o Congresso de
Psicanálise em Nova Iorque) permanecia... Decidiu que no dia seguinte visitaria
Paule.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_23.html...
Leia:
Os Mandarins. Editora
Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto