quarta-feira, 28 de novembro de 2012

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – Menocchio se justifica em relação às suas afirmações de que nenhuma fé pode ser considerada superior às demais; a “lenda dos três anéis”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_21.html antes de ler esta postagem:

Outra ideia de Menocchio que intrigava as autoridades, e por isso o complicava, era a de que não considerava nenhuma crença melhor (ou superior) do que as outras... Sustentava que pretendia manter-se cristão apenas em consideração e respeito à tradição cristã de seus antepassados. Justificava sua forma de pensar a partir de uma lenda que contou em detalhes ao inquisidor franciscano, Gerolamo Asteo, durante o segundo processo (12 de julho de 1599). Ele entendia que a lenda podia convencer também as autoridades e, por isso, pedia a graça de ser por elas ouvido. Trata-se da “lenda dos três anéis”.
Em poucas palavras, a lenda conta que “Um grande senhor de posses havia declarado que seu herdeiro seria aquele que possuísse um determinado anel precioso. Era pai de três filhos e amava os três sem distinções. Então mandou confeccionar outros dois anéis idênticos ao original e os distribuiu a cada um dos moços... Qual deles havia ficado com o primeiro e “verdadeiro” anel?” Assim também é Deus que não distingue entre turcos, judeus e cristãos, e ama a todos.
Então, a partir da lição extraída da “lenda dos três anéis”, Menocchio considerava adequada a sua ideia de que cada um acha sua fé a melhor, mas ninguém pode afirmar com certeza se é a melhor. É por isso que admitiu no passado que “nascera cristão e por isso queria continuar cristão, mas se tivesse nascido turco, ia querer continuar turco”...
Ginzburg destaca essa passagem do processo em que Menocchio assume a postura de quem tem algo a ensinar... Neste ponto questiona: “quem representa o papel da cultura dominante ou a cultura popular?” Só no outro interrogatório é que as autoridades perceberam que a fonte de onde Menocchio tirou essas ideias era “um livro proibido”... Ele desconversava e dizia não saber ao certo onde havia lido a lenda, até confessar o título Cento Novelle, de Boccaccio, emprestado por “Nicolò de Melchiori” (provavelmente Nicola da Porcia).
Sogno dil Caravia e o Decameron chegaram às mãos de Menocchio através de Nicola de Porcia... Pelo menos o seu “terceiro conto do primeiro dia”, onde se lê a “lenda dos três anéis”, que impressionou o moleiro... Ao que tudo indica, a edição lida por ele devia ser mais antiga, dado que as iniciativas da Igreja contra o movimento reformista tratou de censurar o trecho.
Gerolamo Asteo quis saber de Menocchio se ele acreditava que não se sabia qual seria a “melhor lei”... Ele respondeu que pensava “que cada um acha que a sua fé seja a melhor, mas não se sabe qual é a melhor...”
Essa “tolerância às três grandes religiões históricas” também era combatida pelo movimento contrarreformista. E Menocchio (como Castellione) considerava que além de cristãos, judeus e árabes, também os heréticos se salvariam de um modo ou de outro, pois Deus gosta de todos... Assim, para ele, em nome de uma religião simplificada, as fés se equivaliam... Algo como os conceitos observados na fé no “Deus da natureza” explicito em Mandeville... Novamente nos deparamos com as advertências do autor em relação à “ousadia de Menocchio” perante as autoridades ao nivelar as religiões, já que retomava Mandeville sem levar em consideração a afirmação sobre “a superioridade do Cristianismo em relação às demais religiões"... O radicalismo do moleiro participava das “teorizações religiosas dos heréticos” de formação humanística de sua época.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/12/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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