quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

“Os vadios do século XVIII”, de Laura Vergueiro, em “Novos Estudos CEBRAP” de abril de 1982 – considerações sobre “Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais” (1780), obra de José João Teixeira Coelho; a utilidade do vadio

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/02/os-vadios-do-seculo-xviii-de-laura.html antes de ler esta postagem:

O texto que segue tem como referência a leitura do periódico Novos Estudos Cebrap, vol. 1 Nº 2 Abril de 1982. Naquela edição, os estudos coordenados por Roberto Schwarz tinham como “tema gerador” Os pobres na Literatura Brasileira. A referência aqui é o texto de Laura Vergueiro, Os vadios do século XVIII.

Percebemos que, em Antonil, os pobres eram mal vistos... Eram considerados verdadeiros incômodos, ônus para a administração... Essa parte da sociedade, por sua “negação ao trabalho”, era considerada improdutiva... Vadios que prejudicavam a “parte sã da população”.
Já em fins do século XVIII, o desembargador Teixeira Coelho tratou da condição dos desfavorecidos com atenção diferenciada. Em trecho do autor, selecionado por Vergueiro, lemos Os vadios são o ódio de todas as nações civilizadas, e contra eles se tem muitas vezes legislado... Após essa primeira consideração, o magistrado apresenta argumentos que justificam a importância e utilidade dessa gente na região das minas de ouro, pois eram eles que desbravavam os sertões, perseguiam índios e muito contribuíram para a destruição de quilombos. Não é por acaso que Vergueiro deu ao tópico em questão o título de A utilidade do vadio.
É o próprio Teixeira quem esclarece que “as regras comuns a este ponto (vadios enquanto motivo de ódio e alvo das leis) não podem ser aplicáveis ao território das minas; porque estes vadios, que em outras partes seriam prejudiciais, são ali úteis”... E quem eram os que povoavam os “sítios remotos do Cuieté, Abre Campo, Peçanha e outros?” A leitura do documento revela-nos que “à exceção de um pequeno número de brancos, são todos mulatos, caboclos, mestiços e negros forros”... Suas tarefas em terras bravias não eram nem um pouco desprezíveis... Ainda de acordo com o magistrado, “deles é que se compõem as esquadras que defendem o presídio do mesmo Cuieté da irrupção do gentio bárbaro, e que penetram, como feras, os matos virgens, no seguimento do mesmo gentio: e deles é, finalmente, que se compõem também as esquadras, que muitas vezes se espalham pelos matos, para destruir os quilombos dos negros fugidos, e que ajudam as justiças nas prisões dos réus”.
Vergueiro destaca que o trecho selecionado é “impar na literatura”, dado que defende a “utilização de um contingente humano normalmente considerado inútil”. E isso chama atenção porque a “inutilidade do vadio” era percepção não apenas no Brasil, mas em todo o Ocidente... A legislação repressiva contra os vadios atravessava os primórdios da colonização no século XVI e entrava pelo século XVIII... Os juízos de Antonil acerca desta parte da sociedade podem ser considerados ecos das preocupações de autoridades políticas e religiosas europeias, que definiam “vagabundo como peso inútil da terra”... Os vadios eram fechados em workhouses, hospícios e instituições de caridade.
As passagens do sistema feudal para o modelo pré-capitalista provocaram a expropriação de numerosas famílias, que foram absorvidas por manufaturas e obras públicas... Teixeira Coelho vislumbrava a mesma expectativa para os “vadios da colônia”. E isso resolvia uma importante lacuna, já que nem os escravos nem os “valorosos e laboriosos colonizadores brancos” podiam “povoar pontos distantes acossados por índios; engrossar as expedições para destruir quilombos; exterminar foragidos”...
Os pobres, a partir dessa concepção de Teixeira, viriam a se tornar “pau para toda obra”... Outro trecho selecionado por Vergueiro confirma as afirmações anteriores: “... porque como a conservação dessa conquista (do Cuieté) era necessária, e se não podia conseguir, sem que nela houvesse um corpo de tropas da dita qualidade, para se opor aos assaltos dos índios, que lhe pareceu que era mais conforme a razão, o ser a mesma tropa composta de homens vadios, e facinorosos, do que de homens bem morigerados, e preciosos para a cultura das terras”.
Finalizando o texto, Vergueiro destaca que o intendente da Fazenda da capitania de Minas, sem abandonar os preconceitos em relação aos homens livres pobres, levou em consideração o seu “lado aproveitável”... Teixeira Coelho representou, de acordo com as palavras de Vergueiro, “os primeiros alvores de uma mentalidade capitalista”.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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