Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/02/os-vadios-do-seculo-xviii-de-laura.html
antes de ler esta postagem:
O texto que segue tem como referência
a leitura do periódico Novos Estudos
Cebrap, vol. 1 Nº 2 Abril de 1982. Naquela edição, os estudos coordenados
por Roberto Schwarz tinham como “tema gerador” Os pobres na Literatura Brasileira. A referência aqui é o texto de
Laura Vergueiro, Os vadios do século
XVIII.
Percebemos que, em Antonil, os pobres eram mal
vistos... Eram considerados verdadeiros incômodos, ônus para a administração...
Essa parte da sociedade, por sua “negação ao trabalho”, era considerada
improdutiva... Vadios que prejudicavam a “parte sã da população”.
Já em fins do século XVIII,
o desembargador Teixeira Coelho tratou da condição dos desfavorecidos com
atenção diferenciada. Em trecho do autor, selecionado por Vergueiro, lemos Os vadios são o ódio de todas as nações
civilizadas, e contra eles se tem muitas vezes legislado... Após essa
primeira consideração, o magistrado apresenta argumentos que justificam a
importância e utilidade dessa gente na região das minas de ouro, pois eram eles
que desbravavam os sertões, perseguiam índios e muito contribuíram para a
destruição de quilombos. Não é por acaso que Vergueiro deu ao tópico em questão
o título de A utilidade do vadio.
É o próprio Teixeira quem esclarece que “as regras comuns a este ponto
(vadios enquanto motivo de ódio e alvo das leis) não podem ser aplicáveis ao
território das minas; porque estes vadios, que em outras partes seriam
prejudiciais, são ali úteis”... E quem eram os que povoavam os “sítios remotos
do Cuieté, Abre Campo, Peçanha e outros?” A leitura do documento revela-nos que
“à exceção de um pequeno número de brancos, são todos mulatos, caboclos,
mestiços e negros forros”... Suas tarefas em terras bravias não eram nem um
pouco desprezíveis... Ainda de acordo com o magistrado, “deles é que se compõem
as esquadras que defendem o presídio do mesmo Cuieté da irrupção do gentio
bárbaro, e que penetram, como feras, os matos virgens, no seguimento do mesmo
gentio: e deles é, finalmente, que se compõem também as esquadras, que muitas
vezes se espalham pelos matos, para destruir os quilombos dos negros fugidos, e
que ajudam as justiças nas prisões dos réus”.
Vergueiro destaca que o
trecho selecionado é “impar na literatura”, dado que defende a “utilização de
um contingente humano normalmente considerado inútil”. E isso chama atenção
porque a “inutilidade do vadio” era percepção não apenas no Brasil, mas em todo
o Ocidente... A legislação repressiva contra os vadios atravessava os
primórdios da colonização no século XVI e entrava pelo século XVIII... Os
juízos de Antonil acerca desta parte da sociedade podem ser considerados ecos
das preocupações de autoridades políticas e religiosas europeias, que definiam “vagabundo
como peso inútil da terra”... Os vadios eram fechados em workhouses, hospícios e instituições de caridade.
As passagens do sistema
feudal para o modelo pré-capitalista provocaram a expropriação de numerosas
famílias, que foram absorvidas por manufaturas e obras públicas... Teixeira
Coelho vislumbrava a mesma expectativa para os “vadios da colônia”. E isso
resolvia uma importante lacuna, já que nem os escravos nem os “valorosos e laboriosos
colonizadores brancos” podiam “povoar pontos distantes acossados por índios;
engrossar as expedições para destruir quilombos; exterminar foragidos”...
Os pobres, a partir
dessa concepção de Teixeira, viriam a se tornar “pau para toda obra”... Outro
trecho selecionado por Vergueiro confirma as afirmações anteriores: “... porque
como a conservação dessa conquista (do Cuieté) era necessária, e se não podia
conseguir, sem que nela houvesse um corpo de tropas da dita qualidade, para se
opor aos assaltos dos índios, que lhe pareceu que era mais conforme a razão, o
ser a mesma tropa composta de homens vadios, e facinorosos, do que de homens
bem morigerados, e preciosos para a cultura das terras”.
Finalizando
o texto, Vergueiro destaca que o intendente da Fazenda da capitania de Minas,
sem abandonar os preconceitos em relação aos homens livres pobres, levou em
consideração o seu “lado aproveitável”... Teixeira Coelho representou, de acordo com as palavras de Vergueiro, “os primeiros alvores de uma mentalidade capitalista”.
Um abraço,
Prof.Gilberto