Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_5031.html
antes de ler esta postagem:
O bispo e o
inquisidor avaliaram como “autêntica” a conversão do moleiro... O magistrado de
Portogruaro e alguns nobres (entre os quais Giovan Francesco Palladio degli
Olivi, futuro historiador da região) para que a sentença fosse comutada...
Montereale, sua velha e conhecida aldeia, passou a ser o seu “cárcere
perpétuo”, local de onde jamais poderia se afastar... Ali também estava
proibido de falar sobre as “ideias nefastas”... Devia se confessar
regularmente... O hábito com a cruz, sinal de seu passado herético, ser usado
constantemente, ainda que por baixo da roupa. No caso de violar a sentença, 200
ducados deviam ser pagos... Daniele de Biasio, um amigo antigo, se
responsabilizou por isso...
Tudo acertado, Menocchio pôde retornar a Montereale... Estava arrasado
física e mentalmente.
Apesar de seu passado
herético, ele conseguiu retomar boa posição na sociedade local... Odorico
Vorai, que o havia denunciado ao Santo Ofício, já não era pároco do lugar... O
novo pároco era Giovan Daniele Melchiori, que também tivera problemas com a
inquisição... Sabemos que esse Melchiori era amigo de infância de Menocchio.
Sem dúvida, ele colaborou para que o moleiro voltasse a uma vida regular... Em
1590 Menocchio foi nomeado “camarero” da igreja de Santa Maria de Montereale, o
que equivalia à condição de administrador, cargo para o qual retornava.
Também é verdade que as igrejas tinham o costume de atribuir a moleiros
o cargo de camareiro... É possível que isso se devesse ao fato de moleiros
terem condições de adiantar dinheiro à paróquia... De sua parte, eles atrasavam
o reembolso... Três anos após a posse de Menocchio na administração da igreja,
o bispo de Concordia (Matteo Sanudo) realizou visita em que verificou que entre
os devedores estava Scandella (200 liras)... Pode ser que o bispo nem se
lembrasse desse nome e da condenação a que o submetera nove anos antes... Por
ocasião dessa visitação em 1593, Sanudo recomendou mais cuidado com as contas
da igreja... Os registros sobre os pagamentos e distribuição de grãos deveriam
ser atualizados num “grande livro”... As maiores ameaças para o não cumprimento
da obrigação estava na suspensão dos serviços divinos (a divinis) e o impedimento do “ingresso na igreja e de sepultura em
caso de morte”... Ao que tudo indica os débitos foram devidamente resolvidos.
Menocchio prosseguiu sua vida, e pelo visto com a
consideração da sociedade local... Tanto é que em 1595 ele foi chamado a
representar um arrendatário numa questão litigiosa com o conde Giovan Francesco
Montereale... Nesse mesmo ano ele conseguiu alugar, com o filho Stefano, outro
moinho... Os dois se tornaram fiadores do antigo arrendatário, Florito di
Benedetto... O moleiro ainda participou de representações políticas na
localidade.
Mas o filho que mais o ajudava, Ziannuto, faleceu... Então Menocchio se
viu na necessidade de desenvolver outras atividades para garantir o sustento...
Entre essas atividades desempenhou a de professor de escola e de tocador de
violão em festas... Devido a elas, percebeu-se na necessidade de se afastar de
Montereale e também de se livrar do hábito que marcava a sua penitência.
Menocchio procurou o frade Giovan Battista da
Perugia, o novo inquisidor em Udine, para obter a dispensa de suas
obrigações... Em carta de 26 de janeiro de 1597 ao bispo de Concordia, da
Perugia negou veementemente liberá-lo do uso do hábito, entretanto, em relação
às atividades para o seu sustento, foi autorizado a praticá-las livremente...
Apenas os “locais suspeitos” permaneceram-lhe vedados...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_2445.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto