quarta-feira, 26 de junho de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – a prisão em Concordia; depois de dois anos de cárcere, nova carta de súplica; o relato de Giovan Battista de’ Parvi e as impressões sobre um prisioneiro convertido; Menocchio e seu péssimo estado físico convencem as autoridades

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_26.html antes de ler esta postagem:

Por quase dois anos Menocchio permaneceu na prisão de Concordia... No início de 1586 (18/janeiro), seu filho Ziannuto apresentou um pedido de súplica em nome da família ao bispo Matteo Sanudo e ao inquisidor, o frade Evangelista... O documento, como não podia ser de outra maneira, era redigido pelo próprio Menocchio.
Seu texto ressalta que não se tratava da primeira vez que o pobre “Domenego Sacandella” se dirigia ao Santo Ofício pedindo súplica... Dessa vez, era a necessidade que o forçava a implorar. E garantia que, sendo atendido, cumpriria melhor a penitência pelos seus erros... Argumentou que já estava muito debilitado por tanto tempo de encarceramento (já fazia três anos que havia deixado sua casa devido ao processo e à condenação)... Seu sofrimento se tornara demasiado, também, por conta das precárias condições da prisão... A distância da família arrasava-o, e o empobrecimento de seus filhos obrigava-os a abandonarem o próprio pai... Arrependido, e sofrendo muito, Menocchio sintetizava a consequência de tamanho fardo: a morte certeira.
Pedia perdão a Deus e ao tribunal do qual esperava que o libertasse... Comprometia-se a viver “nos preceitos da Santa Igreja Romana” e a fazer as penitências impostas pelo Santo Ofício... Desejava, finalmente, que Deus concedesse felicidade às autoridades inquisitoriais.
O bispo de Concordia e o inquisidor do Friuli resolveram que Menocchio devia deixar a prisão... Ginzburg explica que dessa feita o prisioneiro havia sido auxiliado em seu texto por um advogado, diferentemente das ocasiões anteriores, quando redigira sozinho a própria defesa. Giovan Battista de’ Parvi era o carcereiro que teve de prestar informações a respeito do proponente...
Os relatos de Parvi dão conta de que a prisão era “forte e segura”, além de ser trancada “por três portas fortes e seguras”... Em toda Concordia não havia cárcere “mais forte ou mais rude” do que aquele... O carcereiro dizia isso como que querendo mostrar que cumpria exemplarmente sua função... Menocchio havia se retirado da fortaleza poucas vezes: por ocasião da abjuração (quando teve de dirigir-se à porta da catedral carregando uma vela); “no dia da sentença, no dia da feira de Santo Estevão, e também para ouvir missa e comungar”... Permanecia recluso e a Eucaristia era-lhe ministrada na prisão... Invariavelmente às sextas-feiras jejuava, e houve ocasião em que adoeceu tão gravemente (por causa dessa prática) que imaginaram que ele não sobrevivesse... Parvi emendou dizendo que Menocchio insistia em que não lhe trouxessem “carne ou outra coisa gorda” e, assim, alimentava-se só de pão durante algumas vigílias... Seu relato surpreendia muito ao garantir que pudera ouvir o prisioneiro rezando ou lendo o Officio dela Madonna em diversas ocasiões... E não era só isso... Informou que Menocchio havia solicitado uma imagem ao filho para que pudesse fazer suas orações...
O carcereiro apresentou um histórico positivo a respeito do prisioneiro... Falou que ele havia lhe dito que sua condição de sofrimento se devia aos pecados e erros contra Deus, e era a Ele a quem se dirigia, agradecendo por ter durado tanto tempo naquelas condições tão adversas. Então, para Parvi, Menocchio estava arrependido... Disse que ele se referia às suas ideias do passado como “loucuras” que as tentações do diabo incutiram em sua mente... O carcereiro finalizou com um “não se pode conhecer facilmente o coração dos homens; só Deus é que pode”.
Conduzido à presença do bispo e do inquisidor, Menocchio atirou-se de joelhos e pôs-se a chorar em súplicas... Disse que estava, de fato, arrependido de tudo o que havia dito e que havia sido objeto do processo; agradecia a Deus por tê-lo aliviado em suas orações... Lamentou que devido à situação precária de sua mulher e filhos não tivesse condições de expiar seus pecados e ofensas a Cristo pelo resto de sua vida na prisão.
O cárcere escuro, úmido e terroso acabara com sua saúde... Pernas e rosto incharam quando adoeceu, quase perdeu a audição e, enfraquecido, ficou como que “zureta” das ideias... O quadro sensibilizou as autoridades e o escrivão registrou em ata que (o prisioneiro) “realmente, enquanto dizia essas palavras, demonstrava na aparência e na própria realidade estar ensandecido, sem forças no corpo e seriamente adoentado”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_28.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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