Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_26.html
antes de ler esta postagem:
Por quase dois anos
Menocchio permaneceu na prisão de Concordia... No início de 1586 (18/janeiro),
seu filho Ziannuto apresentou um pedido de súplica em nome da família ao bispo
Matteo Sanudo e ao inquisidor, o frade Evangelista... O documento, como não
podia ser de outra maneira, era redigido pelo próprio Menocchio.
Seu texto ressalta que não se tratava da primeira vez que o pobre
“Domenego Sacandella” se dirigia ao Santo Ofício pedindo súplica... Dessa vez,
era a necessidade que o forçava a implorar. E garantia que, sendo atendido,
cumpriria melhor a penitência pelos seus erros... Argumentou que já estava
muito debilitado por tanto tempo de encarceramento (já fazia três anos que
havia deixado sua casa devido ao processo e à condenação)... Seu sofrimento se
tornara demasiado, também, por conta das precárias condições da prisão... A
distância da família arrasava-o, e o empobrecimento de seus filhos obrigava-os
a abandonarem o próprio pai... Arrependido, e sofrendo muito, Menocchio
sintetizava a consequência de tamanho fardo: a morte certeira.
Pedia perdão a Deus e ao
tribunal do qual esperava que o libertasse... Comprometia-se a viver “nos
preceitos da Santa Igreja Romana” e a fazer as penitências impostas pelo Santo
Ofício... Desejava, finalmente, que Deus concedesse felicidade às autoridades
inquisitoriais.
O bispo de Concordia e o inquisidor do Friuli
resolveram que Menocchio devia deixar a prisão... Ginzburg explica que dessa
feita o prisioneiro havia sido auxiliado em seu texto por um advogado,
diferentemente das ocasiões anteriores, quando redigira sozinho a própria
defesa. Giovan Battista de’ Parvi era o carcereiro que teve de prestar
informações a respeito do proponente...
Os relatos de Parvi dão conta de que a prisão era “forte e segura”, além
de ser trancada “por três portas fortes e seguras”... Em toda Concordia não
havia cárcere “mais forte ou mais rude” do que aquele... O carcereiro dizia
isso como que querendo mostrar que cumpria exemplarmente sua função...
Menocchio havia se retirado da fortaleza poucas vezes: por ocasião da abjuração
(quando teve de dirigir-se à porta da catedral carregando uma vela); “no dia da
sentença, no dia da feira de Santo Estevão, e também para ouvir missa e comungar”...
Permanecia recluso e a Eucaristia era-lhe ministrada na prisão...
Invariavelmente às sextas-feiras jejuava, e houve ocasião em que adoeceu tão
gravemente (por causa dessa prática) que imaginaram que ele não sobrevivesse...
Parvi emendou dizendo que Menocchio insistia em que não lhe trouxessem “carne
ou outra coisa gorda” e, assim, alimentava-se só de pão durante algumas
vigílias... Seu relato surpreendia muito ao garantir que pudera ouvir o
prisioneiro rezando ou lendo o Officio dela
Madonna em diversas ocasiões... E não era só isso... Informou que Menocchio
havia solicitado uma imagem ao filho para que pudesse fazer suas orações...
O carcereiro apresentou um histórico positivo a respeito do
prisioneiro... Falou que ele havia lhe dito que sua condição de sofrimento se
devia aos pecados e erros contra Deus, e era a Ele a quem se dirigia,
agradecendo por ter durado tanto tempo naquelas condições tão adversas. Então,
para Parvi, Menocchio estava arrependido... Disse que ele se referia às suas
ideias do passado como “loucuras” que as tentações do diabo incutiram em sua
mente... O carcereiro finalizou com um “não se pode conhecer facilmente o
coração dos homens; só Deus é que pode”.
Conduzido à presença do bispo e do inquisidor, Menocchio atirou-se de
joelhos e pôs-se a chorar em súplicas... Disse que estava, de fato, arrependido
de tudo o que havia dito e que havia sido objeto do processo; agradecia a Deus
por tê-lo aliviado em suas orações... Lamentou que devido à situação precária
de sua mulher e filhos não tivesse condições de expiar seus pecados e ofensas a
Cristo pelo resto de sua vida na prisão.
O cárcere escuro, úmido e terroso acabara com
sua saúde... Pernas e rosto incharam quando adoeceu, quase perdeu a audição e,
enfraquecido, ficou como que “zureta” das ideias... O quadro sensibilizou as
autoridades e o escrivão registrou em ata que (o prisioneiro) “realmente,
enquanto dizia essas palavras, demonstrava na aparência e na própria realidade
estar ensandecido, sem forças no corpo e seriamente adoentado”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_28.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto