Cecília não deixou de notar os cuidados de Peri ao proteger o sítio onde ela se encontrava... Ficou observando o seu esmero até que ele desaparecesse... Pegou a flor que ele havia deixado e a contemplou... Apesar de admitir que o zelo do outro fosse impregnado de “inocente superstição”, sentiu que a alma dele estava mesmo bem próxima.
Novamente ela se viu refletindo sobre a sua condição... A estabilidade do seio familiar não voltaria, e o seu futuro era incerto... Restava Diogo, mas não tinha a menor ideia a respeito de seu destino. Era em Peri, seu “irmão de alma”, que concentrava todas as afeições perdidas...
(...)
Um tempo considerável se
passou (“a sombra das águas já beijavam as árvores do rio”) e Peri não havia
retornado. Cecília se assustou e decidiu chamá-lo... Ele respondeu, e pouco
depois apareceu com uma bela provisão (“araçás, jambos corados, ingás de polpa
macia, cocos de várias espécies, mel com perfumes deliciosos”...).
A
menina protestou da demora, mas o goitacá garantiu que sabia que ela havia
permanecido sossegada e, assim sendo, aproveitou para coletar o suficiente para
não ter de repetir a incursão no dia seguinte... Cecília quis saber se a
preocupação de Peri concentrava-se apenas no dia seguinte. Ele respondeu que pretendia
chegar aos “campos dos goitacá” e de lá, com as velozes igaras (canoas guarani)
ela seria levada para junto de sua tia (d. Isabel de Mariz).
Cecília
entendeu que no final das contas se separaria do amigo... Então perguntou se
ele queria abandoná-la. Peri respondeu que era um selvagem que não poderia
viver na “taba dos brancos”... Ela não conseguiu entender e perguntou o motivo,
já que ele também era um cristão, não haveria nenhum inconveniente... Peri
explicou que só havia se tornado cristão para salvá-la... Ressaltou que
morreria “selvagem como Ararê”.
A
menina quis dissuadi-lo dizendo que o ensinaria a respeito de “Deus, Nossa
Senhora, as suas virgens e os seus anjinhos”... Sendo assim, ele nunca
precisaria deixá-la.
Peri
quis fazê-la entender que aquilo jamais aconteceria, e deu o exemplo da flor
que ele havia deixado com ela no começo do dia... Estava murcha porque foi
retirada da planta... O mesmo ocorreria com ele na “taba dos brancos”; e com a
agravante de que ela mesma se sentiria envergonhada...
É
claro que Cecília não aceitava aquela opinião e se sentiu ofendida por isso...
Peri quis fazê-la entender que ela se diferenciava dos demais brancos...
Certamente os seus iguais o viriam como “escravo dos escravos”.
Depois
de ouvir com atenção as ponderações de Peri, Cecília entendeu a razão por trás
de suas palavras. Ali no deserto ele era “livre, grande, majestoso como um
rei”... Concluiu que ele estava certo, já que em meio aos brancos da cidade
seria tratado com desprezo. Então, ao mesmo tempo em que tinha medo de
perdê-lo, concordava com sua resolução.
Peri dispôs os alimentos que trouxera da mata. Embora
contasse com as munições que havia preparado para a fuga de d. Mariz, começou a
fazer um arco, sua arma favorita... Percebeu que Cecília sequer tocava nos
alimentos... Ela estava chorando copiosamente... O goitacá se sensibilizou e
pediu para ela não chorar, pois ela bem sabia que ele faria tudo o que lhe
pedisse... Permaneceria ao seu lado se essa fosse a sua vontade. Mas alertou
que muitos se voltariam contra ele... Sequer poderia defendê-la.
Cecília ouviu mais essas considerações de Peri e
percebeu que o seu “irmão de alma” tinha razão mais uma vez. Então respondeu
que não exigia nenhum sacrifício mais de sua parte.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-peri_24.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto