Cecília não exigiria que Peri se transferisse com ela para a “taba dos brancos”... Estava convencida a esse respeito... Ainda assim, ele deixou claro que faria qualquer coisa para que ela não mais chorasse.
Para mostrar que isso não seria motivo de preocupação, ela enxugou as lágrimas e partilhou dos alimentos que ele trouxe da mata... Ele mesmo ficou admirado com a mudança de comportamento da outra... Mas relevou porque o que mais lhe importava era o bem estar dela.
Aos poucos as expressões de Cecília voltaram a adquirir suas características de “encanto angelical”... Após a refeição, Peri voltou aos seus afazeres lidando com o arco e as canas selvagens que seriam transformadas em flechas. A menina aproximou-se da beira do rio, onde a canoa estava amarrada a uma moita de uvaias... Sentou-se e ficou a observar a correnteza ao mesmo tempo em que voltava a refletir sobre os últimos acontecimentos e a conversa com o amigo.
Às vezes Cecília fechava os olhos e seus lábios faziam uma movimentação involuntária... Pensava situações que saíam do fundo de seu coração até que levantou a fronte resoluta... Olhou para o céu e, cheia de fervor, pediu a Deus que a perdoasse e, ao mesmo tempo, que lhe desse força e esperança para “uma boa ação que ia praticar”.
(...)
Peri interrompeu o que fazia ao notar que “as sombras da terra já se
deitavam sobre o leito do Paraíba”... Aproximou-se de Cecília, mas ela
antecipou-se e colocou-se à sua frente... Ela lhe pediu que trouxesse “muito
algodão” e “uma pele bonita”... O índio quis saber qual era o motivo daquela
“encomenda” e ouviu que do algodão ela faria um vestido, enquanto que a pele
deveria servir para proteger os seus pés... A menina explicou que aqueles
procedimentos serviriam para que ela pudesse acompanhá-lo nas incursões pela floresta.
É claro que Peri se espantou com o que ouviu, mas foi
ao ver a canoa sendo levada pela correnteza que gritou e se precipitou em
direção à margem... Cecília revelou que ela mesma havia soltado a embarcação, e
completou garantindo que não precisariam mais dela... Evidenciando as
conclusões de suas reflexões, esclareceu que, como não seria possível viverem juntos
na cidade, ela se dedicaria à vida com ele na floresta...
(...)
Vamos entender um pouco das reflexões de Cecília:
A menina não conseguia vislumbrar mais nenhum laço que a prendesse ao “mundo
civilizado”. Sentia-se, mesmo, “filha desses campos, criada com seu ar puro e
livre, com as águas cristalinas”... A cidade era uma realidade muito remota
para ela... Tinha apenas cinco anos quando se transferiu do Rio de Janeiro para
o casarão do Paquequer (onze anos haviam se passado), e era o campo que
aparecia em suas recordações dos belos dias... Portanto, Cecilia sentia que
pertencia “mais ao deserto do que à cidade”; “seus hábitos e seus gestos
prendiam-se mais às pompas singelas da natureza, do que às festas e às galas da
arte e da civilização”.
Também fez parte de seu raciocínio o restarem-lhe
apenas dois entes que amava e que a amavam... Não poderia conviver com Diogo e
Peri. Então, entre os dois irmãos, decidiu que deveria permanecer com o “irmão
de alma”, que era quem “só vivia por ela”... Tudo Peri havia abandonado
(passado, presente, futuro, religião...) para viver por ela... Concluiu que d.
Diogo, seu irmão de sangue, havia herdado o nome de d. Mariz e escolheria uma
esposa para prosseguir com ela em sua existência... E, além de tudo isso,
Cecília levou em conta a possibilidade de devotar-se a Peri e ensinar-lhe a fé
cristã.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-o-goitaca_25.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto