Estamos no ponto em que Robert e Henri conversavam acerca do lançamento da bomba sobre Hiroshima... Também a respeito do peso que a guerra exercera sobre sua geração... Já que não havia como refletir sobre o desastre, quem seriam os culpados pelos prolongados anos de carnificina? O fato de os Estados Unidos possuírem a tecnologia deixaria a Rússia comunista acuada?
Dubreuilh entendia que o mundo se dividiria após aqueles acontecimentos... Lamentava, apesar de considerar os comunistas odiosos, a divisão que se processava no interior do movimento socialista na França... Não admitia a extinção do SRL (como desejavam os comunistas), mas considerava necessário manter a união, pois o PC francês era o “único grande partido proletário do país”.
(...)
Enquanto Dubreuilh debruçava-se sobre seus manuscritos, Henri decidiu
ler...
Aliás, era isso mesmo o que
vinha fazendo desde que interrompera a produção de seu “texto alegre”. Ele lia
a respeito de diversos assuntos, e sempre chegava aos temas sociais... Havia
lido sobre as “centenas de milhares de esfaimados” da China e da Índia. O rapaz
refletiu sobre sua tendência em “tratar as pessoas como coisas”... Na França e
Europa como um todo havia condição de vida satisfatória, autonomia e lucidez
incomparáveis à situação dos miseráveis (de China e Índia)... Não era possível
tratá-los como sujeitos em pé de igualdade em relação aos ocidentais...
Henri concluía que “o necessário é dar-lhes de comer”.
Para ele, as expectativas não eram das melhores... Vislumbrando a hegemonia norte-americana
no pós-guerra, concluía que aos miseráveis do oriente reservava-se a
“subalimentação”... O rapaz considerava que a única saída para eles se livrarem
da escravidão e do atraso seria a URSS... Assim, a potência comunista deveria
ser apoiada.
Ele
arrematava:
“Quando
milhões de homens não passam de animais perdidos de necessidades, o humanismo é
irrisório e o individualismo, uma sujeira.”
É
claro que, intimamente, Henri pretendia uma condição existencial em que a
pessoa pudesse viver como bem entendesse... Mas julgava que, no cenário que se avizinhava,
isso seria impossível; então (continuou em suas reflexões) àqueles que estavam
reduzidos a “coisas” a saída, talvez, fosse renunciar a liberdade e pertencer a
um grande partido que expressasse a “vontade coletiva”...
O
conflito intelectual produzido por essas reflexões era que ele próprio não
podia “pensar naquilo em que não se pensa, querer o que não se quer”... Henri
era um idealista, mas abominava o partido... E definia assim o seu “problema
concreto”: “Sua adesão (ao partido) não proporcionaria um só grão de arroz a um
único indivíduo hindu”.
(...)
Certa
vez os três amigos almoçaram numa aldeia próxima a Aigoual... Uma intensa
tempestade derrubou as bicicletas e acabou arrastando duas sacolas... Numa
delas estavam os manuscritos de Robert, que recuperou-os em meio à lama... Ele
teve a paciência de limpá-los, secá-los e reescrever os trechos que mais se
danificaram...
Henri admirava o zelo do amigo em escrever,
principalmente porque ele mesmo havia abdicado de seu projeto...
É evidente que Henri
sentia falta daquele exercício... Num café de Valence, perguntou a Robert se
podia ler o que havia produzido até então... Dubreuilh explicou que estava
escrevendo sobre cultura, e que as questões giravam em torno dos motivos de
alguns tipos falarem de si o tempo todo; ao passo que havia os que se
consideravam porta-vozes dos demais... Seu problema consistia em apresentar reflexões
sobre o intelectual... Afinal, ele é uma “espécie à parte” ao “falar em nome
dos outros”? E a humanidade, “pode reconhecer-se na imagem que faz de si mesma”?
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-para.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto