Mais do que “compreender o mundo”, Henri sentia que tinha a necessidade de “recriá-lo” com palavras... Em vez de um papel em branco, preferiu tirar de sua sacola “um livro já feito”.
Dubreuilh justificava que sua insistência (com o amigo) se devia à sua percepção de que em breve a juventude se sentiria mais atraída por livros elaborados pela direita (cita Volange)... Henri discordou dizendo que a juventude “não aprecia os vencidos”... A conversa se encerrou com o esclarecimento do rapaz, garantindo que ainda retornaria aos textos literários.
(...)
Os amigos tinham ainda mais três dias de passeios até
que retornassem a Paris. A conversa com Robert fez Henri pensar sobre os
estudos que iniciava... Seu plano era concluir, em um ou dois anos, uma síntese
(um “embrião”) acerca de cultura política que lhe daria o embasamento teórico
do qual sentia tanta falta.
(...)
No dia seguinte voltaram a pedalar, e Henri decidiu ficar para trás a
pensar sobre o seu futuro... Era com sinceridade que esperava não reencontrar
Paule (ela também havia se retirado por algum tempo de Paris)...
O dia estava bem quente e ao chegar a uma clareira notou
uma cabana destruída por incêndio... A tristeza abateu-se sobreo rapaz... A
ausência de ruídos de animais o intrigou... A rigor ele ouvia apenas o barulho
que o pneu da bicicleta provocava no cascalho.
Anne e Robert estavam observando sete cruzes brancas... Perron os
alcançou e viu que elas não apresentavam flores ou nomes. Estavam no Vercors, belíssima
região montanhosa de “florestas transparentes”, muito quente e úmida. Dali,
tiveram de andar a pé e empurrar as bicicletas. Enquanto caminhavam, pensavam
que nem mesmo aquele lugar remoto escapou dos horrores da guerra... Anne
anunciou o desfiladeiro e, sem dúvida, o novo trecho, apesar de pedregoso,
apresentou-se mais confortável...
Notaram uma aldeia e surpreendeu-os o som de um clarim... Na estrada
principal puderam ver caminhões e carros militares, além de carretas. Logo
entenderam que se tratava de uma festa militar... Um deles disse que no hotel
ouvira comentários alusivos ao evento. É certo que não gostariam de topar com
aquilo, mas também não tinham como retornar à montanha.
Desceram e viram que a aldeia estava queimada. Num jardim havia cruzes
ornamentadas com flores vermelhas... Uma banda acompanhava um desfile de
soldados senegaleses... As pessoas se retiraram logo após os militares se
recolherem aos caminhões. Elas vestiam preto, estavam de luto e haviam chegado
de aldeias e povoados circunvizinhos.
Todos procuravam sombras de árvores ou se aproximavam das paredes
queimadas para que pudessem se proteger do forte calor... Seus mortos haviam
sido enterrados e homenageados com discursos e flores... Estavam prontos para
se refestelar com vinho e pão...
Anne manifestou sua
preocupação em ocupar algum lugar à sombra, pois os três estavam exaustos e a
poeira esbranquiçada que subia atrás dos caminhões que seguiam para o vale não
os animavam a seguir caminho... Eles viram que as pessoas se acomodavam numa
grande mesa posicionada sob uma árvore... Umas empurravam às outras na disputa
por um assento. Serviam-lhes basicamente purê de batata, carne mal assada, pão
e vinho...
Eles também se acomodaram. Não sem esforço, Henri colocou-se à frente de
Dubreuilh, ao lado de uma mulher com pesados véus... Os olhos dela estavam
cheios de vermelhidão e tersóis que repeliam um excremento que caia no próprio
prato. Algo medonho de se presenciar...
O silêncio dos presentes fez Henri lembrar-se
dos enterros de seus tempos de criança no interior.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-um.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto