Anne pôde deitar-se sobre sua capa, enquanto Robert dedicou-se aos seus papéis com cheiro de lama e marcados por manchas que lembravam lágrimas.
Henri preferiu descansar encostado num tronco de árvore sem poder cochilar ou refletir sobre “instrução política”... Nada lhe parecia merecer considerações... “partidos políticos franceses, a economia do Don, o petróleo do Irã, os problemas da URSS” eram todos “coisas do passado”. O tempo que se iniciava apresentava novas questões que não estavam previstas nos livros... SRL, L’Espoir e a atuação de seu grupo pareciam irrisórios, uma “brincadeira fúnebre” ante os enfrentamentos necessários (e que se descortinavam) contra a energia atômica... Valeria a pena escrever ou realizar comícios? O futuro se avizinhava incerto e ameaçado pelo poder de destruição a que os cientistas e técnicos haviam se dedicado...
(...)
Henri despertou desses pensamentos agitados e sentiu o calor do dia...
Anne permanecia em repouso, enquanto Dubreuilh “escrevia que a gente tem razão
para escrever”... Dois camponeses vestidos de preto passaram por ali...
Carregavam rosas vermelhas.
(...)
Henri voltou a pensar nos
mortos da incendiada Saint-Roch; suas cinzas recebiam flores? O tempo remediaria
as dores da perda, e logo todos seriam esquecidos... O sangue derramado
anteriormente era celebrado com vinho barato e “discretamente salgado de
lágrimas”... As viúvas teriam amado os seus maridos? Haveria algum sentido nas
fanfarras ou discursos? Aquelas sofridas mulheres acabavam participando dos
eventos em nome de sua aldeia e de seu país... O véu negro cobriria os seus
rostos, e elas carregariam as flores vermelhas... O que teria ocorrido à viúva
do “sem olhos” enforcado de Saint-Denis?
Essas reflexões incomodavam Henri, que havia decidido
não mais escrever.
(...)
Antes de Paule, Henri retornou a Paris. Ele decidiu instalar-se próximo
a L’Espoir e alugar um quarto bem de frente ao jornal...
Resolveu que suas memórias (daqueles dias de passeios
pelo interior do país, e que o colocaram em contato com o calor pesaroso; da
multidão miserável e mutilada que celebrava com vinho e flores os seus mortos) iriam
servir-lhe de “pano de fundo” para uma peça teatral... Então podemos dizer que
em pouco tempo estava decidido a retornar à produção textual, mais precisamente
à dramaturgia.
Enfim, concluiu, “sempre houve ruínas, sempre houve razões para não se
escrever, mas elas perdem o peso quando o desejo de escrever nos retorna”.
(...)
Paule não criou caso a respeito da decisão de Henri deixar o estúdio
porque combinaram que ele alternaria suas noites entre os dois ambientes... Mas
a primeira noite foi insuportável para ela. Henri percebeu isso quando notou
suas profundas olheiras, então se comprometeu a não proporcionar novos dramas
para ela.
(...)
O jornal não andava bem das pernas. Havia dívidas que deviam ser
sanadas. Luc cuidava das finanças e tranquilizava o amigo a respeito dos
pagamentos... Henri considerava um milagre o fato de a tiragem não aumentar e,
mesmo assim, o outro garantia que não havia motivos para pânico porque existia “um
contrato de publicidade” que quitaria as dívidas mais urgentes...
Henri manifestava satisfação... A estadia no
interior e as pedaladas junto a Anne e Robert lhe fizeram muito bem... Decidiu
que poderia voltar a escrever e ao que tudo indicava, após a conversa com Luc, L’Espoir sobreviveria. Notava que o SRL vinha ganhando algum terreno... Além
do mais, os desentendimentos com os comunistas tinham cessado (enfim,
conviviam)... O texto cita o apoio unânime a Maurice Thorez (na disputa contra
De Gaulle), histórico comunista francês (1900-1964).
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/11/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_4.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto