Estamos no ponto em que Dubreuilh conversava com Samazelle a respeito das informações coletadas a respeito de George Peltov, que apareceria para esclarecer o dossiê apresentado por Sacriassine... Como sabemos, Henri e Lambert tinham acabado de chegar para a reunião.
(...)
Para Dubreuilh, se a identidade do denunciante estava devidamente
comprovada, o mesmo não se podia dizer em relação ao seu caráter... Samazelle
insistiu que as informações contidas no dossiê eram precisas e que os russos
reconheciam “a existência dos campos e o internamento administrativo”.
Dubreuilh quis saber quantos homens estavam nesses campos... Lambert interveio
e afirmou que quando estivera na Alemanha no ano anterior ficou sabendo
(através de boatos, é verdade) que o número de prisioneiros em Buchenwald
aumentou muito depois da libertação promovida pelos russos... A totalidade
girava em torno de quinze milhões... Samazelle considerou a quantidade
moderada.
Henri sentiu-se incomodado
ao ouvir os dados estimados do número de perseguidos pelo regime comunista...
Era muita coisa que os opositores falavam... Sem dar muito crédito folheou o
dossiê... Na verdade não confiava plenamente em Scriassine... Todavia o fato
estava posto, pois o ex-funcionário era real e até Dubreuilh “levava o caso a sério”...
(...)
Henri refletiu sobre o seu dia marcado pelo
confortável e luxuoso almoço no “Iles Borromées” com Josette e os tipos da
imprensa ilustrada... Enquanto aquilo ocorria (em todos os cantos da terra)
“homens estavam sendo explorados, sofriam com a fome e eram assassinados”...
(...)
De repente Scriassine chegou om o tipo “de cabelos pretos e prateados”,
“de rosto tão imóvel como o de um cego de nascença”... George Peltov era alto e
“vestia-se impecavelmente”...
Scriassine o apresentou pelo primeiro nome, observou o
escritório e fez perguntas sobre a segurança do lugar e sobre os moradores do
andar de cima... Dubreuilh explicou que o vizinho era “professor de piano”, um
tipo “inofensivo”... Os moradores de baixo estavam viajando... Depois de
acomodados, Scriassine disse que George podia falar em alemão ou em russo,
resumiria e comentaria os documentos que trazia... Como a “questão dos campos
de trabalho” era a mais “terrificante”, iniciaria por ela...
(...)
Lambert disse que não haveria problema se o dissidente falasse em alemão
porque ele estava disposto a traduzir... Scriassine transmitiu isso e Peltov
pôs-se a falar... Mergulhou para dentro de si e, como se estivesse tendo
visões, manteve o olhar fixo, falando apaixonadamente...
Lambert seguiu traduzindo... Fez entender que o outro dizia que os
campos de trabalho não eram algo acidental que algum dia seria abolido... Os
investimentos do Estado soviético exigiam excedentes que só podiam ser obtidos
a partir de “trabalho suplementar”... Assim, diminuir o recrutamento de trabalhadores
livres significaria (evidentemente) diminuir a produtividade... Essa situação
propiciou a formação de um sub-proletariado que recebia “um estrito mínimo
vital” em troca do “trabalho máximo”... É claro, garantia Peltov, isso só era
possível “mediante um sistema concentracionista”.
Peltov prosseguia seu depoimento, Lambert ia
traduzindo e todos o ouviam com atenção... Na sequência, o dissidente tratou
dos abusos em relação ao “trabalho corretivo”... Este existia desde o início do
regime, mas foi a partir de 1934 que a NKVD passou a dar ordens para o
internamento em campos de trabalho por períodos de até cinco anos... As penas
maiores passavam por “julgamento preliminar”... Entre 1940 e 1945 houve certo
esvaziamento desses campos para engrossar o exército... Muitos morreram de
fome... Após a guerra eles voltaram a ser povoados.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_10.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto