Enquanto falou com Harry Bryant, Deckard nem percebeu que Iran iniciara fusão com Mercer...
Depois que desligou o vidfone, ele notou a mulher extasiada sobre a caixa de empatia... Obviamente ela não detectou sua aproximação, nem mesmo quando foi tocada por ele.
Se Iran não deu conta da presença de Rick, ele pôde sentir toda vibração que emanava de seu interior... Mais que isso, pôde contemplar Mercer em sua escalada pela colina. Deckard viu que uma pedra passou próxima.
Ao menos passou a ter condições de refletir sobre a própria condição à luz do sofrimento de Mercer... Tal como o “iluminado”, ele também sofria... Mas não havia como não comparar... Mercer sofria sem jamais ter de “violar a própria identidade”.
(...)
Deckard retirou as mãos de Iran e ele mesmo assumiu os manetes da escura
caixa... Não havia intenção racional em sua atitude, mas foi assim mesmo,
impulsivamente, que passou a fazer parte da fusão... Há quanto tempo não
participava daquele ritual?
(...)
O que Deckard experimentou?
Ele viu a paisagem desolada e pôde sentir o cheiro das flores... Tudo
era deserto... Aridez.
Rick chamou o velho pelo nome. Wilbur Mercer o respondeu, disse que era
amigo, e que o “recém-chegado” não podia interromper o que havia iniciado (a
fusão? Seus compromissos da vida real?).
Mercer estendeu-lhe as mãos vazias e prosseguiu afirmando que Deckard
não podia levá-lo em consideração... Quer dizer que, em sua jornada, passaria
pelo processo que todo adepto do mercerismo suportava, mas sem considerar o “mestre”
e a sua presença.
De fato, as descrições
anteriores sobre a “fusão com Mercer” não apresentaram nenhum diálogo entre
discípulo e mestre.
É claro que Deckard não podia entender as orientações que recebia...
Mesmo assim disse que precisava se salvar. Parecia suplicar.
A resposta de Mercer foi
surpreendente (ou nem tanto, se considerarmos que cada um experimentava uma “fusão
pessoal”). Ele sorriu e disse que “não há salvação”, pois nem ele mesmo poderia
salvar-se...
Deckard quis saber, então,
por que o mercerismo, a fusão e todos aqueles sacrifícios existiam... O líder
espiritual respondeu que tudo aquilo servia para mostrar que os viventes não
estavam sozinhos naquele mundo sem perspectivas...
Vemos Rick
perguntando por que deveria prosseguir...
Somos tentados a imaginar que ele quer saber do ritual, mas ele se
refere ao seu ofício de “caçador de androides” e às suas vacilações...
Mercer diz que Deckard deve
seguir em frente, concluir sua tarefa mesmo sabendo que é errado... Ele o
acompanharia qualquer que fosse a situação.
Deckard quis saber por que devia ser assim... Falou
que largaria o trabalho e que emigraria.
O velho sentenciou que de qualquer modo ele seria convocado para fazer
coisas erradas... Essa “é a condição básica da vida, ser obrigado a violar a
própria identidade”.
Mercer prosseguiu dando a sua orientação e, assim,
expondo sua filosofia... Mostrou a Deckard que todos os viventes, em algum
momento e em qualquer parte do universo, passam por situações como aquela que o
angustiava... Não havia como se esquivar, pois isso é como que um “defeito da
criação; é a maldição em curso, a maldição que alimenta toda vida”.
Então Deckard quis saber se tudo o que o mestre tinha a dizer era
aquilo... Mas nenhuma palavra a mais foi proferida... Em vez disso, uma pedra
estava para atingi-lo em cheio. Ele se abaixou e não conseguiu evitar que a
orelha recebesse o choque. Sua reação imediata foi largar os manetes... Então
viu-se novamente rodeado pelos objetos da sala.
A cabeça doía e o sangue jorrava do local atingido... Iran estava junto
a ele e o ajudou com um lenço... Ela agradeceu por tê-la substituído quando tomou
posse dos manetes, pois não suportaria a pedrada.
Deckard estava tonto... Pegou o lenço e foi se
retirando... Disse que tinha três trabalhos para concluir.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/11/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_29.html
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto