“Renunciar à possibilidade de manifestar-se através da produção textual e, por extensão, à oportunidade de agregar os que se identificam politicamente”...
Em síntese, foi isso o que Robert anunciou à esposa.
Os pensamentos de Anne carregaram-se de lamentos também por causa da “aposentadoria” de Dubreuilh... Sua decisão o colocaria na mesma condição dos demais: “viver para comer; comer para viver”...
Mas não era exatamente desse vazio existencial que procuraram se distanciar durante toda a vida?
(...)
Alguns dias se passaram sem que Anne conseguisse se livrar daquelas
reflexões amargas...
Certa manhã foi surpreendida por um entregador que trazia-lhe
belas rosas vermelhas... No buquê havia uma carta de Paule anunciando sua
felicidade.
No começo da mensagem ela grafou “Lux”, pois queria dar a entender que
agora “enxergava tudo mais claramente”... Por isso enviava as rosas, por isso a
aguardava para uma visita à tarde.
Robert notou no mesmo instante que a moça não devia estar bem... Sugeriu
à esposa que a encaminhasse ao Mardrus (reconhecido médico e escritor
psicanalista de origem árabe radicado na França)...
Anne respondeu que não seria nada fácil convencê-la.
(...)
Chegando ao estúdio, Anne foi recebida por Paule trajando um daqueles
vestidos longos e casuais... Seus cabelos estavam soltos e enfeitados por uma
rosa.
Todo o apartamento estava
enfeitado de rosas... Também no vestido, na altura do coração, podia se ver uma
daquelas flores. Ela foi dizendo que Anne era muito gentil e, como se estivesse
se desculpando, acrescentou que tinha sido repugnante com ela...
Anne respondeu que era ela
quem devia agradecer pelas belas flores.
Paule explicou que
aquele era um grande dia em sua vida, pois em breve Henri chegaria para reatar
o relacionamento.
Essas palavras soaram estranhas aos ouvidos de Anne... Para ela, se
Henri aparecesse seria por caridade...
Mesmo sem acreditar na
visita, Anne recuou e disse que Paule não devia convidá-la porque sabia que
Henri ficaria furioso se a visse... Já próxima à porta, completou que
retornaria no dia seguinte...
Paule implorou para que ela não se fosse... Dirigiu-se
à cozinha, de onde saiu com uma garrafa e duas taças... Abriu a garrafa e disse
que “beberiam ao futuro”... Explicou que passara a noite tentando descobrir o
que havia acontecido de errado para que sua relação com Henri chegasse àquele
ponto...
(...)
Anne percebeu que a moça estava com sérios problemas de saúde mental...
Não havia dúvidas de que ela permanecera acordada por muitas noites...
(...)
Paule seguiu dizendo que havia refletido sobre suas
férias na Borgonha junto ao pessoal de Claudie Bezunce...
Para ela, estava claro que cometera grave erro ao enviar postais ao
Henri...
Ela dizia essas coisas sem esconder sua satisfação por ter “desvendado”
a trama da qual ela e o amado eram vítimas... Sua conclusão era a de que Henri estava
sofrendo de ciúmes... E isso porque, durante o tempo em que estiveram
afastados, ela ousou arrumar-se e cometer certas extravagâncias...
(...)
A cada palavra de Paule, Anne convencia-se de que fizera bem em
permanecer... Via-se que a moça estava delirando e que precisava de tratamento
urgente.
(...)
Falava sobre o postal que enviara para Henri quando bateram à porta...
Anne levantou-se para atender... Em vez de Henri, uma senhora carregando um
cesto queria saber do paradeiro da zeladora do prédio, pois precisava castrar o
seu gato.
Anne explicou que a clínica se localizava no térreo e fechou a porta... É
claro que a situação foi engraçada, mas ao virar-se para Paule viu que ela
estava irritada com o engano cometido pela mulher... O que significava aquilo?
Bater à sua porta quando aguardava ansiosamente por Henri?
Anne quis acalmá-la ao
dizer que foi apenas um acaso... Sorriu e pediu para ela voltar a falar sobre o
postal que enviara para Henri.
(...)
Visivelmente desanimada,
Paule explicou que lhe escreveu que as pessoas diziam que ela se parecia com
aquelas paisagens do cartão.
De acordo com o seu
raciocínio, Henri teria entendido a mensagem como uma revelação sobre uma
suposta aventura amorosa...
Anne pediu que ela explicasse sobre como havia chegado àquela
conclusão... Então Paule respondeu que (“dizem que”) quando alguém compara uma
mulher a uma paisagem é porque se trata de um amante.
(...)
Ela prosseguiu relatando
sobre suas reflexões acerca da temporada no castelo de Belzunce e contou que
enviou outro postal para Henri... Dessa vez a imagem era do parque ”com um
tanque no centro”...
Para ela seu raciocínio era bem fundamentado, e
destacou que a própria Anne havia lhe ensinado tempos atrás que “fontes,
represas rasas e tanques” são símbolos psicanalíticos... Então (agora) estava
claro! Henri deve ter entendido que ela tinha mesmo um amante... E o fato de
Louis Volange ser um dos hóspedes de Belzunce devia amargurá-lo
profundamente... Não era por acaso que vinha reagindo com sadismo.
(...)
Paule havia enviado recado a Henri contando-lhe aquelas suas
conclusões... É por isso que o aguardava ansiosamente...
Anne sabia que o rapaz não
apareceria... Pensava sobre isso e tentava avaliar a saúde mental de Paule...
Era bem provável que ela também soubesse que Henri não a visitaria... Talvez
por isso insistisse para que ela não fosse embora...
Ao menos por piedade (Anne pensou), Henri
poderia aparecer...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-de.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto