terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – nova visita de Anne a Paule; de delírios, raciocínios esquizofrênicos e conclusões equivocadas

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_26.html antes de ler esta postagem:

“Renunciar à possibilidade de manifestar-se através da produção textual e, por extensão, à oportunidade de agregar os que se identificam politicamente”...
Em síntese, foi isso o que Robert anunciou à esposa.
Os pensamentos de Anne carregaram-se de lamentos também por causa da “aposentadoria” de Dubreuilh... Sua decisão o colocaria na mesma condição dos demais: “viver para comer; comer para viver”...
Mas não era exatamente desse vazio existencial que procuraram se distanciar durante toda a vida?
(...)
Alguns dias se passaram sem que Anne conseguisse se livrar daquelas reflexões amargas...
Certa manhã foi surpreendida por um entregador que trazia-lhe belas rosas vermelhas... No buquê havia uma carta de Paule anunciando sua felicidade.
No começo da mensagem ela grafou “Lux”, pois queria dar a entender que agora “enxergava tudo mais claramente”...  Por isso enviava as rosas, por isso a aguardava para uma visita à tarde.
Robert notou no mesmo instante que a moça não devia estar bem... Sugeriu à esposa que a encaminhasse ao Mardrus (reconhecido médico e escritor psicanalista de origem árabe radicado na França)...
Anne respondeu que não seria nada fácil convencê-la.
(...)
Chegando ao estúdio, Anne foi recebida por Paule trajando um daqueles vestidos longos e casuais... Seus cabelos estavam soltos e enfeitados por uma rosa.
Todo o apartamento estava enfeitado de rosas... Também no vestido, na altura do coração, podia se ver uma daquelas flores. Ela foi dizendo que Anne era muito gentil e, como se estivesse se desculpando, acrescentou que tinha sido repugnante com ela...
Anne respondeu que era ela quem devia agradecer pelas belas flores.
Paule explicou que aquele era um grande dia em sua vida, pois em breve Henri chegaria para reatar o relacionamento.
Essas palavras soaram estranhas aos ouvidos de Anne... Para ela, se Henri aparecesse seria por caridade...
Mesmo sem acreditar na visita, Anne recuou e disse que Paule não devia convidá-la porque sabia que Henri ficaria furioso se a visse... Já próxima à porta, completou que retornaria no dia seguinte...
Paule implorou para que ela não se fosse... Dirigiu-se à cozinha, de onde saiu com uma garrafa e duas taças... Abriu a garrafa e disse que “beberiam ao futuro”... Explicou que passara a noite tentando descobrir o que havia acontecido de errado para que sua relação com Henri chegasse àquele ponto...
(...)
Anne percebeu que a moça estava com sérios problemas de saúde mental... Não havia dúvidas de que ela permanecera acordada por muitas noites...
(...)
Paule seguiu dizendo que havia refletido sobre suas férias na Borgonha junto ao pessoal de Claudie Bezunce...
Para ela, estava claro que cometera grave erro ao enviar postais ao Henri...
Ela dizia essas coisas sem esconder sua satisfação por ter “desvendado” a trama da qual ela e o amado eram vítimas... Sua conclusão era a de que Henri estava sofrendo de ciúmes... E isso porque, durante o tempo em que estiveram afastados, ela ousou arrumar-se e cometer certas extravagâncias...
(...)
A cada palavra de Paule, Anne convencia-se de que fizera bem em permanecer... Via-se que a moça estava delirando e que precisava de tratamento urgente.
(...)
Falava sobre o postal que enviara para Henri quando bateram à porta... Anne levantou-se para atender... Em vez de Henri, uma senhora carregando um cesto queria saber do paradeiro da zeladora do prédio, pois precisava castrar o seu gato.
Anne explicou que a clínica se localizava no térreo e fechou a porta... É claro que a situação foi engraçada, mas ao virar-se para Paule viu que ela estava irritada com o engano cometido pela mulher... O que significava aquilo? Bater à sua porta quando aguardava ansiosamente por Henri?
Anne quis acalmá-la ao dizer que foi apenas um acaso... Sorriu e pediu para ela voltar a falar sobre o postal que enviara para Henri.
(...)
Visivelmente desanimada, Paule explicou que lhe escreveu que as pessoas diziam que ela se parecia com aquelas paisagens do cartão.
De acordo com o seu raciocínio, Henri teria entendido a mensagem como uma revelação sobre uma suposta aventura amorosa...
Anne pediu que ela explicasse sobre como havia chegado àquela conclusão... Então Paule respondeu que (“dizem que”) quando alguém compara uma mulher a uma paisagem é porque se trata de um amante.
(...)
Ela prosseguiu relatando sobre suas reflexões acerca da temporada no castelo de Belzunce e contou que enviou outro postal para Henri... Dessa vez a imagem era do parque ”com um tanque no centro”...
Para ela seu raciocínio era bem fundamentado, e destacou que a própria Anne havia lhe ensinado tempos atrás que “fontes, represas rasas e tanques” são símbolos psicanalíticos... Então (agora) estava claro! Henri deve ter entendido que ela tinha mesmo um amante... E o fato de Louis Volange ser um dos hóspedes de Belzunce devia amargurá-lo profundamente... Não era por acaso que vinha reagindo com sadismo.
(...)
Paule havia enviado recado a Henri contando-lhe aquelas suas conclusões... É por isso que o aguardava ansiosamente...
Anne sabia que o rapaz não apareceria... Pensava sobre isso e tentava avaliar a saúde mental de Paule... Era bem provável que ela também soubesse que Henri não a visitaria... Talvez por isso insistisse para que ela não fosse embora...
Ao menos por piedade (Anne pensou), Henri poderia aparecer...
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas