Anne conseguiu encaminhar Paule para tratamento com o doutor Mardrus... Sua recuperação era uma questão de tempo.
Pelo menos Anne pensava dessa maneira.
(...)
Enfim, depois de tantas
situações tensas, ela viu o mês de maio chegar... A primavera proporcionou-lhe
também o reencontro com o amado Lewis Brogan.
A partida para a América foi emblemática... A pequena
e velha aeronave saíra de Atenas e estava carregada de mercadores gregos falantes
e suas bugigangas... Anne não conseguira firmar um pensamento sobre o que fazia
naquele voo quando foi surpreendida pela notícia de que um dos motores estava
avariado... Já em pleno oceano, a máquina teve de retornar para a Irlanda e
pousar no aeroporto de Shannon.
Os passageiros aguardaram por dois dias até nova decolagem... Ao
aterrissarem nos Açores ocorreu novo acidente, dessa vez foi um pneu que estourou...
Mais vinte e quatro horas se passaram até que a viagem pudesse prosseguir... Tormentas
exigiram novo traçado e o piloto seguiu para a Nova Escócia... O final foi sem
maiores tropeços...
(...)
Anne teve a impressão de avistar Lewis... Mas
evidentemente aquele tipo de colarinho duro e óculos dourados não poderia ser
ele... Inclusive porque ela não teve o menor impulso de gritar o seu nome ou
sair em disparada em sua direção.
Evidentemente os atrasos
impossibilitaram a recepção...
Ao constatar que não era aguardada no aeroporto, Anne vacilou em seus
pensamentos e imaginou que, talvez, não estivesse tão ansiosa por revê-lo.
Entrou num táxi e comunicou o endereço ao motorista, mas ela não tinha
certeza a respeito do número da residência, então disse 1211... Ela viu que o
tipo percorria longas distâncias e passava por paisagens muito semelhantes, com
“trilhos e terrenos vagos”.
Nem mesmo poderia telefonar porque havia esquecido o número... De
repente o taxista anunciou que a casa 1211 simplesmente não existia... Talvez a
numeração tivesse sido alterada... Mas não adiantaria insistir...
Novas tentativas e Anne
parecia se lembrar de certas paragens, como um viaduto, um lago... De repente avistou
o letreiro em vermelho no qual se lia Schiltz... Pronto. Enfim chegara aonde
tanto queria; o lugar que mantivera seus pensamentos inquietos no último ano...
O motorista explicou que o número era 1112.
(...)
Lewis a aguardava ao seu
modo. Na cabeça trazia um boné de basebol (casquete, de acordo com o texto)...
Abraçaram-se e trocaram palavras felizes sobre a alegria do aguardado reencontro...
Evidentemente, para o casal, havia sido uma demorada espera.
Anne reconheceu o
ambiente, a cozinha amarela, a coberta mexicana... Tudo como antes. Depois
falou sobre a sua preocupação do momento em que chegou ao aeroporto quando, em
vez dele, avistou um estranho sósia... Lewis disse que também se sentira
atormentado há umas duas horas, quando chegou um carro à vizinhança trazendo
uma mulher que parecia desmaiada ou morta...
Mas agora tudo estava bem... Os amantes estavam juntos e podiam saciar toda
a sua vontade contida... Deitaram-se, abraçaram-se, beijaram-se... Havia planos
para a temporada.
As palavras de Lewis eram
carinhosas e revelavam que, noite após noite, ele a aguardara.
De acordo com as palavras da própria Anne, o casal
passou o dia seguinte “fazendo as malas e amando”... Só na outra manhã é que pegaram
um trem até o rio Ohio para o passeio no barco a vapor.
(...)
A atmosfera era esplêndida, o céu maravilhoso... As estrelas sobre
Cincinnati pareciam brilhar apenas para eles... Enfim Anne vivenciava tudo o que
desejou enquanto aquele dia tardava a chegar... É como se estivessem “unidos
para sempre”. Lewis também manifestou que aqueles momentos eram muito mais do
que sempre quisera para si mesmo.
Os passageiros brincavam o bingo e se divertiam com a
competição amistosa... Anne sentia-se como se tivesse “apenas vinte anos de
idade e curtisse sua primeira viagem”...
A descida do Ohio e do Mississipi levou seis dias... Havia os locais
específicos para descerem e assim podiam caminhar afastados dos demais...
Liam e fumavam... Conversavam ou nada faziam
enquanto contemplavam as águas e as fazendas distantes... O barulho monótono do
motor era uma constante, porém Anne não desejava que os dias fossem diferentes.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-de_3.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto