terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – a harmoniosa família de Murray; reflexões sobre o “pequeno sonho de felicidade doméstica”; aspirações de um e da outra

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_16.html antes de ler esta postagem:

Anne ainda perguntou se Lewis se arrependia de tê-la conhecido... Ele respondeu que jamais se arrependeria.
Depois ela ainda quis saber se ainda se reencontrariam... Lewis arrematou que aquilo era a “coisa mais certa no mundo”.
(...)
As palavras de Anne teriam convencido o amado? Ela mesma sabia da contradição ao reforçar a sua liberdade ao mesmo tempo em que pedia que não a retirasse do coração...
À tarde foram a Coney Island, e Lewis mostrou-se disposto a falar e a apresentar o lugar, sua praia e o parque. Enquanto se divertiam, ele falava sobre livros, pessoas e o ambiente literário de Nova York. Num dado momento perguntou se ela não ficaria chateada ao visitarem Murray.
Anne deixou claro sua concordância, mas estranhou que ele estivesse disposto a partir na manhã seguinte. Ele explicou que não se importava com os compromissos que podiam ser adiados.
(...)
A casa de Murray possuía grandes janelas e a sua localização, no alto de um rochedo, conferia-lhe ambiente arejado e iluminado. O barulho do mar chegava aos ouvidos dos moradores... Tudo muito agradável.
Lewis também estava um encanto... Saboreava as torradas com manteiga e falava sem parar... A família de Murray os recebeu muito bem... Ellen, a jovial e elegante esposa, sintetizava toda a harmonia que se podia contemplar: a casa asseada; o realizado marido; os dois filhos carregados de saúde e energia...
A esposa de Murray era o tipo de mulher (dotada das “perfeições matrimoniais”) que chocava as convicções de Anne... Por essa ela não esperava... Não foi por acaso que ela pensou sobre a coerência de sua presença naquele lugar.
(...)
Foi o menino Dick, filho de Murray que contava oito anos, quem se encarregou de conduzir os convidados a um primeiro passeio. Chegaram a um lugar bem agradável “ao pé de rochedos”... Lewis teve de se entreter com o garoto que não se cansava de jogar bola na areia e na água.
Anne nadou e leu um pouco... Não se pode dizer que tenha ficado entediada... Todavia a pergunta “o que faço aqui?” não lhe saía da cabeça...
(...)
Ellen não os acompanhou quando Murray levou o casal a um passeio de carro pela costa no período da tarde...
(...)
Aos poucos Anne percebeu a rotina daquela família... Murray passava longas horas diante da máquina de escrever enquanto que a jovem Ellen não tinha tempo para si. Notou que certamente teria ótimas ocasiões a sós com Lewis... Antes que o primeiro dia terminasse, os dois tiveram um momento só para si regado a muitos copos de uísque... Então a avaliação que fizeram de tudo foi extremamente positiva (o lugar é lindo; Murray é muito gentil...).
As ondas e seu interminável som de arrebentação traziam o cheiro da maresia... Ellen devia estar preparando uma massa na cozinha... Lewis deixou escapar o seu raciocínio que o levava a refletir sobre os anfitriões e sua condição “ideal”... Então, referindo-se ao que via, fez o elogio do modo como se deveria viver: uma casa própria; “uma mulher a quem não se ama muito nem pouco”; filhos...
Anne quis saber se era daquela forma, “nem muito nem pouco”, que Murray amava Ellen... Ele respondeu que era evidente que sim... E acrescentou que também Ellen devia amar o marido como todas as mulheres amam: “muito e muito pouco”...
É claro que aqueles juízos só podiam ser o resultado da visualização do “pequeno sonho de felicidade doméstica” escancarado para eles na casa de Murray... Anne imaginou que era com certa amargura que ele voltava a pensar sobre o futuro deles, então perguntou se acreditava que pudesse ser feliz vivendo como o amigo Murray.
Lewis disse que era certo que, pelo menos, nunca seria infeliz... Depois manifestou que invejava Murray por ter filhos... Um dia todos se cansam de viver sozinhos... Disse isso e concluiu que gostaria de ter filhos.
Anne emendou que um dia ele poderia se casar e ter filhos... Lewis concordou acrescentando que isso não ocorreria num curto prazo... Talvez demorasse alguns anos até que se resolvesse...
(...)
Ela sorriu concordando...
Pensou que era somente aquilo mesmo que poderia desejar... Alguns anos...
Viviam longe um do outro... Ela já contava certa idade... O amor suportaria um tempo e se extinguiria... Suavemente.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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