Rockport ainda não estava concorrida... Era início de temporada...
Anne parecia se sentir bem acomodada na propriedade de Murray. O jantar foi generoso e, como o ambiente era amistoso, concluiu que haviam feito bem de aceitarem o convite...
Essa sensação de satisfação tornou-se maior depois da chegada de visitas... Alguns conhecidos de Murray apareceram... Sempre curtiam o verão no vilarejo. Ficaram encantados com a francesa... Os tipos eram falantes e a encheram de perguntas.
Murray se divertiu ao propor temas de discussão como “relações entre psicanálise e marxismo”... Anne se empolgou e demonstrou conhecimento e desinibição. Era notável como atraia a atenção de todos.
Lewis preferiu não participar e, em vez disso, auxiliou Ellen no preparo de bebidas e sanduíches.
(...)
Quando todos se recolheram, Lewis comentou a sua
admiração ao notar o engajamento de Anne com Murray e os amigos... Haveria um
cérebro naquele “craniozinho”?
Ele via em Anne “outra coisa” diversa de uma intelectual capaz de
provocar discussões filosóficas... De sua parte, era como “outra coisa” que ela
pretendia permanecer em seus braços.
(...)
O amanhecer do dia seguinte trouxe tudo o que os veranistas desejavam...
Calor, céu azul, mar convidativo... Os Murray emprestaram suas bicicletas ao
casal.
Anne e Lewis pedalaram até a aldeia. Ela não se cansava de enaltecer a
bela manhã... Ele comentou que sua “pobre gaulesinha” não precisava de muito
“para sentir-se no paraíso”.
Anne comentou que o céu, o mar e a companhia do amado não eram pouca
coisa... Lewis concordou e disse que é preciso mesmo contentar-se com o que se
possui...
À tarde, ele se dedicou às
brincadeiras do menino Dick na areia... À noite, Murray levou-os à casa de
amigos. Então foi a vez de Anne se surpreender com a disposição de Lewis para
uma boa conversa...
De fato, ele parecia
demonstrar empolgação ao falar sobre a Guatemala... Tanto é que despertou o
interesse e a curiosidade de todos. Lewis não escondeu suas habilidades
dramatúrgicas e todos riam a valer quando imitou os pequenos índios “trotando
com seus fardos”...
As pessoas ficaram
admiradas e comentaram que ele podia ser ator... As mulheres presentes pediam
novos relatos, mas ele garantiu que não se interessava por narrativas sobre
viagens.
Anne notou que a sua espontaneidade era sedutora... Não era por acaso
que várias mulheres o cercaram enquanto se encaminhou para a mesa com bebidas.
A cena chamou a atenção de Anne, mas logo concluiu que o escritor a atraia por
motivação bem diversa daquela que aparentava para aqueles tipos.
(...)
O ambiente concentrava
artistas que afluíam para o vilarejo naquelas ocasiões. Também Anne não se
acanhou... E nem havia motivo para isso... Cantou, dançou e conversou com
aquelas pessoas, inclusive com o guitarrista da banda que se apresentava. Foi
assim que ficou sabendo que o rapaz havia sido demitido da rádio há pouco tempo
por causa de suas “ideias avançadas”.
De repente Anne percebeu que Lewis não estava em
nenhuma das rodas de conversa... Murray não tinha a menor ideia a respeito de
seu paradeiro... Não seria improvável se resolvesse sair com uma daquelas que
há pouco o ouviam com admiração.
Ela bem sabia que corria o risco de encontrá-lo acompanhado... Neste
caso, Lewis não ficaria contente ao ser flagrado com outra... Mesmo assim, Anne
correu o risco...
Lewis estava sozinho num dos bancos do jardim...
Fumava... Pelo visto queria um pouco de sossego. Anne o encontrou e de modo
amistoso foi dizendo sobre a possibilidade de estar na companhia de mulheres...
A resposta dele foi no mínimo conservadora... Falou que o melhor que
poderia ocorrer seria um barco as levarem todas para o meio do mar e largá-las à
própria sorte na água... Disse isso para deixar claro que não se simpatizava
com aqueles tipos... Depois fez um comentário sobre as indiazinhas de
Chichicastenango, que estavam sempre em silêncio aos pés dos maridos. Anne se
lembrava da fisionomia das indiazinhas... Lewis prosseguiu comentando que jamais
tornariam a vê-las...
(...)
O que Anne pensava a respeito dos juízos do amado? Ela não faz nenhuma
referência... Apenas observa a sua expressão saudosista e deseja que um dia ele
se recorde dela com a mesma ternura.
Ele sugere passearem, pois a noite estava convidativa... Ela adverte que
precisavam voltar porque os amigos de Murray notariam a falta deles... Não
seria nada gentil desaparecerem de súbito.
Lewis garantiu que nada tinha a dizer ou a ouvir
daqueles tipos... Depois gracejou dizendo que gostaria de uma esposa indiazinha
que o seguisse e não implicasse com suas decisões.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-anne.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto