Tião se divertia mesmo com a fantasia que criou ao receber um registro com “identificação nobre” no ato de sua inscrição na Legião Negra... Lá na Chácara do Carvalho ele não se cansava de repetir a sua história... Mas no fundo tinha certeza de suas verdadeiras origens e dos ambientes que podia frequentar.
À sombra de uma vasta seringueira, o recruta Tião folheava as páginas de A Gazeta... Ao longe podia ouvir os acordes da Banda da Legião Negra, ensaiada pelo maestro tenente Veríssimo Glória. Sobre este personagem histórico, Faustino destaca a sua habilidade com vários instrumentos, sua dedicação à música e à causa da Legião Negra... Tanto é que “foi um dos primeiros a atender o chamado de São Paulo”.
(...)
Tião folheava A Gazeta...
Faustino expõe um fragmento importante, pois os
trechos são um recorte significativo da repercussão que os periódicos davam à
iniciativa da Legião Negra:
Os homens de cor e a
causa sagrada do Brasil
(...)
Também os negros de todos os Estados, que vivem em São Paulo, patriotas, fortes
e confiantes na grandeza do ideal, sob a direção do doutor Joaquim Guaraná
Sant’ Anna, tenente Arlindo, do Corpo de Bombeiros, tenente Ivo e outros,
uniram-se formando batalhões que, adestrados no manejo das armas e na
disciplina, vão levar nas trincheiras externas, desprendidos e leais, a sua
bravura, conscientes de que se batem pela grandeza do Brasil, que seus irmãos
de raça: Rebouças, Patrocínio, Gama e outros muitos, tanto dignificaram.
(...) Os nossos
irmãos de cor, cujos ancestrais ajudaram a formar este Brasil grandioso, seguem
cheios de fé, ao nosso lado, ao lado de todos os brasileiros que levantaram
alto a bandeira do ideal da constitucionalização, para a cruzada cívica,
sagrada, da união de todos os Estados, sob o lábaro sacrossanto da pátria
estremecida.
Tião sabia bem que os autores de textos como aquele não tinham a menor
ideia de quem eram os alistados nem quais eram as suas reais motivações... Soltou
uma risada e pensou no Largo da Banana...
Sim, aquele era o seu habitat e ali era considerado por todos... Apesar
de ser um malandro típico, não se recusava a labutar no descarregamento dos
trens que chegavam ao pátio da Barra Funda com “bananas, café e outras
mercadorias”... Também se mostrava disposto a transportar cargas para o
interior dos vagões...
Tião e seus amigos não recebiam grande coisa pelos bicos no Largo da
Banana, aliás, pode-se dizer que era nos jogos (como o de palitinhos, também
conhecido como “porrinha”, os dados, cartas e a tiririca) que acabavam
faturando mais...
Faturavam e ainda se
divertiam.
Já foi evidenciado aqui que
o Tião era mesmo muito bom nesses jogos. Por causa de sua sorte nas cartas era
conhecido como “Mão Grande”... Destacava-se também na tiririca.
(...)
Faustino evidencia uns
versos cantados pelo pessoal que fazia a roda da tiririca: Mourão, mourão/ Vara madura que não cai/ Mourão, mourão, mourão/ Catuca
por baixo que ele vai.
Esses versos foram
eternizados pelo “general da Banda”, o Blecaute (Otávio Henrique de Oliveira)
que os tornou conhecido num grande sucesso carnavalesco.
(...)
Um dos grandes amigos de Tião era o Bento, que sempre se aproximava das
rodas elegantemente trajado (paletó branco, sapatos caros e impecavelmente
lustrados...). Era ele chegar para o jogo e logo começava a cantoria: Oi, emberé, oi emberá! Balança que pesa oro
não pode pesá metá...
Bento aparecia, a cantoria
começava... Ele tirava o paletó e o deixava com um dos meninos que estava por
perto... Iniciava o espetáculo dando ligeiras pernadas que faziam os que
estavam na roda se estatelarem no chão... Depois pegava o dinheiro recolhido
para as apostas e recolocava o paletó... Atirava uma moeda ao garoto...
Bento sim era conhecido
como “o Rei da Tiririca”.
Mais sobre o Bento na próxima postagem.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto