O Mão Grande (Tião) se destacava mesmo era no carteado...
Tião sempre se mostrava seguro de si mesmo com seus truques que ninguém conseguia decifrar...
Mas não se pode dizer que a jogatina fosse sempre tranquila... É que nem todos aceitavam perder para ele e acabavam apelando para a violência. Seu sorriso irritava os perdedores, que achavam que deviam resolver suas diferenças na navalha...
O longo lenço de seda que carregava num dos bolsos do paletó era providencial nos momentos em que tinha de se defender dos golpes de lâminas... Também nessas ocasiões, Tião demonstrava muita agilidade.
Apesar dos tumultos envolvendo brigões, eram raras as ocasiões em que alguém saía com ferimento mais grave... Normalmente o pessoal conseguia apartar os que entravam em brigas e tudo acabava bem.
(...)
Tião era folgazão... Bento era ainda mais.
Ao menos o Mão Grande estava sempre atento à chegada dos trens para
arranjar algum bico... Apenas eventualmente Bento se dedicava ao batente... Ele
tinha várias namoradas e de algumas conseguia as roupas e sapatos elegantes que
exibia.
Quem eram as namoradas do Bento?
O tipo era um “boa pinta”... As empregadas domésticas das mansões de
Higienópolis eram caidinhas por ele. Madalena era a “oficial”, que sempre dava
um jeito de arranjar uma marmita para o seu almoço... Ela nem podia desconfiar
que ele tivesse algum caso, pois certamente o agrediria fisicamente... Mas
Bento tinha tantas namoradas que Tião não conseguia entender como o amigo
conseguia driblá-las...
Também Degolin, “o engraxate cego de um olho”, admirava o modo de ser de
Bento... O infeliz lamentava que para ele só sobravam as que tinham contas para
pagar e as que queriam engravidar e formar família.
(...)
Depois, na Chácara do
Carvalho, Tião sempre dava um jeito de disputar um carteado com os
companheiros... E também não demorou a encontrar um jeito de tirar o seu
cochilo após o almoço longe dos olhares superiores... E olha que ele fazia isso
no próprio alojamento...
Tião não abria mão da sesta
mesmo sabendo que os demais dedicavam o seu tempo à desmontagem das armas,
limpeza e montagem, e ainda na realização de exercícios extenuantes que
poderiam “lhes salvar a vida no campo de batalha”.
Sua retirada para o
alojamento era sempre muito cuidadosa... Depois da refeição, ele se escondia
atrás do bebedouro dos cavalos e se esgueirava pelo fundo de um barracão e por
vários sacos de areia... Ninguém notava.
Tião sequer tirava as
botas e afundava-se na cama... Ele até conseguia mergulhar num sono profundo
por alguns preciosos instantes...
Numa ocasião despertou após forte barulho na porta que se escancarou...
Um tipo seguiu firme em sua direção a passos largos... Tião se apavorou e ficou
muito atrapalhado, pois não conseguiu despertar totalmente... O outro atirou
uma pesada mochila em sua direção.
A surpresa foi a risada que
o recém-chegado soltou... E o tipo foi chamando Tião de “Mano Velho”,
garantindo que “ele também havia se alistado”, e emendando que as “glórias,
medalhas e mamata da Legião Negra” não eram exclusividade dele.
Ninguém menos do que Bento... Quem diria?
Ele se justificou dizendo que também tinha interesse na “moleza” (cama,
comida, roupa lavada, botas resistentes...)... E isso sem mencionar o soldo,
que não era grande coisa, mas dava para o gasto...
É claro que Tião ficou feliz ao rever o amigo, mas foi
alertando que a qualidade de tudo o que Bento elogiava ali era suspeita... Mas
Bento insistiu e garantiu que tirava a guerra “de letra”.
Tião quis mostrar que, para o pessoal da Legião, só chegavam suprimentos
ruins (biscoitos duros, cigarros “mata-ratos”...)... Os dois deram boas risadas
e o Mão Grande continuou a explicar que havia ouvido o tenente Joviano
protestando que “as coisas boas” eram encaminhadas para os batalhões de
brancos, que era o verdadeiro “Exército Constitucionalista”... A Legião era a
“bucha de canhão”.
(...)
Bento conhecia o tenente Raul Joviano do Amaral... O conhecia como chefe
de segurança da Frente Negra. Relatou que houve várias ocasiões em que Joviano
o colocou para correr de bailes e outros eventos sociais onde só aparecia para
conquistar alguma garota.
Bento concluiu que “os pretos da Frente Negra
não pedem pinico para os brancos”.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto