Depois da recordação sobre a chegada de Bento à Legião, o velho Tião volta o seu pensamento à grandeza e imponência da cidade de São Paulo...
Ao tempo da Revolução de 1932 não havia como esconder que o interior do estado era muito mais rico do que a capital... Mesmo assim as manifestações preconceituosas em relação aos que viviam afastados da grande metrópole eram comuns.
“Muitos só se sentem alguém se transformarem os outros em ninguém”... O velho fazia essas reflexões e revisitava as ideias depreciativas que os “da capital” tinham em relação aos “do interior”... Eles diziam que os caipiras não sabiam o que fazer com o dinheiro que tinham, e que era na capital que a cultura se desenvolvia...
Dizia-se que os paulistanos queriam que seu estado se separasse do Brasil na época da Revolução... Depois que o conflito se encerrou, negaram que isso fosse verdade. Mas para o velho Tião não havia como esconder... Pelo menos por parte da elite, o separatismo sempre esteve em pauta.
(...)
Miro nem era de São Paulo, mas ele se comportava como paulistano “da
gema”... Dona Berenice soube como doutriná-lo de tal forma que ele “adquiriu todos
os hábitos de um típico paulistano”.
Com Neo, o amigo de todas as ocasiões, Miro frequentou
os melhores cafés e muitos outros ambientes sempre trajando ternos, camisas,
gravatas e sapatos feitos sob medida pelos profissionais que atendiam aos mais
ricos da cidade...
O tempo em que desejou se tornar arquiteto ficou para trás... Aos poucos
começou a se interessar por Direito, pois percebeu que na condição de promotor,
juiz ou desembargador poderia contribuir muito mais socialmente.
De fato, ele adorava as leis e os direitos que elas garantem às pessoas.
(...)
Foi no antigo Ponto Chic (Faustino informa que a casa foi fundada por Odílio
Cecchini, italiano que pertencia à diretoria da Sociedade Esportiva Palestra Itália),
que existia desde 1922 no Largo do Paissandu, que Miro conheceu boêmios,
intelectuais e estudantes de Direito do Largo São Francisco...
A estudantada que frequentava o lugar estava mais interessada nas “francesas
de Madame Fifi” e em outras diversões... Os trabalhos que os professores
cobravam, as Leis que deviam estudar e os intermináveis livros que deviam ler
eram-lhes maçada.
Aos poucos os acadêmicos perceberam que Miro era um mulato que se
identificava com tudo o que eles mais abominavam, sobretudo os livros (não só
em português) e as dissertações e monografias solicitadas pelos mestres.
O fato é que as coisas se
acertaram... Miro precisava arranjar alguma ocupação que lhe rendesse dinheiro,
já que a madrinha estava envelhecida e sua mesada era pouco mais que alguns
trocados... Aqueles “bons moços”, filhos de ricas famílias do país inteiro,
passaram a pagar-lhe pelos trabalhos que não davam conta.
Para Miro, o “reforço
orçamentário” era prazeroso... Ele curtia mesmo aqueles estudos... Além de
tudo, os trabalhos permitiam-lhe aprimorar o conhecimento de outras línguas,
como inglês, francês e italiano.
A cada trabalho
realizado, Miro percebia que tinha tudo para se dar muito bem no curso... Porém,
apesar das várias tentativas, o Conselho Acadêmico jamais o admitiu...
(...)
Ele também jamais admitiu que a recusa dos mestres tivesse alguma coisa
a ver com preconceito. A explicação talvez estivesse em suas posições
políticas... Miro se declarava monarquista e antirrepublicano.
Aliás, ele já colaborava
com pequenos jornais antirrepublicanos, para os quais escrevia textos ácidos
sob o pseudônimo “Hermann K”. Os leitores admiravam a erudição do autor, que
tinham por um filósofo alemão...
Miro era monarquista convicto... E sua convicção aumentava quanto mais
ele estudava e se tornava intelectual e erudito... Não aceitava a República e
as “teorias políticas e econômicas” de seu tempo. Era com sinceridade que
acreditava que Pedro II havia sido o “grande pai” dos brasileiros, um líder
martirizado pelos golpistas republicanos...
Para ele, a princesa Isabel era uma santa. E
avaliava como justo o reconhecimento da Igreja Católica ao lhe conferir a “rosa
papal”.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto